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Castelo do Alferce: um diamante por lapidar

Por Diogo Petreques

No Cerro do Castelo de Alferce, uma equipa de arqueólogos e voluntários desvenda os segredos do passado que este local encerra com colherins, pás, picaretas e baldes. Aos poucos, aquilo que sempre se julgou ser um monte de pedras num local perdido na serra começa a se revelar como um sítio de grande importância para a compreensão da história.

O dia no topo do Cerro do Castelo do Alferce começa com uma leve brisa no ar. As folhas das árvores abanam levemente, assim como as lonas translúcidas verdes, destinadas a amparar os participantes da escavação em horas de maior calor.

Quando se chega ao topo deste cerro, a primeira coisa em que se nota imediatamente é a elevação que se destaca no meio da paisagem, coberta com pedras e alguma vegetação. A aproximação a este desnível, motivada pela curiosidade, permite observar uma abertura no meio da terra, ladeada por um conjunto de estruturas que revelam a presença humana neste lugar.

Fragmentos de telha

Ainda nem são 9h00 e já se sente o calor a intensificar-se. Por esta altura, o trabalho arqueológico que está a decorrer no topo desta elevação, situada “487 metros acima do nível médio das águas do mar”, já arrancou. Os trabalhos de campo são dirigidos pelo arqueólogo da Câmara Municipal de Monchique, Fábio Capela, assim como tem sido em campanhas anteriores realizadas neste sítio. É este quem dita as várias tarefas de cada um dos elementos da equipa, sendo auxiliado pelo co-coordenador desta iniciativa, Humberto Veríssimo. Os restantes membros são alunos do ensino superior na área de arqueologia ou voluntários que demonstram vontade em colaborar e contribuir para o progresso dos trabalhos em curso.

O arqueólogo responsável ajuda-me a compreender o que este cerro alberga do ponto de vista patrimonial, explicando que “o local tem três recintos de muralhas”, sendo que o primeiro recinto, “o chamado Castelo de Alferce”, tem uma “área intramuros com cerca de 1.000 metros quadrados” e “é islâmico”, assim como o segundo recinto, que “ocupa uma área com cerca de 3.000 metros quadrados”. O último de todos, o terceiro recinto, é o maior, tendo uma “área intramuros com cerca de nove hectares”. Fábio Capela também refere que, “além dos vestígios islâmicos, podemos encontrar vestígios de uma ocupação mais antiga, enquadrável na pré-história recente, especialmente na Idade do Bronze”, o que, em termos relativos, foi cerca de 2 mil anos antes de Jesus Cristo ter nascido. Segundo o coordenador, essa ocupação terá ocorrido “só no topo do cerro”. Um pormenor que Fábio menciona é o facto de que “encontramos vestígios da pré-história, Idade do Bronze, e depois parece que existe um hiato ocupacional, ou seja, não encontrámos até ao momento vestígios da Idade do Ferro ou vestígios romanos, só da ocupação posterior atribuída ao período islâmico, nomeadamente, Omíada”. O responsável acrescenta que “a gestão florestal que foi feita este ano, desde que este prédio rústico é propriedade da câmara municipal, valorizou o sítio sobremaneira, uma pessoa agora chega aqui e não vê sobreiros queimados, o terreno está limpo e consegue-se perceber exatamente onde é que estão as muralhas”.

A primeira sondagem que surge no campo de visão é a que corresponde à entrada do Castelo de Alferce. Esta está localizada no setor 3. Nesta área, o voluntário Zé Vinagre, que concluiu recentemente a sua licenciatura nesta área de trabalho, enceta uma breve conversa na qual revela como começou a sua ligação a este lugar. O jovem explica que “estava numa aula de arqueologia islâmica ou medieval com a professora Susana Martínez, que pertence ao projeto, e ela começou a mostrar imagens deste sítio”. “No ano passado, fiz a  minha primeira campanha aqui, adorei o local e a equipa de trabalhos, as pessoas são muito organizadas, e, este ano, voltei outra vez”, acrescenta. O voluntário confessou ainda que “no ano passado, isto foi uma experiência nova para mim e este ano continua a ser algo novo porque estou a escavar numa área diferente do castelo”. Zé Vinagre encerra a nossa breve conversação com a certeza de que, “enquanto puder, voltarei” a este lugar. Na ponta sul da sondagem, o voluntário coloca algumas pedras que retira da área de trabalho e que agrupa com outras, tudo com recurso ao trabalho braçal. Estas serão recolhidas e reunidas posteriormente num monte que se ergue para além das muralhas do castelo e que já reúne uma quantidade considerável resultante da campanha deste ano.

