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Os Camisas Azuis e Salazar: confronto entre dois conceitos de ditadura

1933 foi um ano crucial para Salazar. Havia a Constituição, havia o corporativismo, legislação fundamental a promulgar, caso do Estatuto do Trabalho, e havia ainda as relações delicadas com a tropa, a organização da União Nacional, o movimento apoiante do regime. É nesse contexto que esse ano de 1933 se revelou tumultuoso quando Salazar foi confrontado com a crescente popularidade de um movimento fascista liderado por Rolão Preto, o Nacional-sindicalismo. E convém não esquecer que em Janeiro desse ano Adolfe Hitler ascendia ao poder, o nazismo cedo revelou a sua face.

Com base na sua tese de doutoramento, António Costa Pinto procede a um estudo rigoroso sobre a ação política dos portugueses, centrando-se no Nacional-sindicalismo e no confronto entre o seu Chefe e Salazar: “Os Camisas Azuis e Salazar”, por António Costa Pinto, Edições 70, 2015. Dá-se oportunidade ao leitor interessado de conhecer o aparecimento do fascismo da sociedade portuguesa e de movimento anteriores que pesaram na organização do nacionalismo radical, caso do Integralismo Lusitano; estuda-se a fundação do Nacional-sindicalismo no contexto da Ditadura Militar e desvela-se o elementar da sua ideologia, a sua natureza política para depois se entender o que iria separar a doutrina personificada por Rolão Preto e a União Nacional. Chegamos então ao exacerbamento entre os fascistas puros e o salazarismo. Como escreve o autor, “o objetivo fundamental do trabalho é de contribuir para uma melhor compreensão das condições de emergência do fascismo, enquanto variante de um largo espectro de soluções autoritárias no âmbito da crise do liberalismo e da democracia após a I Guerra Mundial”.

Para se entender o confronto entre a expressão mais agressiva do fascismo português e a doutrina de Salazar, é importante ir às origens do fascismo português, pensamento com que Salazar nunca coabitou, a despeito de uma certa simpatia por alguns dos seus próceres, como Alfredo Pimenta. Perante a I Guerra, em 1916, apareceu o Integralismo Lusitano que sonhava com a restauração de uma monarquia corporativa, antiliberal e tradicionalista. António Sardinha pontificava. Dividiram-se quando os monárquicos apoiaram D. Manuel II ou sonharam com o regresso do descendente de D. Miguel. Apoiaram Sidónio Pais e depois apagaram-se. É dentro deste integralismo que surge Rolão Preto, estudante monárquico emigrado. Conheceu as doutrinas da Ação Francesa e muito cedo se vai apaixonar pelo nacionalismo. Acreditava piamente num Sindicalismo orgânico, queria os ricos menos ricos e os pobres menos pobres, detestava a industr
ialização selvagem e increpava a classe política corrompida pelo capital internacional. E descobre o fascismo italiano, torna-se adepto da ação mediante a defesa do nacionalismo lusitano.

Salazar tem outro currículo: vem do catolicismo social, é igualmente antiliberal, antidemocrata e antiparlamentar, zela pelas boas relações com a igreja, cedo começa a desenhar-se a necessidade de ter um fortíssimo movimento de apoio que possa congregar republicanos tradicionalistas, monárquicos de diferentes matizes, entusiastas com o renascimento dos valores da Nação perene, orgulhosa pelos feitos passados, como os Descobrimentos, e preocupada com a ação civilizadora que o Império exige.

Costa Pinto rev20_livro salazarela outros movimentos que interferiram com a ideia nacionalista como a Cruzada Nacional Nuno Álvares Pereira e, após a Ditadura, a criação da Liga Nacional 28 de Maio onde Salazar irá buscar inúmeros apoiantes, até esta se dissolver dentro da união nacional.

O estudo a que o autor procede sobre o Nacional-sindicalismo é fundamental para se compreender o distanciamento de Salazar, pouco dado ao espetáculo das massas e mais interessado em manter o regime autoritário dentro da sobriedade, sem o paganismo nazi nem os aspetos concentracionários do militarismo imperialista de Mussolini, o que Salazar queria era um regime de brandos costumes motivado por ideias nacionalistas, um certo endeusamento do passado e relações de trabalho que evitassem os conflitos mais gritantes entre as classes dominantes e as dominadas. E Salazar sabia que Rolão Preto arrebatava as camadas jovens para o seu lado, aquela primeira União Nacional tinha uma média etária de 50 anos. Costa Pinto põe também na equação o poder dos militares e como com subtileza Salazar desafeta-os do partido de Rolão Preto, até à dissolução do Nacional-sindicalismo, em que muitos dos associados aderiram à União Nacional. Este fenómeno de Rolão Preto marcou em definitivo o regime de Salazar, urdiu o seu autoritarismo específico, pôs termo ao fascismo agressivo, desativou a elite fascista, anulou o dogmatismo restauracionista monárquico. A partir daí estava solidificado o regime do homem providencial, “tudo pela Nação, nada contra a Nação”, o trabalho de António Costa Pinto ajuda a compreender como a resolução desta crise entre Salazar e Rolão Preto acabou por produzir uma das mais longas ditaduras de direita da Europa do século XX.

Autor: Beja Santos

 

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