José Manuel Gonçalves, presidente da Junta de Freguesia de Alferce: “O pior já passou e agora é olhar com otimismo, esperança e certeza de um futuro melhor”
O Alferce foi a freguesia mais afetada pelo incêndio de 2018, o que originou que não haja “rendimento sustentável durante uma década” e que a maioria das 20 habitações destruídas continuem a aguardar “os apoios oficias” para reconstrução. José Manuel Gonçalves, presidente da Junta de Freguesia desde 2013, admite que “a maior dificuldade no imediato é a reconstrução de tudo aquilo que o último grande incêndio nos retirou”, no entanto, define-se como “otimista” e aponta como “muito encorajadores” os estudos realizados no Castelo do Alferce, apresentado este monumento com “grandes potencialidades turísticas, pois além da sua localização privilegiada com vistas deslumbrantes, a sua riqueza histórica é única” e aponta vários projetos que pretende implementar até ao final deste segundo mandato, admitindo que a freguesia tem como vantagem as “paisagens, fauna e flora naturais, a riqueza dos seus solos, a disponibilidade de água e a criatividade e força das nossas gentes”.
Jornal de Monchique – Em 2016, admitiu ao Jornal de Monchique que a freguesia de Alferce estava a “alterar a tendência de desertificação, com a fixação de quatro casais desde o início desse ano”. Depois do incêndio de 2018 essa situação inverteu-se? Qual é o estado atual da freguesia? Teme que o Alferce possa, futuramente, vir ser anexado a outra freguesia criando uma união de freguesias?
José Manuel Gonçalves – Infelizmente a desertificação humana das freguesias do interior, como é o caso de Alferce e também do restante concelho de Monchique é sempre um tema de preocupação permanente. Esta problemática está relacionada com dois fatores demográficos críticos, respetivamente:
1. O envelhecimento demográfico da população residente, que com o passar dos anos e pela lei natural da vida, começam a falecer em percentagem muito elevada;
2. A saída precoce dos mais jovens em busca de melhores saídas profissionais, existindo duas situações distintas:
a) As pessoas de meia-idade, que por não existirem empregos e não disporem de rendimentos garantidos, partem em busca de emprego sustentável; esta tendência teve um grande incremento a partir dos anos 70; por exemplo, andei nas escolas primárias da Laranjeira e da Fornalha com mais de 50 colegas, destes apenas eu e mais duas pessoas vivemos atualmente na freguesia; recordo que 1984 quando fomos à “antiga inspeção para a tropa”, eramos 28 mancebos naturais da freguesia, mas já então, apenas dois eram aqui residentes.
b) Saída das camadas da população jovens para concluírem os estudos; como sabemos os “nossos filhos” são por norma trabalhadores e inteligentes, obtendo boas notas e entrando facilmente no ensino superior; por norma as famílias apostam tudo na sua formação exterior, onde eles depois de concluir os seus cursos, fazem os estágios profissionais e pelo seu desempenho e competência, conseguem, por norma, um trabalho adequado à sua formação; assim ficam a viver nas zonas de formação onde há mais oferta de trabalho, criando depois lá a sua família onde nascem os “nossos netos”, o que obviamente não contribui para regeneração da população dos locais de origem, com grande prejuízo para estas zonas mais desfavorecidas.
Para contrariar estas duas vertentes e inverter a perda contínua da população, registam-se dois fatores principais, que são: o retorno da nossa população normalmente após a aposentação e a vinda de pessoas de fora (comunidade portuguesa e estrangeira).
Logo após o incêndio de 2018 e durante o ano de 2019 registou-se a saída do território da freguesia de algumas pessoas, especialmente da comunidade estrangeira, que adicionalmente com a morte de várias pessoas especialmente idosos, registou-se um decréscimo efetivo da população residente. No início de 2020, devido à pandemia covid-19, e para diminuírem os impactos do confinamento, registou-se o regresso de várias famílias especialmente os mais idosos e que tinham aqui a segunda habitação; registamos ainda, uma procura de habitações para arrendamento muito acima da média; existiu adicionalmente um reforço na atividade imobiliária, invertendo-se assim a desertificação humana registada nos dois anos anteriores.