Na mesma área, Fábio Capela revela que foi nesta sondagem que encontraram uma das grandes surpresas do ano, “uma torre adossada à face interna da muralha”. Este achado fez com que fosse confirmado “de uma vez por todas que a entrada é em cotovelo e é tipicamente islâmica”. Mas por que razão teriam os ocupantes do castelo construído uma entrada com este formato? O responsável pela escavação esclarece as minhas dúvidas, afirmando que “a entrada está fechada com um afloramento natural e foi deliberadamente construída junto a este afloramento para impedir que quem entrasse no castelo conseguisse entrar a direito e/ou virar à esquerda”. Esta nuance “obrigava as pessoas a terem de virar à direita, sendo que foi nessa parte encontrámos a torre”. Para além deste achado, o responsável menciona que esta não foi a única estrutura a ser descoberta e que há mais para ver.

Zé Vinagre escava a entrada estreita do castelo

À medida que se escava e que os baldes cheios de terra vão sendo retirados das sondagens, o conteúdo dos mesmos tem de ser crivado. Isto tem por objetivo não permitir que fragmentos menores de materiais escapem aos olhos dos membros da equipa e que sejam jogados fora. Os participantes despejam a terra, sacodem o crivo até terem apenas fragmentos maiores na rede e analisam para detetarem pedaços de cerâmica, de telhas ou de outros materiais que sejam considerados relevantes no contexto do trabalho de campo.

Num desses momentos, observo a minúcia de Humberto Veríssimo enquanto escolhe os materiais. “Olha, um pedaço de cerâmica”, exclama enquanto entrega o achado a uma das voluntárias para que seja colocado no respetivo saco da sondagem. Aproveito para colocar-lhe algumas perguntas e conhecer a sua perspetiva sobre o desenrolar desta campanha. O co-coordenador fala-me um pouco sobre o começo da sua caminhada neste local, revelando que aceitou o cargo por, em primeiro lugar, “ser arqueólogo” e, em segundo, por “trabalhar na minha terra”. Humberto acrescenta que “a questão de ter aceitado este cargo tem pelo meio uma relação pessoal de amizade com Fábio Capela”. O arqueólogo também enumera como fator decisivo a curiosidade de “perceber as minhas origens, perceber que povos é que aqui habitaram, que é que comiam, o que é que bebiam, como é que ocuparam o território, por que é que se fixaram aqui”. Sobre as expetativas para a campanha deste ano, o co-coordenador afirma que a sua resposta é “um bocadinho suspeita porque a minha área de trabalho é zooarqueologia” e, neste campo, “tem aparecido pouca coisa, só uns fragmentos de osso”. No entanto, Humberto não hesita em mencionar que “ver este castelo renascer das cinzas e transformar-se de um monte de pedras num castelo, sim, tem correspondido às expetativas”. Sobre o que isto poderá trazer para a comunidade, o arqueólogo afirma que “um sítio como este ou qualquer sítio arqueológico contribui para uma comunidade de uma forma muito simples: ao pertencer ao passado, faz parte das suas origens”, visto que “ancestrais estiveram aqui, viveram aqui e deixaram as suas raízes, nem que seja em questões culturais como a língua”. “No caso de Monchique, faz parte da sua identidade e faz com que estas pessoas daqui, residentes, a partilhem com quem vem de fora”, explica. O co-coordenador acrescenta que “as pessoas começam a se identificarem com os próprios sítios e o exemplo disso é o facto de termos jovens do concelho e da aldeia de Alferce a trabalharem connosco em regime de voluntariado”. Encerro a nossa interação com uma questão sobre o que é que torna este castelo único e o arqueólogo, além de mencionar a “sua localização”, faz uma comparação com os castelos de Aljezur e Silves, que apresentam “contextos completamente diferentes com ocupações diferentes”. “Aljezur continuou com uma povoação, Silves também, e este castelo foi como que abandonado e a povoação deslocou-se, saiu do núcleo de proteção das muralhas”, conclui.

