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Programa de Reordenamento e Gestão da Paisagem das Serras de Monchique e Silves: DGT apresenta objetivos e recolhe preocupações

Por _Lúcia Costa |Nina Muschketat

A Direção-Geral do Território (DGT) reuniu-se, no dia 20 de maio, em Silves, com os atores locais (produtores florestais e autarquias) numa sessão de lançamento do processo de recondução do Programa de Reordenamento e Gestão da Paisagem das Serras de Monchique e Silves (PRGTSMS) e da apresentação dos trabalhos em curso no âmbito da Estratégia Integrada para a Transformação da Paisagem dos Territórios Vulneráveis (TV) das Serras do Algarve. A sessão, segundo testemunhou o JORNAL DE MONCHIQUE, evidenciou a abertura da DGT a um diálogo construtivo e à adaptação do PRGTSMS às realidades existentes.
Esta fase visa que o Plano se equipare aos demais instrumentos de gestão territorial, garantindo maior equidade e permitindo uma participação mais ativa das comunidades locais na definição das estratégias para o futuro.


Contudo, há algumas diretrizes do PRGTSMS que geram preocupações entre os intervenientes, nomeadamente, Paulo Alves, presidente da Câmara Municipal de Monchique, alertou para o risco de abandono do território caso o programa não permita a gestão florestal diversificada, incluindo a produção e a conservação e manifestou a sua preocupação durante a sessão sobre um parágrafo que foi publicado na Resolução do Conselho de Ministros n.º 50/2020 e que implica que “nas áreas com declive menor ou igual a 10% e nas áreas com mais de 25% de declive deve excluir-se a possibilidade de arborização ou rearborização com eucalipto ou com pinheiro-bravo”. Realçando “que o programa, tal como ele existe agora, tem nuances que vai fazer com que este território fique ao abandono.” Reforça ainda “que nós temos de ter espaço para tudo: para a floresta de produção e também para a floresta de conservação”. E acrescenta: “achamos que estes programas são importantíssimos para preservar determinados tipos de habitats. Não se pode é ser fundamentalista ao ponto de alargar um programa a todo um território, que já tem outros instrumentos de gestão”.


A responsável pelo PRGPSMS, Marta Ribeiro, explicou que a DGT propõe regimes de gestão adaptados à ocupação do solo, conciliando a produção e a proteção da natureza. Em declarações ao JORNAL DE MONCHIQUE, esclareceu que “isto ainda está numa fase inicial, mas avançámos já com a proposta de associar essa ocupação a regimes de gestão [adaptados dos regimes do programa da Serra do Caldeirão] e não a uma ligação direta aos declives. Consoante a ocupação, terá de ser gerida de determinada forma que permita conciliar os valores da produção com a proteção da natureza”.


Quanto a este assunto, Carlos Rio de Carvalho, da DGT, esclarece que “o relatório, em nenhum sítio, dizia que tínhamos de estabelecer diretivas associadas a declives. Nós queríamos um quadro de sistemas de incentivo que, ainda por cima, era para ser discutido, mas não foi por causa da covid. Então a DGT decidiu que devia dar dois passos atrás para fazer o que fizemos hoje. O objetivo é criar alternativas para as pessoas poderem fazer ou não fazer”. Reforçou ainda que a intenção inicial era criar um quadro de incentivos flexíveis para a paisagem, mas que, devido à pandemia e à leitura da cartografia, se transformou num programa obrigatório com diretrizes associadas aos declives. Jorge Cancela, responsável pelo projeto piloto, corrobora desta afirmação explicando que “uma cartografia feita à escala de 1/25 mil ampliada à escala de 1/100 mil” perde leitura. A matriz de aptidão, inicialmente pensada como um instrumento de orientação e não de imposição, visava evitar danos geográficos e promover a rentabilidade sustentável do eucaliptal e da Rede Natura. “A ideia era fazer um instrumento inovador que conseguisse aliar vários procedimentos, desde a questão da burocracia às preocupações dos intervenientes” e explica que “a matriz criada não implicaria aplicá-la cegamente”, já que “o plano não era um fim em si mesmo, era um documento que visava implementar as diretrizes”. “Mas, com a pandemia, em vez de passar para a fase mais interessante de discussão, o que aconteceu foi a saída de um instrumento de ordem do território que não tinha sido inicialmente pensado com calma”, evidencia Jorge Cancela.


As preocupações foram também manifestadas pelos produtores florestais, na pessoa de João Poucochinho, também membro da direção da Associação dos Produtores Florestais do Barlavento Algarvio (ASPAFLOBAL), que, em declarações, ao JORNAL DE MONCHIQUE explica que a serra de Monchique “tem declives maiores ou menores que 10% e 25%, raramente pequenas parcelas seriam abrangidas pelo previsto, até agora, no PRGPSMS e ainda temos que cumprir os outros planos, tal como reduzir em 30% a área de eucalipto”.


