A história perdida dos crimes de guerra do Eixo
Os Direitos Humanos depois de Hitler – A história perdida da acusação dos crimes de guerra do Eixo, por Dan Plesch, Círculo de Leitores, Temas e Debates, 2018, é um documento imprescindível para quem se interessa pela temática da II Guerra Mundial, pelo direito penal internacional e pelo trabalho da Comissão das Nações Unidas para os Crimes de Guerra (adiante tratada por Comissão), instituída no final de 1943 e que os Aliados silenciaram em 1948, por razões da Guerra Fria e pela justificação da reconciliação entre alemães. É ponto assente que a Comissão iria ter um papel fundamental nas regras universais da promoção dos direitos humanos, catapultou a importância da ONU e seguramente é uma das matrizes do Tribunal Penal Internacional. O prefaciador, Benjamin Ferencz, recorda que “A Comissão é exemplo de determinação humana em procurar justiça, para se impedir grandes crimes contra a Humanidade, semelhante àqueles que foram cometidos durante os 12 anos do domínio de Adolfo Hiltler (…) A Comissão era um ordem multilateral com 17 nações, criado por governos, no exílio, dos territórios ocupados pelos alemães, que se reuniu em Londres para recolher provas das atrocidades que estavam a ser cometidas por oficiais e simples soldados alemães. Os seus relatos de testemunhas oculares forneceram provas que fundamentaram o fumus boni júris das acusações, descrevendo com frequência os horrores numa linguagem inadequada para expressar a realidade (…) Quando a guerra terminou, o aspeto mais teatral dos tribunais de Nuremberga obscureceu uma grande quantidade de material reunido meticulosamente; o advento do macarthismo teve como resultado a supressão dos seus arquivos e também a libertação antecipada de muitos dos que eu próprio acusara.”
O investigador Dan Plesch introduz o histórico da Comissão e recorda que os ficheiros organizados continham acusações contra milhares de nazis que depois foram deixados em liberdade. “Funcionários dos serviços de informação norte-americanos, que estiveram na primeira linha quando se tratou de atribuir prioridade ao anticomunismo em relação ao antinazismo, tornaram confidencial o seu arquivo em 1949”. Seguidamente o autor releva a importância das questões-chave postas aos crimes praticados pelos nazis e recorda que nas acusações da Comissão já constavam a violência sexual, a violação e suas tentativas, a prostituição forçada, tratava-se de matérias novas que passaram a ser peças fundamentais da agenda dos direitos humanos.
O trabalho da Comissão abriu as portas para um sistema global de justiça, do que fez muito hoje lhe é devido para a criação do Direito Internacional. Na investigação levada a efeito por Dan Plesch também se revelam os ziguezagues, as contradições e hesitações quanto à forma como os Aliados condenaram o Holocausto. Facto é que o trabalho da Comissão foi determinante para a perseguição de criminosos de guerra no mundo inteiro, e neste livro se desvela o trabalho desenvolvido nos EUA, Europa libertada, Reino Unido, Etiópia, Ásia, China e Índia, como se formularam pronúncias de acusação do Holocausto até mesmo a soldados rasos, mostra-se como se procedia a julgamentos imparciais e se definiu a responsabilidade que os líderes de topo nos crimes contra a Humanidade, a começar pelo genocídio, matéria face à qual havia uma grande indefinição. Recorde-se que depois de 1919 várias nações procuraram levar a julgamento os líderes turcos pelo genocídio dos Arménios durante a I Guerra Mundial. Nessa altura os EUA vetaram a proposta por esta violar o princípio da soberania do Estado e a questão ficou em repouso até à II Guerra Mundial, com a Comissão categorizaram-se os níveis de crimes contra a Humanidade: crimes cometidos com o objetivo de preparar ou lançar a guerra; crimes cometidos nos países dos Aliados e crimes cometidos contra membros das Forças Armadas; crimes cometidos contra qualquer pessoa independentemente da nacionalidade, incluindo os apátridas, em virtude de raça, nacionalidade, crenças religiosas ou políticas. Dan Plesch descreve as diferentes peripécias e até oposições que houve ao conceito de crimes contra a Humanidade.
O “branqueamento” de crimes, adotado no início da Guerra Fria, o rearmamento alemão permitido pelos Aliados transformou-se numa oportunidade para se obter uma amnistia para os criminosos de guerra. Daí escândalos como o branqueamento do General Adolf Heusinger, que fora um oficial fundamental da Wehrmacht, chefe de Estado-maior interino de Hitler, conseguiu ascender ao topo da NATO e foi presidente do comité militar dessa organização e mais tarde assessor do chanceler Konrad Adenauer. Nessa época haviam sido realizadas as últimas execuções de criminosos de guerra condenados, logo a seguir caíram drasticamente as condenações, foram revistas as sentenças e libertados os prisioneiros. A 31 de agosto de 1953, Adenauer pôde anunciar que todos os criminosos de guerra condenados que ainda permaneciam à guarda dos Aliados ocidentais poderiam ter direito à liberdade condicional e à clemência.
Na parte final da sua investigação, Dan Plesch reflete sobre o legado do trabalho desenvolvido pela Comissão e as suas repercussões no Direito Penal Internacional: “Rejuvenescer hoje em dia a justiça penal internacional pode ser uma tarefa difícil, mas não se compara com as dificuldades enfrentadas pelos que se encontravam sob a ocupação e os bombardeamentos dos nazis. À medida que o ódio violento aos estrangeiros aparece de novo e os Estados abandonam o Tribunal Penal Internacional no início do século XXI, a história da Comissão constitui um aviso e um muito necessário modelo a seguir.”