A segunda novidade obriga-nos a passar para a sondagem seguinte, no designado setor 1, cujos trabalhos continuaram na campanha deste ano. Nesta área, deparo-me com uma face imponente da muralha do primeiro recinto. Logo ao pé, observo uma estrutura que forma um canto com 90 graus. Um pouco mais abaixo, outra estrutura, mais parecida com uma muralha. É nesta zona que o arqueólogo municipal Fábio Capela mostra outro grande achado. Após a remoção das “raízes de um sobreiro que já estava morto devido ao incêndio de 2018”, a equipa pôde apurar “qual a extensão de um dos muros associados a uma estrutura que interpretamos como possível área habitacional”. O responsável revela que “conseguimos efetivamente perceber que esse muro tem uma extensão um pouco maior do que inicialmente conseguimos registar” e que existe “uma pedra que delimita a sua extremidade. O espaçamento entre essa pedra e depois a face interna da muralha demonstra-nos que será uma entrada para essa antiga estrutura”.

Fábio Capela aproveita para me falar sobre outros grandes achados no que toca a materiais encontrados na campanha deste ano, revelando que, “pela primeira vez, encontrámos evidências de artefactos bélicos, isto é, relacionados com guerra”. A descoberta em questão trata-se de “parte do que poderá ser um punhal, pois duvido que seja uma espada pelas dimensões”. “A dúvida é se é de bronze ou se é de cobre, mas depois das análises iremos saber com certeza”, acrescenta. Além deste objeto, os membros da equipa encontraram “cerâmica islâmica, muitos fragmentos com pintura vermelha ou castanho escura”, “alguns líticos, pedras relacionadas com percutores, com machadinhos, etc” e “restos de ossos”, como “dentes de herbívoro”, havendo “indícios que nos levam a considerar que, pela primeira vez, podemos ter aqui evidências de veado, associado aos níveis islâmicos”. Na parte da pré-história, a maior descoberta, até ao momento, foi uma “ponta de seta”. No geral, o arqueólogo municipal considera “está a ser o ano em que estamos a conseguir alcançar os melhores resultados ao nível de material arqueológico”. Contudo, ressalva que “grande parte do material está muito fraturada, muito fragmentada e isso tem que ver não só com o facto de estarmos a encontrar materiais inseridos em áreas de nivelamento, em camadas de nivelamento do terreno, prévias à construção de estruturas, mas também devido a afetações mais recentes, não só relacionadas com desmoronamentos de muralhas como também por práticas agrícolas”.

Este último fator está presente na zona para a qual nos dirigimos depois desta explicação. Na sondagem da plataforma pré-histórica, o vento faz-se notar, visto que esta área está menos resguardada pelas árvores que a zona do castelo. Fábio Capela debruça-se sobre o saco que contém os materiais encontrados pelos membros da equipa e retira algumas peças de cerâmica. Após uma análise célere das mesmas, coloca-as dentro do invólucro e vislumbra a área já escavada. Marcas que rasgam a terra chamam a sua atenção. O arqueólogo aponta para as mesmas. Estes sulcos são o resultado da “utilização de trator com ripper em práticas agrícolas recentes”. “Já falámos com uma das pessoas que efetuou aqui trabalhos agrícolas no passado, na década de 1980, que utilizou essa ferramenta e que nos confirmou que esta ia a uma profundidade máxima de 40 centímetros”, algo que os participantes puderam “verificar no terreno”. Assim sendo, o responsável afirma que “estamos a crer que a próxima camada, cuja remoção deveremos iniciar amanhã, nos irá, assim esperamos, responder à grande dúvida sobre a plataforma pré-histórica, que é se subsistem ou não estruturas arqueológicas naquele local”.

