O Congresso Regional Algarvio de 1915 e os seus reflexos no Concelho de Monchique (IV)
O Congresso Regional Algarvio teve o mérito de chamar a atenção do Governo Central para alguns aspectos que era importante resolver com alguma celeridade, mas que as condições políticas, a conjuntura económica, a Grande Guerra, a burocracia e a ineficácia das organizações acabaram por não produzir o resultado esperado.
No asseverar de Marcos Algarve este evento não foi um «congresso de política videirista ou um sarau de declamadores enfatuados». Foi «um sinédrio de iniciativas utilitárias, uma assembleia de resultados fecundantes e imediatos». No entanto, esses «sábios vindos de toda a parte» não viram no jogo «o aplauso, o incitamento e a protecção», apesar de Tomás Cabreira defender a sua regulamentação e Estêvão de Vasconcelos o combater nos seus aspectos legais e ilegais.
Outros afirmarão: «(…) O Algarve soltou o seu primeiro grito de regionalismo (…) e lançou brilhantemente a primeira pedra do edifício da sua maioridade (…)».
Os «resultados práticos» do congresso seriam divulgados no ano seguinte, no Boletim da Sociedade, onde se destacavam as novas tarifas ferroviárias; a criação do Posto Agrário do Algarve; a garantia do Banco de Portugal em descontar todas as letras apresentadas à sua delegação de Faro; a criação da estação telégrafo-postal da Mexilhoeira de Carregação; o alargamento e reparação da estrada que ligava a estação ferroviária de Portimão com a estrada nacional; a promessa dos Caminhos-de-ferro do Sul e Sudoeste para mais higiene e limpeza tanto no material como nas estações; a obtenção da Repartição dos Serviços Florestais de mil árvores de sombra para arborização da estrada da Portimão à Rocha e da Praia da Rocha; a remoção da cadeia de Silves do castelo para local mais adequado; e o estabelecimento de um “tramway” entre Portimão e Vila Real de Santo António, apenas com uma curta paragem em Faro.
Também a criação do Instituto Arqueológico do Algarve seria acarinhado pelo presidente Teófilo Braga, tendo-se formado uma comissão composta pelos algarvios Ataíde Oliveira, Justino Bívar, Rodrigues Davin, Pedro Júdice e João Manuel Paulo Rocha.
Porém, muitas das conclusões apresentadas nesta assembleia ficariam pelo caminho, como uma utopia irrealizável vinda de intelectuais bem pensantes. Na altura, Tomas Cabreira falava em criar as condições para estabelecer uma «estação de turismo» na zona entre a Praia da Rocha e Monchique, pois, como dizia, os «turistas tendem a estabelecer-se junto ao mar e nas montanhas». Adiantava que deveria aqui ser criado um bom casino e teatro, com uma orquestra que desse um concerto diário, e hotéis providos de todo o conforto moderno. Avançava ainda que faltavam boas estradas, um escrupuloso asseio em toda a região, campos de golfe e ténis, garagens para os automóveis e barcos para passeios.
Alguns dos Reflexos do Congresso Regional Algarvio no Concelho de Monchique
No I Congresso Hoteleiro, realizado em Lisboa, em Abril de 1917, aparecem na lista de “Hotéis de Província”, presentes no encontro, o Hotel Central e o Hotel Seixoso, das Caldas de Monchique, que foram representados, respectivamente, pelo Dr. João Bentes Castel-Branco e António Magro.
Tomás Cabreira, em 1918, preocupa-se com a economia turística, que no Algarve era um filão muito pouco explorado, tendo em conta as grandes potencialidades. Avança alguns dos requisitos que era preciso colmatar, quer nos estabelecimentos já existentes, quer nas terras com aptidões para esta actividade, nomeadamente os equipamentos, a organização, a higiene, as vias de comunicação, o pessoal, as actividades lúdicas, a água canalizada, a recuperação dos edifícios históricos, a falta de jardins, a decoração, etc. Este académico lembraria a necessidade de se construir um «bom hotel em Monchique, anexo a um pequeno casino», e a falta de uma ligação entre a Praia da Rocha e Monchique por «uma linha férrea eléctrica».
José Guerreiro Gascon falando do Barranco dos Pisões lembrava num artigo que era por aqui que «obrigatoriamente regressava quem, na indispensável e tradicional burricada vai admirar o panorama que se desfruta do alto da Fóia».
As viagens à Fóia eram quase sempre organizadas a partir de Monchique ou das Caldas, com os burros, machos e cavalos que aqui havia, mas também acontecia virem directamente do litoral em grandes excursões, transportando além dos animais também os criados que preparavam os piqueniques.
Na publicidade da época, o Grande Hotel anunciava-se como «a casa preferida pela distinta colónia espanhola», destacando os preços sem concorrência e as especialidades de cozinha francesa. Esta estância era frequentada, durante a época que ia de 1 de Junho a 30 de Setembro, por famílias do Baixo Alentejo e Algarve e espanhóis de Ayamonte, Huelva e Ilha Cristina, com cerca de 1200 aquistas por ano.
