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Os Três Setes já podem ser jogados no computador

Há um jogo que é monchiqueiro. Não se sabe muito bem a sua origem, mas sabe-se que gosta de viver por cá há muito tempo. É presença obrigatória nas mortes de porco e nos encontros de amigos e família e gosta de ser jogado ao pé da lareira, com milhos ou feijões em cima da mesa para se ir contando os pontos. Oferece capotes aos mais incautos, apesar de ninguém gostar de recebê-los ou até um copinho de aguardente de medronho para afogar a falta de jogo e de apultanas. Este peculiar jogo de cartas chama-se Três Setes e agora tem uma versão moderna que permite ser jogado em computador.

Quem o criou foi o monchiquense João Pacheco e está disponível on-line para aquisição. O objetivo da criação, confidencia, era ser “o primeiro do mundo a fazer isto”.

Nunca mais vai jogar Três Setes sozinho

Segundo João Pacheco, o pacote de aquisição contém 18 costas de cartas, pode escolher o nome dos outros jogadores, ter um parceiro e dois oponentes com inteligência artifical, consegue escolher o grau de dificuldade e o quão avançado cada um dos seus oponentes é.

Apesar de ser um jogo de computador do século XXI, a sua aparência e comportamento “é clássico, fazendo lembrar as configurações do Windows da década de 1990”, esclarece o criador.

O pacote integra, ainda, sete baralhos de cartas diferentes, uma breve investigação sobre a história dos Três Setes e as regras em português e inglês.

É livre de anúncios, mas para jogar tem de ter o sistema operativo Windows 7, 10 ou 11 e 10Mb de espaço de disco. Não pode ser jogado em telemóvel, porque isso implicava outro tipo de configuração, explica João Pacheco, e apenas está disponível no site https://tressetes.sellfy.store/. O criador não pretende colocá-lo à venda noutro local, conforme afirma: “Aqui é algo exclusivo, tem um conceito próprio” portanto “não faz sentido ir para outro sítio”.

O nascimento da ideia

João Pacheco recorda que “em criança, gostava de jogar aos Três Setes e não tinha ninguém para jogar, porque são necessários quatro jogadores”, então o que “eu fazia era, pegar nas cartas, baralhar, dar para quatro pessoas e depois jogava para mim e jogava para os outros todos.

Os anos foram passando, João Pacheco formou-se em informática, descobriu uma pessoa na internet que tinha criado o jogo da sueca e no primeiro ou segundo ano da universidade decidiu “vou fazer isto”. “Passei muitas horas até de madrugada, porque ninguém me disse exatamente como é que se fazia”, então o criador foi explorando “tinha uma força de vontade muito grande”, e após um mês de trabalho “já tinha um jogo funcional”. Contudo, isto aconteceu em 2005.

Esta primeira versão demorou três meses a conceber. Em maio de 2006, “refiz o código e, já noutra linguagem, criei uma nova versão, melhor”, explica. Depois disto, João arrumou o jogo na gaveta, de onde o tirou apenas em 2022. Na altura criou um site e idealizou que “seria o primeiro a fazer e a lançar um jogo de Três Setes.

“Melhorei algumas coisas, muitas mais horas despendidas e tive de contratar uma pessoa para me ajudar na parte legal. Na hipótese de ter sido outra pessoa a desenvolver o jogo”. João assume “que o custo, com tudo o que é necessário para pôr o jogo operacional como está, seria de uns 50 mil euros”. Em suma, o criador recorda que o tempo gasto no desenvolvimento do jogo “foram cerca de quatro meses, na primeira versão, mais perto de quatro meses, na segunda e pelo menos mais dois meses em 2022, para dar um toque mais profissional”.

No site diz “que é uma versão do Algarve, mas podia ser a versão de Portugal”.

Os Três Setes têm origem em itália?

Se para os conhecedores do jogo, os Três Setes está-lhe no sangue e faz parte da personalidade das gentes serranas, para quem o criou e pretende saber mais sobre a sua origem, descobre que, em 2022, não havia nada escrito sobre o assunto, “nem na Wikipédia”, relembra João.

Na investigação efetuada, o criador descobriu que a origem do jogo “é de Itália e chegou a Portugal há, pelo menos, 200 anos”.

“As primeiras referências que eu encontrei dos Três Setes”, confessa João ao JORNAL DE MONCHIQUE, “foram na literatura e numa peça de teatro que foi estreada no Rio de Janeiro, no Brasil, em 1800”. Assim, “para já ser conhecido nessa época, significa que o jogo já existia, já tinha chegado a Portugal” e “já tinha sido absorvido pela cultura e hábitos das pessoas”, principalmente “das classes sociais mais baixas, que trabalhavam e que tinham este jogo como entretenimento”, acrescenta.

Na verdade, há uma versão italiana com o nome “Tressette”, mas as regras do jogo são muito diferentes das praticadas em Monchique, podendo “ser jogado apenas por dois jogadores e as cartas utilizadas não são as clássicas que nós conhecemos” . Uma curiosidade apontada por João Pacheco “é que nós temos no jogo a expressão acuso uma apultana”, termo que não existe no dicionário da Porto Editora, e que para João é uma derivação da palavra italiana “napoli ana”. Contudo, o criador ressalva que “embora tenha vindo de Itália, faz parte aqui da nossa cultura de Monchique”.

“Parece umas manchinhas no Algarve e num bocadinho do Alentejo”

Por muito bem que saiba aos monchiquenses terem um jogo só deles, o facto é que saber jogar Três Setes ultrapassa um bocadinho os limites do concelho. Segundo afirma João Pacheco o jogo é também conhecido numa localidade do sotavento algarvio e nalguns nichos “na zona de Odemira”. Assim, o criador considera que o conhecimento do jogo “parece umas manchinhas no Algarve e num bocadinho do Alentejo”, pois só “há torneios conhecidos em Monchique, numa localidade perto de Espanha e em Odemira”, mas se formos para “Aljezur ou Portimão” já não se sabe jogar. Perante isto, os monchiquenses podem ficar quase descansados com a exclusividade.

Os Três Setes são para pessoas inteligentes

Para João Pacheco, os Três Setes “não podem ser para pessoas que não sejam inteligentes”, porque “obriga a pensar”, a contar as cartas e “não tem uma ordem sequencial” como na sueca, sendo que “o Terno e o Duque são as cartas mais valiosas a jogar, mas depois a contar pontos o Ás é a que vale mais, e esta coisa dá a volta à cabeça de algumas pessoas, mas é aí que está o desafio”.

É um jogo de estratégia para tentar apanhar o Ás, se devemos acusar ou não, caso tenhamos três ou mais cartas de apultana, para que o nosso parceiro ou os adversários saibam qual é o nosso jogo ou até fazer a última vaza, para ficar com a “terra”, que oferece logo três pontos.

A pontuação “requer um exercício matemático” para encontrar os terços, porque para além dos três pontos arrecadados com a terra e com cada Ás, cada figura vale um ponto, mas a pontuação de cada vaza não ultrapassa os 11 pontos. Se uma equipa conseguir apanhar todas as figuras, chama-se capote, porque fica com 11 pontos enquanto que os adversários não pontuam.  No fundo, “este jogo leva-nos a aprender, sem grande esforço, os terços das coisas”.

Para concluir, João Pacheco reforça que “os Três Setes representam o nosso passado, a nossa vivência do dia a dia, o campo e embora possam ter vindo de Itália, fazem parte aqui da nossa cultura.

Esta reportagem foi originalmente publicada na edição nº 488 do JORNAL DE MONCHIQUE

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