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Marina Carvalho, membro da Equipa de Saúde Mental Comunitária de Monchique da Unidade de Portimão do CHUA: “Esta é uma nova realidade, que se mantém no tempo”

No momento em que a pandemia de Covid-19 coloca, mediante indicação da Direção Geral da Saúde, muitos portugueses em casa, o Jornal de Monchique falou com  Marina Carvalho*, membro da Equipa de Saúde Mental Comunitária de Monchique da Unidade de Portimão do CHUA, que se dirige à população em geral que se encontra em isolamento social. 

 

Nota Biográfica Marina Carvalho
Marina Carvalho

Jornal de Monchique – Como lidar com o stress no surto de covid-19?
Marina Carvalho – Em primeiro lugar, o stress e as emoções negativas (como o medo, a ansiedade, a tristeza), são absolutamente normais nas circunstâncias em que estamos a viver.

Por um lado, porque as pessoas estão perante uma situação em que têm que modificar os seus comportamentos e rotinas. Por outro lado, porque têm que ficar em casa, o que, não sendo habitual, pode criar dificuldades de adaptação e dificuldades nos relacionamentos com as pessoas próximas (que, em muitas circunstâncias, também elas deixam de estar presentes).

Esta é uma nova realidade, que se mantém no tempo e, nestes casos, existe um conjunto de estratégias, muito importantes, que podem ajudar:

– Limitar a quantidade de notícias diárias:

Quanto mais notícias, de fontes diferentes, lermos/virmos/ouvirmos, mais medos, preocupações e ansiedade vamos sentir. Uma ou, no máximo, duas vezes por dia, a partir de informação oficial, é o suficiente para estarmos atualizados e sabermos o que está a ser feito.

– Criar e/ou manter rotinas e dispor tempo para atividades:
As rotinas habituais (as que continuam a ser possíveis), novas rotinas e atividades de interesse, são fundamentais para nos ajudar a lidar de forma mais adequada com o tempo que estamos em casa. Manter as rotinas básicas como a hora de levantar e deitar e as horas das refeições, é, também, essencial.

– Atividade física e alimentação:
Caminhar, no espaço que temos disponível, dançar, ou qualquer outra atividade que implique movimento do corpo são também fundamentais. Fazer uma alimentação equilibrada, tendo em conta que, enquanto estamos em casa, nos movimentamos menos, é essencial. E hidratar (beber água) também.

– Manter o contacto com as outras pessoas, à distância.
Nesta altura, é natural que as pessoas se sintam sozinhas, ou ainda mais sozinhas. No entanto, mesmo à distância, é possível continuar a interagir com as outras pessoas. Utilizar o telefone e outros meios tecnológicos que temos ao nosso dispor para manter o contacto com as pessoas que são importantes para nós (família, vizinhos, amigos, etc.) é fundamental.

– Confiar em si e pedir ajuda quando necessitar.
As pessoas, em particular em Monchique, estão habituadas a passar por situações muito adversas. Devemos acreditar nas nossas capacidades e na possibilidade de, com o tempo, esta situação melhorar. Devemos, também, pedir ajuda sempre que necessário, por exemplo para comprar bens essenciais ou medicamentos, para nos sentirmos em segurança e apoiados.

 

JM – Como lidar com a falta de estar presencialmente com o família?
MC – Quando a pessoa está já habituada a ter a família distante pode ser menos difícil. No entanto, quando a pessoa está habituada a ter a família por perto, isso torna-se mais complicado. E é normal que assim seja, porque deixa de haver contacto e surgem preocupações que podem ter a ver com a segurança das pessoas que são importantes para nós e com o que vai acontecer no futuro, a essas pessoas e a nós.

Apesar de não podermos estar presencialmente com a família e com as outras pessoas que são importantes para nós, podemos, e devemos, manter o contacto à distância: telefonando, combinando momentos do dia para falar (e se possível, vermos pelo telemóvel ou pelo computador) com os nossos familiares, amigos, vizinhos, profissionais (se for o caso), para falar sobre o que se passa, o que nos inquieta, o que nos ajuda e, muito importante, o que pode ajudar os outros.

O apoio das outras pessoas é muito importante e, nas condições atuais, é fundamental.

Por isso, distância física não significa necessariamente distância emocional.

 

JM – Monchique é um concelho cuja população, em grande parte, se situa nos grupos de risco, qual deve ser a atitude perante isso?
MC – Uma parte da população do concelho de Monchique enquadra-se na definição de grupo de risco da Direção Geral de Saúde, pela idade (os idosos) e/ou pelos problemas de saúde que apresenta (doenças crónicas e problemas no sistema imunitário).

A primeira atitude tem que ser uma atitude de prevenção e de cumprimento das regras a que estamos todos sujeitos:

– Ficar em casa; sair apenas se não houver outra possibilidade, o menor número de vezes possível, e apenas para comprar bens essenciais ou medicamentos (se não houver ninguém disponível que o possa fazer).