Todos sabemos que o concelho de Monchique abrange um vasto território, com uma densidade populacional muito baixa, mas em contrapartida temos um solo muito rico e com grande disponibilidade de água e de sol, estas riquezas torna o nosso território muito apetecível para viver, assim, julgo que a desertificação humana será revertida de forma definitiva num futuro muito próximo. Ora, como temos apenas três freguesias no concelho e todas elas com um território vasto, julgo que num futuro próximo não deverão existir alterações na geometria das nossas freguesias.
JM – Dois anos depois do incêndio de 2018, que trabalhos já foram realizados de ordenamento da floresta? De que forma o incêndio afetou economicamente a população? Quantas habitações ardidas foram recuperadas? Que apoios foram ou estão a ser prestados à população afetada?
JMG – Efetivamente em agosto faz dois anos que tivemos a grande tragédia do incêndio na nossa freguesia, o qual destruir tudo à sua passagem. Nessa altura tivemos muitas promessas de apoios efetivos por parte das várias entidades e responsáveis políticos que nos visitaram; a verdade é que passado todo este tempo, muito pouco foi realizado. Existiram muitas candidaturas para apoios agrícolas mas devido à burocracia muitas das pessoas desistiram dos projetos. Relativamente aos projetos florestais existiram muito poucas candidaturas, sendo que a maioria destas estão ainda pendentes de aprovação. Logo o tão esperado reordenamento da floresta também ainda não se realizou e não se vê perspetivas de resolução imediata enquanto as florestas não forem efetivamente rentáveis.
Com este incêndio tão destrutivo e sendo a nossa freguesia iminentemente rural, todo o tecido económico foi atingido de forma muito severa, assim, a produção de cortiça foi reduzida ao mínimo para as próximas décadas, os eucaliptos poderão ter algum rendimento apenas dentro de 10 anos e a produção de medronho poderá ser rentável apenas dentro de mais dois anos, o que significa que continuará a não existir rendimento sustentável durante uma década, numa zona onde a população é maioritariamente idosa e sem recursos económicos para voltar a investir.
Como sabemos, na freguesia foram atingidas mais de 20 casas de primeira habitação, destas apenas tenho conhecimento da recuperação de parcial de três casas por parte dos habitantes (estrangeiros), que tinham seguros ou que recuperaram as casas com fundos próprios, duas casas de residentes nacionais, foram parcialmente recuperadas com ajudas de voluntários e a freguesia ajudou na recuperação parcial de uma outra casa. Todas as outras estão por iniciar a sua recuperação, aguardando os apoios oficias. A maioria das pessoas está a residir em habitações arrendadas por parte das entidades oficiais, sendo que tivemos o conhecimento de três pessoas que adquiriram outras residências com apoios estatais e existem duas pessoas que por vontade própria vivem em anexos junto das suas antigas habitações.
Aproveito para recordar que foi criada uma Associação de Lesados do Incêndio de Monchique (ALIM2018), cujo objetivo é abranger e representar todos os lesados deste grande incêndio, independentemente da residência e da freguesia atingida desde de que sejam inscritos como associados. Na última Assembleia Geral da Associação, foi decido avançar com processos judiciais contra a EDP Distribuição, e contra o Estado Português, com vista à obtenção de indemnização dos prejuízos individuais; foi definido que as custas judiciais (custos de tribunal) para os associados serão respetivamente:
1. Estão isentos de pagamento de qualquer valor os associados com prejuízos até 5.000€;
2. Também estão isentos de pagamento os associados que arderam as casas de 1.ª habitação;
3. Os restantes associados pagarão 1,50€ por cada 1.000€ de prejuízo reclamado (por exemplo se tiverem um prejuízo avaliado em 10.000€, pagarão 15€ de comparticipação nas despesa de tribunal).
Quem quiser associar-se na ALIM2018, poderá contactar a freguesia de Alferce, onde obterá as informações necessárias para o efeito.
