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Há néctar dos deuses a jorrar na serra de Monchique

Artigo publicado na edição 480, de 30 de novembro de 2023

Há néctar dos deuses a jorrar na serra de Monchique e há uma vinha plantada, uma marca que ainda está em segredo e uma outra que está a ser comercializada e dinamizada por todo o país. São três perspetivas que já estão a concorrer e que levam o nome de Monchique além-fronteiras e ao paladar dos grandes apreciadores. Envolvidos neste trio fomos falar com os produtores e encontrámos vinhas plantadas no concelho cujo vinho é engarrafado fora, uvas do Algarve cujo vinho é engarrafado e colocado em estágio em Monchique e produção de uvas e engarrafamento fora, mas que têm o mote “onde a serra de Monchique encontra o Oceano Atlântico”. São uma série de segredos a descobrir sobre os vinhos de cá, que são de lá, e os de lá que querem ser de cá.

“O caminho faz-se caminhando”

Carlos Gracias, responsável pelo vinho “Terraços da Foia”, explica que foi em 2019, após sair da Comissão Vitivinícola Regional do Algarve, que teve conhecimento da vinha existente na encosta norte da Foia. Entusiasmou-se, esforçou-se e recuperou-a “por ser diferenciadora”. Trata-se de uma vinha situada na Quinta de São Francisco, pertencente à família Semedo, que nunca fez grandes produções, mas que segundo o impulsionador deste vinho tem “condições climáticas e de território que são completamente diferenciadoras de tudo o que nós temos”. Por ser “uma vinha em altitude, a cerca de 700 metros, em solos de origem granítica, sujeita a temperaturas baixas, altas pluviosidades e solos pouco profundos, conta com um terroir singular”, garante. Explica que apostou na casta branca de riesling, porque Monchique permite fazer paralelismos com o Vale do Reno, Alsácia, entre a Alemanha e a França, zona originária dos grandes vinhos brancos. Contudo, como a plantação pré-existente era de aragonez e foi muito atingida pelo incêndio de 2018, resolveu recuperá-la e “apelidar a casta de tinta roriz”, esclarece.

Carlos Gracias define o seu projeto como “experimental e de realização pessoal”. “Pretendo apostar na qualidade, na diferenciação, no melhor que se possa fazer”. Afirma que “o desenvolvimento das videiras em altitude é mais lento, por isso da casta riesling só vai entrar no mercado em 2024, até porque “o caminho, faz-se caminhando”.

A área da vinha tem cerca de um hectare e o volume de produção pode chegar aos seis mil litros. Apesar desta primeira colheita ser uma edição limitada e numerada, já está disponível nalguns restaurantes locais e segundo nos adiantou, em primeira mão, vai estar presente no cabaz de Natal do Município de Monchique.

“A origem das uvas caracteriza o produto final”, para Carlos Gracias. “O local físico onde se processa a transformação da uva em vinho, a adega, é menos importante do que o local onde estão localizadas as vinhas” e acrescenta que “para um vinho ser considerado de Monchique, as uvas têm de ser produzidas no concelho, não basta colocar lá só o nome”.

O projeto “está exclusivamente dependente de mim” e “gostaria de participar na promoção do território e vender toda a produção localmente com o objetivo de que quem visitasse Monchique viesse também para provar um vinho que só existe aqui e é daqui. Não sendo possível escoar toda a produção, assume que pode “expandir primeiro para o Algarve e só depois para o exterior”

Segundo Carlos Gracias, o “Terraços da Foia” é o primeiro vinho certificado “com IGP Algarve, portanto regional, com uvas produzidas no concelho de Monchique”.

“Não se pode pensar só no lucro ou sucesso, é também preciso pensar na sociedade”

Num contexto oposto apresenta-se a adega de Thierry Schleiss que é sediada em Monchique, e vai produzir o vinho “Mons Cicus” mas a sua vinha, com cerca de um hectare tem a localização em Lagoa. O produtor afirma que “não é para enganar ninguém, porque o vinho vai ser feito aqui, com uvas que são do Algarve”. Contudo, reforça que “no futuro é para plantar vinhas aqui, mas isso demora, por causa da papelada”. Agora, as castas que produz “são castelão e negra mole”, mas aqui na serra, no futuro, “vou plantar uvas brancas”, assegura.