O Guia de Portugal escreve, em 1927: «Monchique é um Algarve diferente: mais alto, mais pluvioso e mais temperado. Depois empolga com fervor as duas sentinelas serranas: «Porém, nos pontos culminantes, na Fóia e na Picota, que já não são o Algarve monótono e calmo, espera-nos uma das mais surpreendentes maravilhas da terra portuguesa. Mas é no alto da Fóia, a 902m, que o panorama se nos apresenta na sua máxima beleza. Ao sul, na nossa frente, desenrola-se quase todo o Algarve, com o Oceano abraçando-o de dois lados; ao lado é a imensa planura alentejana, salpicada aqui e além de montanhas-testemunhas, e no sopé da Serra, vê-se um vasto planalto, de ondulação curta e violenta, resto de uma velha terra que se modelou lentamente, acolinando-se. Em uma manhã de Inverno, de atmosfera serena e límpida, é um dos quadros mais majestosos, mais empolgantes, que é dado gozar na nossa terra». Esta obra emblemática regista também os nomes de Joaquim Peralta e Joaquim Galvão, como «guias para excursões na serra», tratando-se provavelmente de burriqueiros com besta própria.
Em meados de Junho de 1929 deu-se nas Caldas de Monchique a abertura do Grande Hotel Internacional, propriedade e direcção de Gregório Gonçalves, um acontecimento de monta que veio enriquecer e projectar ainda mais a estância termal.
O coronel Correia dos Santos, no seu livro O Turismo no Algarve (1931) diz que «Monchique constitui uma das mais notáveis regiões de turismo do país, possuindo também a grande riqueza das suas termas (…). É ainda uma estação de repouso, com todas as condições naturais, como dificilmente se encontram reunidas à magnificência das matas e altitudes como a Fóia. As belezas naturais de Monchique são incontestavelmente superiores às de Sintra. Só vendo de perto as suas matas e o encantador bucolismo dos Pisões, os panoramas soberbos se pode ajuizar da riqueza de Monchique, e tão mal aproveitada!».
Ainda na década de 1930 o guia As Estradas de Portugal, referindo-se às Caldas, diz que estas se encontram «no meio de uma autêntica orquestra de fontes que murmuram, ribeiros que sussurram, aves que gorjeiam e perfumes espalhados no ar como consequência da espantosa variedade de flores que transformam este solo abençoado num jardim». Depois «embrenha-se nos rochedos e nas árvores» e sobe à vila «construída nos degraus da serra, com igreja manuelina, ruínas do Convento do Desterro, Fonte dos Passarinhos, jardins e horizontes». Nesta altura ainda «o alpinista» tinha de subir à Fóia ou à Picota pelos seus meios, ou alugando cavalgadura ou contratando burriqueiro: A Picota fazia-se em «hora e meia» e a Fóia em «uma hora e três quartos», ou então visitava o «Vale dos Pisões na Ribeira da Tinta Negra, paisagem digna das melhores dos Alpes». A publicação termina com referências à «interessante estrada para a Estação Ferroviária de Sabóia (31 km), sendo muito interessante percorrer a sua primeira metade, traçada nas faldas do monte e reunindo o carácter idílico e suave da paisagem», e também o «desvio de quatro quilómetros e meio, também cortado nos contrafortes da serra, que vai até à quinta de Santo António, passando na aldeia serrana de Casais».
Devido à acção do ministro Duarte Pacheco foi empreendida e concluída, em 1941, a estrada Monchique/Fóia, uma das primeiras estradas turísticas de Portugal. Pela mesma altura construiu-se o miradouro «num dos pontos mais altos da vila, à beira da estrada da Fóia, dominando um panorama já hoje conhecido pelos inúmeros visitantes que ali se deliciam com a beleza da paisagem».
Note-se ainda, que o apogeu da estância termal se deu durante a 2.ª Guerra Mundial, quando os hotéis e pensões se encheram de abastada clientela composta por refugiados de origem judaica, oriundos dos países ocupados pela Alemanha e outros fugidos ao conflito.
O guia Terras Portuguesas II adiantava, no ano de 1944, que «a ida a Monchique é quase um dever. Monchique é a Sintra do Algarve. Vegetação luxuriante, panoramas de surpresa. Nas Caldas há o famoso Estabelecimento termal e um Parque de maravilha. Uma excursão à Mata e à Picota completam-se com a subida à vila, à Matriz, ao Convento do Desterro e à célebre Fonte dos Passarinhos. Do alto pico da Fóia avista-se um dos mais empolgantes panoramas do Algarve; da Picota, descobre-se um mar de montanhas e a vastidão do Oceano. Monchique é um pouso de aconselhar para o Turismo».
Em 26 de Janeiro de 1951 teve inicio em Lisboa o II Congresso Regional Algarvio. Neste fórum seriam objecto de comunicações alguns aspectos então relevantes do concelho, como as escavações arqueológicas então em curso e a difícil situação económico-financeira das Caldas de Monchique do pós guerra.
O aparecimento de novos hábitos e modas, como os banhos de mar, levaram ao declínio das vilegiaturas e as termas de Monchique não ficariam alheias a esse esquecimento. A partir de então, com altos e baixos e diferentes gestões, as termas iriam procurar sobreviver.
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Foto: Jornalistas ingleses de visita a Monchique, em Março de 1913 (in Ilustração Portuguesa)
Escrita anterior ao Acordo Ortográfico de 1990