– Lavar/desinfetar várias vezes e adequadamente as mãos, mesmo em casa, e manter outras medidas de higiene diárias do corpo e da casa.

– Limitar os contactos sociais e respeitar o distanciamento das outras pessoas. Aqui, o isolamento, pela distância a que algumas pessoas estão já sujeitas, pode até funcionar como uma forma de proteção. Mas é necessário manter todas as precauções para nos mantermos afastados do vírus e com boa saúde.

Para além destas medidas de prevenção, é necessário manter uma atitude positiva, focada no que cada um pode fazer, individualmente, para se proteger e, dessa forma, proteger também as outras pessoas. E, obviamente, lidar adequadamente com o stress que estas alterações podem implicar.

 

JM – Considera que depois da pandemia Covid-19 algumas pessoas podem desenvolver depressão ou outras patologias semelhantes?
MC – É possível, dependendo da forma como lidam com a situação atual e do contexto (social, familiar, profissional, etc.), que algumas pessoas venham a ter maior probabilidade de desenvolver problemas de saúde mental, em particular os que estão relacionados com a ansiedade e a depressão.

Temos também que ter em conta que, na situação em que estamos a viver, existem pessoas que já têm problemas de saúde mental que, na situação atual, podem aumentar. Temos ainda que ter em conta que muitas pessoas têm, ou podem vir a ter, outros problemas que, não estando relacionados com a COVID-19, podem originar dificuldades de ajustamento e, em consequência, problemas de saúde mental.

No entanto, sabemos que as pessoas que, habitualmente, lidam de forma adequada com situações adversas conseguem controlar o stress pelo que a utilização de estratégias adequadas para lidar com esta situação adversa pode contribuir para prevenir a ocorrência de problemas de saúde mental no futuro.

 

JM – O que deve ser feito por parte dos cidadãos para prevenir?
MC – Na situação pela qual estamos a passar, a prevenção da depressão, da ansiedade, e de outros problemas de saúde mental passa, como referi antes, por ter comportamentos de saúde e utilizar estratégias adequadas.

E o mais importante é que cada um de nós tem um papel crucial nessa prevenção.

Em primeiro lugar, cada um de nós deve tomar todas as medidas de precaução para prevenir a infeção, incluindo a frequente e correta lavagem das mãos, tossir e espirrar para o cotovelo, manter a distância das outras pessoas e cuidar de si próprio (e dos outros, se for o caso).

Para além disso, cabe a cada um de nós:

– Identificar necessidades e formas de apoio (contactos telefónicos, por exemplo, para pedir apoio para a compra de bens e medicamentos);

– Ver esta situação como um desafio a ultrapassar;

– Concentrar-se no que depende de si próprio e no que está a fazer num determinado momento;

– Aceitar as emoções e os pensamentos negativos como sendo naturais e fazendo parte desse momento;

– Pensar no que é importante e comprometer-se com isso;

– Envolver-se em atividades e tarefas de interesse e manter rotinas;

– Manter o contacto (à distância) com as pessoas que são importantes.

É, no entanto, necessário referir que, ainda que a maior parte das pessoas venha a conseguir lidar adequadamente com esta situação, algumas pessoas podem vir a desenvolver dificuldades e problemas de saúde mental.

Nesse caso, quando a pessoa percebe que está com dificuldades ou não está a conseguir ultrapassá-las, deve procurar ajuda profissional.

 

JM – O Algarve tem algum serviço de apoio psicológico à população? Se não, estão a pensar implementar?
MC – As autarquias, no geral, têm implementado linhas de apoio, a nível social e, algumas, a nível psicológico, dirigidas à população no seu todo.

Do ponto de vista da saúde mental, a Unidade de Portimão do Centro Hospitalar e Universitário do Algarve mantém em funcionamento o atendimento, de forma não presencial, à distância, às pessoas que já estavam a ser acompanhadas, nomeadamente através da Equipa de Saúde Mental Comunitária de Monchique.

Isto permite, nas circunstâncias atuais em que as pessoas não se podem deslocar, manter o seu seguimento e, dessa forma, continuar a avaliar a evolução do seu estado prévio e eventuais necessidades específicas relacionadas com a situação atual. Desta forma, as pessoas podem continuar a beneficiar das intervenções, psicoterapêuticas e/ou farmacológicas, que tinham iniciado.

 

* Psicóloga clínica e da saúde, membro da Equipa de Saúde Mental Comunitária de Monchique da Unidade de Portimão do CHUA, diretora do Departamento Psicologia e Educação Física do ISMAT

 

Veja aqui a entrevista a Marta Valongo, psicóloga do Agrupamento de Escolas de Monchique que se dirige aos alunos, pais e encarregados de educação. 

 

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