Já tem produção de castas tintas de 2021, 2022 e 2023 e, “do ano de 2021 vão sair mais ou menos três mil garrafas, porque é uma empresa pequena. “O objetivo é criar um produto para o consumidor final que tenha alta qualidade”.

Confessa que “era um sonho ir aqui a um restaurante e ver o vinho que foi feito na vila, portanto assume que o mercado é para vender essencialmente na vila e exportar para a Suíça”, porque mora e trabalha lá. Explica que os suíços estão habituados a vinhos portugueses muito baratos, mas Thierry “quer mostrar que o Algarve também consegue ter um produto premium”.

No futuro, gostaria de contratar pessoas de Monchique mas, por enquanto, ainda não tem empregados a não ser uma pessoa que ajuda uma horas por semana. “O enólogo é Carlos Raposo, à base de consultadoria”. Para o produtor, tê-lo a trabalhar consigo é uma mais-valia e garante que “ele está a criar uma coisa interessante comigo”.

O vinho já tem um estágio de 25, 26 meses, o que já o diferencia de outros vinhos do Algarve, apesar de já haver outros reservas na região. “2023 é o primeiro ano que tenho dois vinhos diferentes, porque fiquei com mais vinhas já plantadas”, adianta.

Contudo, como já referiu o objetivo é plantar uvas em Monchique para produzir tudo aqui. Aponta a questão da água e as características da serra como cruciais na produção de cepas. A ideia surgiu durante a pandemia e Thierry quer fazer o seu centro de produção em Monchique. Para além disso, quer ajudar a combater o envelhecimento no concelho. “Se não tentarmos nada, vai desaparecer um dia. Esta pequena empresa é uma iniciativa para parar isso também. Não se pode pensar só no lucro ou sucesso, é também preciso pensar na sociedade”, defende.

Se tudo correr bem, a comercialização vai começar no final deste ano, porque “há sempre vários fatores”, mas o objetivo é que no Natal já se possa beber deste vinho. Na página da adega, afirma que “não tem um vinho, tem o vinho”, porque quer-se “diferenciar dos outros vinhos do Algarve e posicionar-se só no setor premium”.

Thierry Schleiss tem 29 anos, ascendentes em Monchique, gosta de cá vir, mas por enquanto não pensar mudar-se a 100%.

“Homenagear a região do Algarve”

De uma perspetiva mais comercial surge a marca “Morgado da Serra de Monchique”, cuja produção foi iniciada em abril de 2023. As cepas estão plantadas nos terrenos do Resort do Morgado do Quintão, em Lagoa, e a escolha do nome deveu-se “a um fidalgo que distribuía terras, e sendo a serra de Monchique um património natural português, quisemos juntar a qualidade intrínseca do vinho a um ex-líbris do Algarve”, afirma Diogo Cristo, responsável pelo marketing do Grupo Abegoaria, que produz o vinho.

A marca utiliza várias castas, como chardonnay; sauvignon blanc, touriga nacional, alicante bouschet, syrah e cabernet sauvignon; antão vaz, viognier, arinto e verdelho e aragonez, castelão e syrah, dependendo do tipo de vinho.

A produção ascende aos 20 mil litros e apesar de terem “começado por Portugal”, em 2024, o grupo vai “começar a exportar, maioritariamente, pelo canal Horeca e garrafeiras”. Diogo Cristo explica que “estamos neste momento a iniciar conversações para este mercado [externo], mas será principalmente para o Reino Unido”.

“Tem havido uma boa aceitação da marca e a qualidade é excelente”. Aliás, “na zona de Monchique e Portimão”, as pessoas “ficaram agradadas por ter um vinho com o nome desta região”, mas para já não estão a pensar criar mais vinhos com referência à serra de Monchique.

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