“Alguém pensou que se retirássemos todos os eucaliptos da floresta, iríamos deixar de ter incêndios, mas isso é errado. Porque as matas que estão tratadas e que foram reconvertidas ultimamente, não representam risco, porque têm menos combustível e mato, e é mais fácil de combater um incêndio. As que representam perigo são as matas velhas, que agora com este plano, não se pode fazer intervenção”. E recorda que “uma mata abandonada é um barril de pólvora que está ali pronto a arder quando chegar o primeiro incêndio”.


Para além disso, com o incêndio de 2018 perderam-se também cerca de metade dos sobreiros existentes, o que originava cerca “de 1 milhão e meio a 2 milhões de euros em cortiça”. Ora, “muitos morreram e não recuperaram e até que haja um sobreiro novo são 50 ou 60 anos, enquanto o eucalipto tem a vantagem que depois de cortado começa a rebentar”. É muito mais rápido, e gera uma receita de cerca de “5 milhões de euros ao ano”. Neste momento, “poderá estar a sair menos de metade desse valor”, reforça.


O produtor florestal acrescenta, ainda, que “quanto mais tempo passa, pior será, porque matas que já podiam estar com quatro ou cinco anos de produção estão a meio do percurso, estão a crescer, mas não estão a produzir valor económico”. Alerta também para existência de casos em que quando as celuloses terminam o arrendamento e, se não poderem fazer uma reconversão (e são as empresas que mais fazem, porque têm capital disponível para isso)” não voltarem a ter interesse pela “produção na Serra de Monchique. Naturalmente, isto causa prejuízos”.


Já a chefe da Divisão do Desenvolvimento Rural do Município de Monchique e engenheira florestal, Sónia Martinho, durante a sessão, reforçou as preocupações apresentadas pelo edil monchiquense e por João Poucochinho, ao manifestar o seu receio de que as diretrizes do PRGTSMS e a matriz de aptidão impeçam a reconversão de terrenos de eucalipto e a gestão de outras formações vegetais, levando ao abandono do território e à proliferação de incêndios. “É muito importante que se olhe para esta situação e que, de algum modo, sem descurar o rendimento legítimo que os proprietários têm e as aspirações que têm para os seus terrenos, se consiga chegar a um equilíbrio entre a conservação e a produção”. A Câmara Municipal de Monchique tem “a consciência que, provavelmente, nalguns locais pode não fazer muito sentido esta floresta de produção e agora, até mais com o plano de gestão da Zona Especiais de Conservação (ZEC), seja melhor colocar outra floresta. O que não podemos é deixar de reconverter a área, ficando esta abandonada e disponível para arder novamente, fazendo que os proprietários fiquem mais descapitalizados”, enfatiza a técnica.


Outra preocupação “é que esse plano de gestão da ZEC vá inviabilizar várias ações que estão previstas no PRGPSMS, porque desde logo onera o território com várias proibições que, ainda por cima, não estão territorialmente espacializadas e contabilizadas, e que não são habitats prioritários, mas que, por exemplo, faz com que não seja possível a reconversão de matos mediterrânicos em espécies florestais ou a condução de medronheiros em povoamentos de alto-fuste”, reforça.
Em resposta a estas preocupações a DGT reiterou que o objetivo do PRGTSMS não é eliminar espécies, mas sim promover a organização territorial para aumentar a resiliência ao fogo. A prioridade será identificar áreas para a criação de mosaicos florestais, ajudar financeiramente a fazer as transformações e pagar a manutenção dos outros espaços.


“Originalmente, a ideia não era criar diretrizes de proibir”, mas sim um “sistema de incentivos”, confessa a DGT. Neste momento, “já se está a pôr mais ênfase na gestão do que nas regras de transformação”.


A sessão evidenciou o compromisso da DGT com um processo participativo e transparente na recondução do PRGTSMS, com abertura ao diálogo e à adaptação do programa à realidade procurando por soluções equilibradas e sustentáveis para o futuro do território.


Os próximos passos serão a terceira fase da recondução do PRGTSMS, com a conclusão do relatório final da estratégia, que está prevista para junho, bem como a discussão pública do programa, que está agendada para novembro deste ano, e a DGT continuará a recolher os contributos dos atores locais para aprimorar o PRGTSMS e garantir a sua efetividade na proteção e valorização da serra.

Reportagem publicada na edição n.º 486, de 31 de maio de 2024

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