Achados arqueológicos no concelho de Monchique
Um pouco por todo o território concelhio de Monchique subsistem vestígios materiais (móveis e imóveis) da presença humana, uns mais antigos que outros, que testemunham a ocupação deste território serrano desde tempos remotos e em distintos momentos civilizacionais. Quer isto dizer que ao longo dos séculos vários povos, com diferentes culturas, habitaram a serra mais proeminente do extremo sudoeste da Península Ibérica e, certamente, terão aproveitado muitos dos recursos naturais que a “Montanha Sagrada” ainda hoje presenteia. Inevitavelmente e à semelhança de tantos outros territórios, no atual concelho de Monchique existem diversos vestígios dessas antigas vivências, muitas vezes encontrados casualmente por populares (especialmente no âmbito de lavouras). Neste contexto evidencia-se a importância dos arqueólogos, na medida em que munidos de métodos científicos tentam compreender e explicar esses vestígios e, numa perspetiva mais ampla, procuram entender as antigas sociedades – englobando os seus modos de vida e as suas interações com o meio ambiente.
Especialmente ao longo dos séculos XIX e XX sucederam-se descobertas arqueológicas no concelho de Monchique, realçando-se que alguns desses vestígios materiais não correspondem propriamente a povoados nem a necrópoles, podendo, no entanto, estar relacionados com esses espaços demarcados. Por exemplo, foram detetados vários troços de antigas vias lajeadas que, na maioria das vezes, situam-se bastante próximos de sítios arqueológicos cronologicamente e/ou tipologicamente diferentes. Embora tradicionalmente sejam considerados romanos (facto que ainda carece de comprovação científica), existem indícios de que a origem desses caminhos antigos remonte à Pré-história Recente. Tendo em conta a localização excecional deste território serrano, a copiosidade de recursos naturais disponíveis e a diversidade de vestígios arqueológicos encontrados – que indubitavelmente atesta uma ocupação humana desde, pelo menos, o V milénio a.C. –, é evidente que teria de existir uma rede viária pré-romana, provavelmente composta por veredas não empedradas, que facilitasse a ligação com o litoral e com as planícies do atual Baixo Alentejo.
No que concerne a vestígios arqueológicos móveis salienta-se que também foram descobertos neste território serrano vários objetos peculiares, alguns extremamente raros e de assinalável valor cultural. Exemplo disso é caso de um depósito de artefactos em bronze que foi encontrado no século XIX na rampa oriental do afloramento sienítico da Foia (perto da vila de Monchique), cujas peças, infelizmente, terão sido vendidas em Lagos e refundidas numa oficina de fundição – embora no Museu Nacional de Arqueologia esteja depositado um machado plano de bronze proveniente de Monchique, que poderá provir desse depósito. A descrição efetuada sobre o contexto desta descoberta revela que os artefactos metálicos estavam empilhados no fundo de uma cova repleta de terra, que era formada pelo contacto de dois grandes afloramentos rochosos, perto do corredor natural que corresponde ao vale que separa a Foia da Picota. Outro achado que merece destaque é o de uma navalha de barbear em bronze, com aproximadamente 3000 anos (atribuída à Idade do Bronze Final), que foi encontrada em 1947 no “barranco sagrado” onde se situam as Caldas de Monchique. Embora este raro artefacto arqueológico tenha sido encontrado perto das antigas termas romanas, apareceu descontextualizado e, por isso, pode ser oriundo de uma outra zona desta serra. Esta navalha de barbear encontra-se exposta no Museu Geológico de Lisboa e foi o primeiro exemplar identificado em Portugal. Com efeito, este tipo de artefactos reflete um novo significado social no seio dos povos peninsulares (sobretudo aqueles ligados ao “mundo atlântico”), conotado com fatores de ordem estética e de aparência, mas também de faixa etária, género e poder. No século XIX foi explorada uma sepultura algures na Picota que continha, entre outras coisas, um artefacto insólito: um elemento de forma retangular composto por seis argolas abertas em bronze (uma delas fraturada), que se encontram ligadas umas às outras e alinhadas aos pares. Este curioso conjunto de argolas em bronze está depositado no Museu Nacional de Arqueologia e é possível que integrasse uma das fases do fabrico de anéis. Existe, também, uma referência da segunda década do século XX à descoberta de um outro artefacto incomum nos arredores das Caldas de Monchique – juntamente com outros instrumentos em pedra polida, maioritariamente machados –, que segundo a descrição corresponderá ao aro de uma fivela de bronze.
Além de objetos de cariz utilitário existem referências a achados arqueológicos com características e significados diferentes. Num local pertencente ao concelho de Lagos foi encontrada uma estela em xisto (pedra que geralmente possui uma face alisada onde são gravadas inscrições e/ou representações) que era proveniente de uma sepultura da zona de Marmelete – povoação antiga que na época islâmica provavelmente se denominava Malmār. Esta apresenta uma gravação em alto-relevo, embora só se conserve parte dos elementos decorativos, nomeadamente o que parece ser a porção inferior de uma espada de folha larga e, por cima, um presumível cabo de um machado ou de uma alabarda. A estela de Marmelete está depositada no Museu Municipal Santos Rocha, na Figueira da Foz, e integra-se no tipo das denominadas “estelas alentejanas” da Idade do Bronze (II milénio a.C.), encontrando vários paralelos no sudoeste peninsular, principalmente no Algarve e no Alentejo. No Museu Municipal Dr. José Formosinho, em Lagos, existe uma outra estela (fragmentada na sua metade superior) que, segundo a ficha técnica, terá sido descoberta no extremo sudeste do concelho de Monchique, numa zona denominada de Dobra. Conquanto as suas condições de achado sejam desconhecidas e exista a possibilidade de ter sido encontrada numa área já pertencente ao concelho de Silves, ao contrário da estela de Marmelete esta apresenta uma face epigrafada com a designada Escrita do Sudoeste – o que lhe atribui uma cronologia da I Idade do Ferro, com aproximadamente 2500 anos. Salienta-se que esta escrita é anterior ao latim, provavelmente é a mais antiga da Europa Ocidental e ainda hoje não está decifrada.
Neste âmbito realça-se uma interessante referência ao achado de uma sepultura perto da vila de Monchique, por volta do ano 1780, que continha as ossadas bem conservadas de um homem de estatura gigantesca, evidenciando-se que entre os vários objetos que acompanhavam o inumado estava uma inscrição com caracteres desconhecidos.
Considerando que um dos autores desta referência menciona que os caracteres talvez fossem fenícios, embora não refira o suporte da inscrição, é possível que se tratasse de uma inscrição com escrita do Sudoeste. Infelizmente, segundo consta, a sepultura e o seu conteúdo foram destruídos. Porém, relativamente aos vestígios romanos no concelho de Monchique, na inacabada Carta Archeologica do Algarve dedicada aos tempos históricos está assinalada entre a vila e a Foia uma sepultura com inumação que, quiçá, poderá corresponder ao achado suprarreferido.
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