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Monchique: um só nome, diferentes localizações

Artigo publicado na edição 476, de 28 de julho de 2023

Monchique é uma vila situada no distrito de Faro, enquadrada no centro de duas grandes montanhas, a Fóia com 902 metros e a Picota com 774 metros e sede do município com o mesmo nome, com 5182 habitantes. (INE, 2018). Diversos achados arqueológicos comprovam a ocupação do atual território de Monchique desde pelo menos o V milénio a.C., durante o período Neolítico. Todavia, foram os romanos que, atraídos pelas propriedades curativas das águas medicinais das Caldas de Monchique, mais contribuíram para o desenvolvimento deste local, chegando mesmo a promover a construção de um edifício termal.

Durante a ocupação árabe da Península Ibérica, a serra de Monchique era denominada por Munt Saquir, que significa “Montanha Sagrada” e aquando da primeira conquista cristã, em 1189, são referenciados os castelos que dependiam de Silves e que se renderam, entre os quais se encontram as fortificações de “Munchite” e “Montagut”. (CAPELA, 2014, p. 26).

A primeira grande referência ao lugar de Monchique surge em 1495 pela mão de Garcia de Resende, cronista que acompanhou D. João II na sua viagem ao Algarve. Através dele sabemos que o monarca dormiu duas noites em Monchique, doou um baldio ao povo da Foia e esteve nos banhos sagrados das Caldas. Nesta altura, Monchique já teria algum povoamento, mas ainda sem uma estrutura urbana organizada. (SILVA, 2012, p. 20).

É na segunda metade do século XVI que Monchique começa a apresentar uma certa importância em relação a outros povoados da serra, como comprovam os vários estudos que lhe fazem referência. A localização geográfica, que permitia uma excelente vigilância sobre a costa, a existência de termas e a abundância de boas pastagens e madeira de castanho foram os principais motivos que contribuíram para o desenvolvimento urbano e social da localidade. Foram também estas características que motivaram a visita régia de D. Sebastião, em 1573, e a consequente decisão em elevar Monchique a vila, a qual não foi aceite por Silves – cidade de que Monchique dependia administrativamente -, ordenando a imediata anulação. Esta autonomia só viria a ocorrer dois séculos depois, no âmbito da Restauração do Reino do Algarve levada a cabo pelo Marquês de Pombal, através da qual foram tomadas uma série medidas do ponto de vista socioeconómico em prol do desenvolvimento da região. A nível administrativo, verificou-se uma alteração nas divisões dos territórios de maior densidade, que dificultavam a execução de processos jurídicos e económicos. Assim, pelo Alvará de 16 de janeiro de 1773, o lugar de Monchique foi desanexado do extenso território de Silves e constituído como concelho autónomo.

A localização geográfica, que permitia uma excelente vigilância sobre a costa, a existência de termas e a abundância de boas pastagens e madeira de castanho foram os principais motivos que contribuíram para o desenvolvimento urbano e social da localidade.

Durante o século XX, Monchique continuou a exportar os seus produtos agrícolas para os concelhos vizinhos, mas a partir do atual centénio, em virtude do envelhecimento da população e da fuga dos mais jovens para as cidades, assistiu-se a uma significativa perda de algumas atividades tradicionais e consequente desenvolvimento de economias diversificadas sobretudo direcionadas para o turismo e comércio.

Do ponto de vista do património cultural importa referir alguns aspetos e pontos de interesse que, dado o seu valor histórico, reforçam a importância desta localidade. Particularmente na vila de Monchique, ao percorrermos os seus principais eixos urbanos, deparamo-nos com edifícios e elementos arquitetónicos relacionados com o desenvolvimento urbano desta região. Se na parte mais elevada da vila, mais propriamente na zona do Pomar Velho, sobressai ainda um edifício quatrocentista com porta ogival associado ao núcleo pré-urbano que deu origem à população, à medida que que nos aproximamos do centro encontramos edifícios mais recentes, com vestígios arquitetónicos a partir do século XVI, onde se insere o casario pintado de branco, as cantarias, as típicas chaminés de saia e outras construções de elevada notoriedade. Refira-se ainda a toponímia, que conserva referências a anteriores utilizações de espaços ou estão associados a nomes importantes desta vila (Rua do Corro, Rua do Açougue, Rua Dr. Bernardino Moreira, entre outras). De realçar a existência de alguns edifícios históricos de grande relevância como a Igreja Matriz (séculos XV/XVI), Igreja da Misericórdia (século XVI) e Convento de Nossa Senhora do Desterro (século XVIII).

Como descrito anteriormente, o território que hoje corresponde ao concelho de Monchique apresenta uma ocupação milenar e o seu nome deriva de uma expressão árabe, o que nos pode sugerir a existência muito longínqua desta localidade. Todavia, em todo o país são conhecidas algumas pequenas povoações, ruas, praças e até ilhéus com o mesmo nome, ou em alguns casos, com muita semelhança no nome e na orografia e património construído. Não havendo um estudo aprofundado sobre este tema, que esmiúce e justifique o motivo para a quantidade destes homónimos e, sobretudo, para a sua localização, neste artigo procura-se essencialmente identificar todas estas existências.

(…) o território que hoje corresponde ao concelho de Monchique apresenta uma ocupação milenar e o seu nome deriva de uma expressão árabe, o que nos pode sugerir a existência muito longínqua desta localidade.