JM – Que balanço faz da criação do Centro de Dia e Apoio Domiciliário do Alferce? Quantos utentes são apoiados? Quais as valências disponíveis? Há a necessidade de ampliação?
JMG – O balanço da criação do Centro Comunitário de Alferce é francamente positivo, pois foram criadas duas respostas que se têm mostrado essenciais nas freguesias de Alferce e Monchique, sendo que, por exemplo, nesta fase de covid-19 a possibilidade de trabalharmos em rede social tem sido fundamental para podermos dar resposta às necessidades presentes.
A capacidade das respostas são:
1. 19 utentes em Centro de Dia (atualmente estamos com o serviço suspenso por decisão do Instituto da Segurança Social devido à covid-19, aguardando-se que o Governo decida as reaberturas em todo o país), sendo que nesta fase realizamos o apoio domiciliário a estes utentes;
2. 40 utentes em Centro de Apoio Domiciliário, sendo que nesta fase de covid-19, extraordinariamente, estamos a apoiar 45 utentes.
3. A Casa do Povo já solicitou o aumento da capacidade das duas valências, aguardando-se a respetiva autorização.
JM – Em que ponto se encontra a implementação do Centro de Noite e do projeto do Centro de Demência?
JMG – Infelizmente o Projeto de Centro de Noite não teve apoios da Segurança Social para a sua implementação, e assim não podemos avançar, pois colocaria em risco a situação financeira da instituição. Nesta data, o que se pretende efetivamente é a criação de uma ERPI (Edifício Residencial para Idosos), com valências de resposta também na área da demência. Temos o projeto desenvolvido, mas aguarda-se a publicação de programas de apoio para a construção (Programa PARES), o qual deverá ser brevemente publicado.
JM – O Alferce possui “certamente o monumento mais importante do concelho e obviamente da freguesia”, afirmava em 2016. Qual a evolução das escavações e o que já foi descoberto, entretanto, sobre o Castelo do Alferce? Pretende torná-lo num ponto de atração turística, já que a freguesia está integrada na Rota Omíada? De que forma pretende fazê-lo?
JMG – As escavações que decorreram na zona do Castelo de Alferce e os posteriores estudos técnicos de superfície (georradar), realizados com o apoio de várias entidades coordenadas pelo arqueólogo Fábio Capela do Município de Monchique, são muito encorajadores e confirmaram aparentemente a existência de estruturas construtivas pré-históricas, portanto vestígios de habitabilidade do local muito antes da construção do Castelo pelos árabes.
O Castelo de Alferce tem grandes potencialidades turísticas, pois além da sua localização privilegiada com vistas deslumbrantes, a sua riqueza histórica é única o que poderá, em breve prazo ser provado, já que serão realizadas este verão novas escavações no local, potencializando os estudos técnicos e científicos já efetuados anteriormente, escolhendo-se previamente as zonas potencialmente mais importantes, obtendo-se assim o máximo proveito desse trabalho de escavações, pelo que dada a sua riqueza histórica a sua inserção na Rota Omíada é óbvia.
A freguesia de Alferce em protocolo com o Município de Monchique e outras instituições realizou um projeto Global com duas candidaturas PRODER para dinamização do local respetivamente:
1. Candidatura para criação de Centro Interpretativo e Centro Museológico em Alferce, criando um circuito pedonal de ligação da aldeia do Alferce até ao Serro do Castelo, passando pelo Barranco do Demo, onde será criando um passadiço e uma ponte suspensa.
2. Candidatura conjunta com a Vicentina e as freguesias de Monchique e Marmelete, em que no Alferce se pretende realizar a identificação e sinalética de vários percursos pedonais e a reativação, identificação e registo das diferentes águas da Fonte Santa da Fornalha.
JM – Que projetos ainda faltam implementar até ao final do mandato? E no futuro?
JMG – Até ao final do mandato pretendemos realizar ainda vários projetos nomeadamente:
1. Criação da Área de Serviço de Autoavanças (ASA); temos a Candidatura PRODER aprovada, faltando a aprovação por parte do ICNF do Estudo de Valores Naturais e a provação do projeto por parte Comissão Nacional da Reserva Agrícola (RAN).
