Um monchiqueiro cujo sangue cheira a esteva
DIREITO DE OPINIÃO:
Agora que finalmente o cenário que vivemos nos últimos dias parece estar a dar tréguas, e depois de ouvir tanto disparate e tanta asneira das bocas dos “treinadores de bancada”, decidi também eu, no papel de cidadão de Monchique, que viveu e assistiu a esta calamidade desde os primeiros instantes até ao momento, exprimir a minha opinião.
1. DENSIDADE FLORESTAL ANTES E AGORA
Muitos se questionam porque antigamente se controlavam os incêndios com menos meios e hoje não. Pois bem, é bastante fácil responder a essa questão. Antigamente os campos eram densamente povoados por população no interior da serra. As florestas estavam limpas, porque todos os detritos florestais eram utilizados, desde o que chamamos de mato misto, estevas e outras espécies, para acender os fornos, para fazer cama e servir de alimento para o gado. Desde há alguns anos a esta parte assistimos ao êxodo rural, é possível vermos hoje fazendas onde nunca pensamos que elas existiam! Onde há duas semanas, quando por lá passávamos, apenas conseguíamos visualizar enormes silvados que engoliam os canteiros e inclusivamente as próprias casas. Este fator influencia, e muito, a propagação das chamas.
2. MONOCULTURAS E ORDENAMENTO FLORESTAL
Desde os anos 60 que os campos deixaram de ser cultivados e passamos a ter espécies predominantes, nomeadamente o eucalipto, o pinheiro bravo e manso, a acácia que pode ser considerada uma praga, pois cresce desordenadamente só por si, sendo bastante difícil a sua extinção nos terrenos. Embora os pinhais tenham sido quase extintos após os grandes incêndios de 2003, ainda existiam alguns sítios onde cresceram desordenadamente, sem qualquer ordenamento nem controlo ou triagem. As acácias, pelo seu nulo valor no mercado, crescem e multiplicam-se sem que os proprietários lhes deem importância, formando matas densas, de difícil penetração e com elevado risco de propagação em caso de incêndio. Nos montados de sobreiro, assistimos à abertura de “veredas”, de 10 em 10 anos, apenas quando é preciso lá chegar para tirar a cortiça. Os eucaliptais, que são o maior tabu de todas as monoculturas, podem ser tão bons, quanto maus… No caso de Monchique são mais maus do que bons! Pois a grande parte de povoamento florestal de eucaliptos está totalmente desordenada! São hectares e hectares de encostas, sem acessos, onde os eucaliptos crescem desordenadamente sem qualquer triagem, ou limpeza. A triagem, ou desbaste, caiu em desuso, pois devido ao cair do valor da madeira, os proprietários entendem que não compensa financeiramente. Os eucaliptais que estão ordenados em terraças, poderão ser e representar um aliado no combate aos incêndios florestais, não tenho qualquer dúvida disso! Desde que a gestão seja feita de uma forma mais responsável! Aceiros corta-fogo com a largura de duas vezes o tamanho que a árvore atinge na idade de exploração, limpezas e gestão mais responsável das linhas de água, as mesmas que foram o tendão de Aquiles no combate a este incêndio, pois o que assistimos hoje é o quase abandono das linhas de água nestas monoculturas. A gestão inteligente da plantação e corte, para que não seja possível termos hectares de mata toda com a mesma idade. Escolher e gerir o corte em mosaico permite que se criem corta fogos naturais, em que os locais com as árvores mais novas podem travar a propagação dos incêndios. Os medronheiros, parece-me, representam o povoamento melhor organizado, mas onde muito há ainda também por fazer.
3. COMBATE E RESOLUÇÃO DESTE TIPO DE CENÁRIO;
Todos sabemos que quando é necessário recorrer ao combate a um incêndio florestal, já tudo o que está para trás falhou. Quando os bombeiros e todas as forças que são envolvidas neste tipo de teatro de operações têm que intervir, significa que não foram tomadas as devidas precauções para evitar este tipo de catástrofe. E essas, não são da responsabilidade das entidades, nomeadamente dos bombeiros! Em 2003 tivemos dois grandes incêndios, onde quem saiu responsável pela calamidade vivida na altura, perante a sociedade, foram os bombeiros. E o que é que foi feito desde então para evitar que o cenário se repetisse? Pois é, um enorme nada! Zero! Confiamos na sorte, e agora que correu mal, culpabilizamos a última hipótese, que é o combate! É muito mais fácil culpar alguém, do que olharmos para o que podíamos ter feito para evitar!
4.CONFIAR NA SORTE;
Em 2003, a serra ardeu quase na totalidade. Na altura toda a gente apontou o dedo aos bombeiros, porque deixaram arder… Desde então, nada foi feito e todos sabíamos que a nossa linda serra tinha tanto de bonita, como de perigosa. Todos sabíamos que se existisse uma ignição que ficasse fora de controlo, juntamente com todos os fatores presentes, que iríamos ter um problema com uma violência maior do que a que tivemos em 2003. E aconteceu. Infelizmente as nossas previsões concretizaram-se. A violência foi enorme, a frustração de lutar num combate desigual aconteceu…. Agora pergunto eu: Serviu de lição, ou vamos continuar a deixar a nossa linda serra ao abandono? Vamos deixar que tudo volte a ficar desordenado e daqui a 10 ou 15 anos voltamos a estar numa situação idêntica. Não tenham dúvidas que irá acontecer se nada for feito. Graças a Deus, não houve mortes a lamentar apenas morreu a nossa linda Serra de Monchique, o sítio mais bonito que eu conheço, o meu refúgio e de tantas outras pessoas… Por isso mesmo, merece que a ajudemos a renascer, de forma responsável e por forma a não termos que reviver estes momentos de tristeza, dor e destruição!
EU SOU MONCHIQUE!
Carlos da Quinta
Um monchiqueiro cujo sangue cheira a esteva!