Sessão com debate inicia celebrações dedicadas às árvores e florestas
A Comissão Administrativa Provisória (CAP) do Agrupamento de Escolas de Monchique, em parceria com os projetos Bridge e Life-Relict e com a Câmara Municipal de Monchique (CMM), realizou a sessão de abertura no âmbito das comemorações do Dia Mundial da Árvore e do Dia Internacional das Florestas. A sessão, que contou com uma segunda parte dedicada ao debate “A nossa Floresta no coração”, teve lugar no dia 21 de março, entre as 9h00 e as 11h00, no auditório da escola Escola Básica Manuel de Nascimento, em Monchique.
A primeira parte desta iniciativa teve a presença de elementos dos dois projetos envolvidos, havendo espaço para apresentações relativas aos seus objetivos, as suas ações, os problemas que enfrentam na execução das mesmas ou o papel da comunidade local na preservação do meio ambiente. Após alguns esclarecimentos sobre estes tópicos, o público presente pôde apreciar as atuações de turmas dos 1.º, 2.º e 3.º ciclos, todas elaboradas sobre a temática das florestas e incluindo elementos como dança, música ou mesmo declamação de poesia.
A segunda parte foi dedicada ao debate “A nossa Floresta no coração”, que contou com um painel de convidados cujas profissões são exercidas em torno da serra monchiquense. Este grupo incluiu Sónia Martinho, engenheira agrónoma e técnica superior florestal da CMM, João Dimas, apicultor e técnico florestal, Ricardo Matias, trabalhador na área dos eucaliptais, Carlos Quinta, sub-chefe dos Bombeiros Voluntários de Monchique (BVM), Pedro Duarte, produtor de medronho, António Maria, apicultor, e Carlos Assunção, trabalhador na área da cortiça.
O debate decorreu de acordo com um conjunto de perguntas elaboradas previamente pelos alunos das várias turmas presentes no auditório. Os tópicos abordados variaram entre os aspetos essenciais na produção da aguardente de medronho (um tópico no qual Pedro Duarte foi muito solicitado), as especificidades de cada uma das profissões presentes nesta iniciativa, a qualidade da cortiça ou mesmo a influência das alterações climáticas e da poluição nas florestas de Monchique.
Contudo, o tópico mais debatido foi a ameaça dos incêndios florestais, assim como as suas consequências e a sua influência em todas as profissões presentes no painel de convidados. Carlos Quinta explicou aos jovens e crianças como é que se combate os incêndios, as implicações que esta tarefa tem no que toca à logística necessária ou, ainda, os meios operacionais e equipamento para fazer frente a uma situação como as que Monchique já sofreu. O sub-chefe dos BVM chegou, inclusive, a escrutinar alguns valores de aquisição de material constituído para combate aos incêndios. Segundo Quinta, um veículo de combate a incêndios pequeno tem um custo aproximado de 100 mil euros, enquanto que o preço de um camião pode ascender aos 180 mil. Considerando depois o equipamento individual, contando com uniformes, capacete e botas, o total ronda os 500 euros por operacional. A possibilidade de utilizar água salgada como último recurso no combate aos incêndios também foi discutida, sendo algo que já aconteceu no passado. A utilização deste líquido não é aconselhável devido à “corrosão que causa nos materiais dos meios aéreos”, afirmou Carlos Quinta. Sónia Martinho acrescentou que a água do mar também traz outros problemas por causa da “salinidade que fica no solo” após as descargas para apagar o fogo.
Os produtores presentes também falaram nas consequências que estas catástrofes trazem para a sua atividade. António Maria referiu que, “havendo incêndio, há menos mato e as abelhas perdem recursos para produzirem mel”. Ricardo Matias afirmou que “a madeira queimada que se encontra em Monchique está saindo para carvão exclusivamente, uma vez que as empresas das celuloses já não aceitam madeira de eucalipto afetada pelo fogo” e Carlos Assunção acrescentou que “outras espécies, como o pinho ou o castanho, conseguem ser aproveitadas, mas a última existe em baixa quantidade e está em declínio devido aos incêndios, sobrando apenas alguns locais onde este subsiste”. O produtor de cortiça também falou sobre o prejuízo monetário e o trabalho extra que se tem após um incêndio, havendo a necessidade de retirar a cortiça queimada e esperar anos até que nova matéria possa ser aproveitada.
O debate também abriu espaço para os intervenientes falarem sobre as consequências físicas e mentais que uma situação destas causa. Os convidados afirmaram que as sequelas de algo assim não passam rapidamente ou que muitas nem sequer chegam a passar. No pós-incêndio, alguns confessaram que acordavam a meio da noite com a ideia de que o fogo ainda estaria a acontecer, como foi o caso de Carlos Quinta. Sónia Martinho falou sobre a falta de descanso que uma situação destas causa, ao ponto de “dormir duas horas por noite, o que leva a um cansaço físico muito grande”. João Dimas chegou admitir que “ainda hoje fico emocionado quando falo sobre o que aconteceu em Alferce”, acrescentando que “foi muito duro” do ponto de vista mental. O tema do stress pós traumático também veio ao de cima através das histórias dos intervenientes, com uma das assistentes a aproveitar para explicar aos mais novos o que é e como este problema afetou muita gente após a catástrofe de 2018.
Além dos incêndios, as alterações climáticas que o país atravessa também foram tópico de debate, com os alunos das turmas presentes a questionarem o painel de convidados sobre as consequências da conjuntura atual nas suas atividades. Carlos Quinta afirma não ter dúvidas de que “a seca vai influenciar os próximos incêndios, pois os combustíveis estão secos, há menos humidade e estão mais disponíveis para arder”. João Dimas concordou com esta observação e explicou que “menos humidade leva a que o fogo se propague mais facilmente”, enquanto que Sónia Martinho acrescentou que “a falta de água torna muito difícil o combate a esta ameaça”. A engenheira agrónoma referiu igualmente o facto da seca tornar “a água mais cara e os preços dos produtos mais altos”.
Algumas questões levaram a que se falasse sobre o impacto do fogo nos animais, no seu habitat e se estes retornam aos locais ardidos. Ricardo Matias partilhou as suas memórias sobre o pós-incêndio de 2018 e recordou que “os animais voltam aos habitats, apesar de haver muitas mortes”. O produtor contou, inclusive, que chegou a ver javalis “a virem ter ao pé do lugar onde estávamos, à procura de algo para comer” pouco tempo depois da serra ter ardido, concluindo que, “meses depois, os animais já estavam de volta”. O painel de convidados até deu o exemplo da perdiz como sendo “o primeiro bicho a ocupar a zona ardida, porque gosta muito do terreno que encontra após o fogo passar”. Sónia Martinho chamou a atenção da plateia para o facto de cada um poder fazer a diferença no retorno das espécies aos habitats e deu o exemplo dos pássaros, que “poderemos ajudar fazendo a reconversão do terreno e semeando ou criando bebedouros”. A engenheira agrónoma destacou o papel dos caçadores nesta vertente, que criaram sementeiras e limparam o terreno após o incêndio, ajudando as espécies a aumentarem novamente. Os apicultores também revelaram alguns factos curiosos sobre o comportamento das abelhas perante estas ameaças, nomeadamente o facto de estas regressarem “à colmeia se houver um fogo” e de “ventilarem o seu interior com o bater das suas asas para expelir fumos e calor em excesso”.
As atividades no âmbito das comemorações do Dia Mundial da Árvore e do Dia Internacional das Florestas terminarão hoje, estando ainda patente a exposição “A Floresta”, na Sala do Aluno da Escola Básica Manuel do Nascimento.
Diogo Petreques