2. A criação do espaço do Centro Interpretativo e Museológico do Alferce, com percurso pedonal até ao Serro do Castelo, que tem a candidatura ao PRODER aprovada, faltando a aprovação por parte do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas do Estudo de Valores Naturais
3. Arranjo paisagístico da entrada do Alferce;
4. Criação do parque de merendas da Azenha.
JM – Qual a maior dificuldade e a maior vantagem da freguesia do Alferce?
JMG – A maior dificuldade no imediato é a reconstrução de tudo aquilo que o último grande incêndio nos retirou em poucas horas e a motivação dos residentes devido a sua idade avançada. A maior vantagem do Alferce é as suas paisagens, fauna e flora naturais, a riqueza dos seus solos, a disponibilidade de água e a criatividade e força das nossas gentes.
JM – O incêndio e agora a pandemia da covid-19 interferiram no plano que tinha delineado para a freguesia no mandato que assumiu em 2017?
JMG – Certamente que sim, foram duas ocorrências que afetaram todos nós de forma muito significativa, sendo necessário a dedicação, participação e envolvimento de todos os elementos da Junta, da Assembleia de freguesia e funcionários, das IPSS locais, com ênfase especial para o desempenho da Casa de Povo de Alferce, o Município de Monchique, e toda a população da Freguesia de Alferce.
Estes foram dois acontecimentos dramáticos que marcaram os dois últimos anos, obrigando-nos à reformulação contínua dos objetivos, gastando recursos financeiros e tempo que obviamente adiaram outros projetos e investimentos, mas julgamos que o pior já passou e agora é olhar com otimismo, esperança e certeza de um futuro melhor.
JM – Como encara a delegação de Competências das Câmara Municipais para as Juntas de Freguesia?
JMG – A freguesia de Alferce desde sempre tem realizado, através de protocolos, várias atividades no âmbito da delegação de competências, os quais são serviços que, por inerência legal, deveriam ser realizadas pelo Município de Monchique. Entretanto, com a nova legislação de descentralização das competências, esperava-se que essas transferências tivessem sido mais aprofundadas, o que ainda não aconteceu; refira-se que a Freguesia de Alferce aceitou todas as competências aplicáveis e previstas legalmente, em troca dos recursos humanos e financeiros necessários, os quais deveriam transitar diretamente do município para a freguesia, mas, até à data, e por razões alheias à junta, ainda não foi possível a sua efetivação.
JM – Vai recandidatar-se nas autárquicas de 2021?
JMG – Efetivamente o tempo passa muito depressa e as próximas eleições autárquicas serão já no final do próximo ano; como sou um defensor da rotatividade dos cargos de decisão e da integração da juventude na política, os quais trazem novas ideias e competências, assim, espero que isso aconteça também na minha freguesia, pelo que pretendo concluir o meu segundo mandato, antecipando e evitando a rotatividade por inerência de limites de mandatos, como irá acontecer no Município de Monchique e na Freguesia de Marmelete, favorecendo com a minha decisão, uma oportunidade democrática para quem em todo o município possa acontecer a integração efetiva de mais e melhor juventude nos locais de decisão.
Sabendo-se que na política local o que mais interessa é a competência e a disponibilidade das pessoas, espero sinceramente que apareçam equipas fortes, coesas e competentes, independentemente das forças políticas e se são filiados ou independentes. Neste caso, o que mais interessa é que os candidatos deverão ser pessoas capazes de servir com dignidade dedicação e responsabilidade, proporcionando assim o bem-estar público e coletivo. Como otimista que sou, acredito que irão aparecer bons concorrentes com as características necessárias para servir responsavelmente nos vários novos cargos públicos a preencher nos próximos mandatos.
Nota da redação:
Este trabalho inicia um ciclo de entrevistas que pretendemos realizar junto dos presidentes das três Juntas de Freguesia do concelho de Monchique. O critério escolhido foi a ordem alfabética .