No século XX, José António Guereiro Gascon nos “Subsídios para a Monografia de Monchique”, dividia em três grupos “os nomes iguais ou semelhantes ao de Monchique, de que tenho conhecimento”. Assim, no primeiro grupo, o investigador considera “os que propriamente se referem a Monchique (serra, vila e concelho)”, no qual são referenciados os seguintes topónimos: MUNCHITE/MONCHITE, correspondente “a um dos castelos dependentes do de Silves, tomado aos mouros em 1189, por D. Sancho I” e MONCHICÃO (Monchicão de Baixo e de Cima), denominados como “sítios da freguesia de Alferce, do concelho de Monchique, de cuja sede distam uns 15km”. Ao segundo grupo, associado “aos homónimos ou iguais que pertencem a outros concelhos ou regiões”, José Gascon identifica quatro existências com a designação de MONCHIQUE, sendo duas delas as povoações em duas freguesias distintas, uma em Vaqueiros, no concelho de Alcoutim e outra em Guilhufe, no concelho de Penafiel.

Destas duas, pesquisas recentes na internet deixam em evidência a presença deste topónimo na referida freguesia de Guilhufe, onde subsiste a Travessa de Monchique. Os outros dois topónimos referenciados no segundo grupo são o “ilheu do arquipélago dos Açores, no Oceano Atlântico, a O. da ponta dos Faróis, na Ilha das Flores” e o Convento de Monchique, em Miragaia, na cidade do Porto, ao qual se tinha acesso pela Calçada de Monchique. Relativamente à origem do nome do ilhéu açoriano, pouco se sabe, a não ser que empresta o apelido ao periódico mensal intitulado “O Monchique”, editado no arquipélago dos Açores até há poucos meses. Quanto à rua portuense, surgem várias referências à sua designação pela proximidade com o Convento da Madre Deus de Monchique, cujo “termo parece ter evoluído de Monte Chico , que significava pequeno monte”.

Finalmente, o terceiro grupo é, segundo o mesmo investigador, constituído pelos nomes “que não fazendo parte de qualquer dos grupos anteriores, apenas têm com Monchique algumas relações de semelhança”. A título de exemplo, José Gascon sugere as localidades de MARACHIQUE, sítio da freguesia de Alvor, no concelho de Portimão, MONTACHIQUE, no concelho de Loures e MACHICO, enquanto “vila e concelho pertencente ao distrito do Funchal, Ilha da Madeira, descoberta em 1418 por João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz”. Entre lendas e alguns estudos mais aprofundados, as teorias para o nome desta região multiplicam-se e divergem amplamente. No século XX, Álvaro Rodrigues de Azevedo acreditava numa possível ligação da cidade madeirense à serra de Monchique devido às semelhanças entre as duas regiões que foram registadas pelos primeiros navegadores e povoadores que, na sua opinião, seriam maioritariamente oriundos do Algarve.

No século XX, Álvaro Rodrigues de Azevedo acreditava numa possível ligação da cidade madeirense à serra de Monchique devido às semelhanças entre as duas regiões que foram registadas pelos primeiros navegadores e povoadores que, na sua opinião, seriam maioritariamente oriundos do Algarve.

Este historiador registava a existência, “no continente do reino dois lugares denominados Monchique”, sendo um no vale do Douro entre a cidade do Porto e Miragaia, e o outro é Monchique, “onde esta denominação designa não só as serranias, mas também um concelho, uma freguesia, uma vila e um ameníssimo vale por este nome conhecidos; vale que, quanto mais não seja, por vasto, formoso e abundante em águas e árvores tem semelhanças com o de Machico…”. Por outro lado, Alberto Vieira refuta esta teoria, descartando que o povoamento da ilha não foi feito por algarvios, mas sim por colonizadores vindos, em grande escala, do norte do país. O historiador acredita que o topónimo Machico tem origem no nome de um marinheiro que participou na expedição de Zarco, ou seja, em “Macheco, filho de marinheiros lusos, e não deverá ser entendido como uma corruptela de Monchique ou Machim. (…) Mas é em torno do relato da aventura de Machim que mais se reúne consensos para a origem ou não do topónimo Machico”.

Pese embora se verifiquem duas teorias tão distintas, as semelhanças entre as duas regiões são visíveis, nomeadamente a nível da orografia e dos recursos hídricos. Machico é essencialmente uma área de costa, sendo banhado a norte, este e sul pelo Oceano Atlântico. No entanto, a sua morfologia é marcada por vários montes e serras, como a do Castanho (589 m), Pedreiro (792 m), Pico da Coroa (738 m) e Penha de Águia (590 m) e existem diversos cursos de água, sendo o de maior importância, a Ribeira de Machico. Como que a comprovar tão elevada semelhança, – até na pronuncia do nome – importa referir a geminação que, desde o início do ano, foi estabelecida entre as freguesias de Machico e Monchique, como forma de estreitar laços e aproximar as duas regiões.

Imagem: Paisagem de Machico, Madeira

BIBLIOGRAFIA:
CAPELA, Fábio Filipe Gomes Simões (2014). “Contributos para o conhecimento da Pré-história recente e da Proto-história da Serra de Monchique”, Dissertação de Mestrado em Arqueologia e Território, Arandis Editora, Albufeira;
FURCTUOSO, Gaspar (1873). “As saudades da terra”, História das ilhas do Porto Sancto, Madeira, Desertas e Selvagens, Manuscrito do século XVI anotado por Alvaro Rodrigues de Azevedo, Tipografia Funchalense, Funchal;
GASCON, José António Guerreiro (1993). “Subsídios para a Monografia de Monchique”, 2.ª edição (facsimilada), Algarve em Foco Editora, Faro;
MATEUS, Ana Rita Santos (2023). “A elevação de Monchique a Vila. Dois séculos de História”, Câmara Municipal de Monchique, Monchique.

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