No entanto, este parece não ser o único sinal de ação humana anterior à atual intervenção. Na entrada do castelo existe uma depressão no piso de circulação, que foi posta à vista recentemente. Quando questionei o arqueólogo municipal sobre isto, este respondeu que parece indicar a existência de uma escavação clandestina.

Curioso, questiono se este era um dos objetivos para este ano. Fábio Capela responde que “o objetivo primordial desta campanha relacionou-se com o finalizar das sondagens arqueológicas iniciadas o ano passado”. Das quatro iniciadas, “só duas é que foram finalizadas e as outras duas, até pelas suas dimensões, uma com dez metros por cinco, a outra com dez metros por três, que são áreas bastante extensas, não foram finalizadas”, explica. Informa, no entanto, que “estamos a concentrar os nossos esforços sobretudo nessas sondagens”, embora a equipa tenha decidido efetuar “uma nova sondagem na plataforma pré-histórica, numa área em que conseguimos verificar à superfície ligeiras alterações micro-topográficas”, de modo a “verificar se efetivamente existem estruturas arqueológicas subterradas na apelidada plataforma pré-histórica”.

A voluntária Joana Martins, estudante no ensino superior na área da arqueologia, arrasta a terra que cavou com um pico para dentro de um balde. Assim como Zé Vinagre, esta revela a sua satisfação por fazer parte desta campanha, afirmando que “achei o sítio incrível, tem uma vista espetacular, as pessoas de Alferce são muito simpáticas e eu fiquei meio que apaixonada pelo sítio”. O seu primeiro contacto com este lugar deu-se em 2020, quando, “a convite de Humberto Veríssimo, vim para aqui”. Desde então, a voluntária afirma que “tenho voltado sempre”, acrescentando que “para o ano já está marcado, já estou registada aqui na ficha”. Quando lhe pergunto qual foi o primeiro impacto que este sítio teve no seu espírito, Joana revela que “o pessoal que estuda arqueologia sente isto praticamente em todos os lugares, mas quando tu apanhas um local em que tens a possibilidade de pertenceres à equipa que está a pôr o castelo à vista, isso tem um gostinho especial para nós”. “Saber que daqui a uns 20, 30 anos, o pessoal vai passar por aqui e vai dizer que isto era assim antes e nós vamos dizer que não, que nós é que escavámos isto, é muito bom”, conclui.

A sondagem na plataforma pré-histórica encontra-se lado a lado com a que havia sido iniciada em 2021, o que permite ao arqueólogo municipal fazer comparações com a atual e aplicar o conhecimento recolhido durante os trabalhos de campo realizados no ano transato. Com uma fita métrica, Fábio Capela analisa a profundidade das diferentes unidades estratigráficas e confirma as suas suspeitas sobre os valores de profundidade a que as novas se encontram. “Espero que daqui a duas semanas as três sondagens, e especialmente as que foram iniciadas no ano passado, estejam finalizadas, mas tudo vai depender agora do que vamos encontrando, do próprio ritmo da equipa”, explica o arqueólogo. O responsável aproveita ainda para revelar que “vamos efetuar o dia aberto, no dia 2 de setembro, e muitas pessoas vêm cá para ver o sítio, o que acaba por abrandar um pouco um ritmo, porque esta parte da transmissão de conhecimentos, a divulgação, a sensibilização patrimonial, é inerente ao projeto, não só a investigação”. Contudo, afirma que “estou confiante que nós vamos terminar as sondagens”. “Se não as terminarmos agora, também temos hipótese de terminá-las ainda este ano noutra data, a definir, mais uma ou duas semanas de trabalhos de campo”, acrescenta.

Enquanto nos dirigimos ao último ponto de referência deste sítio arqueológico, coloco algumas questões ao arqueólogo municipal. A primeira é sobre o ponto de situação do centro interpretativo dedicado a este lugar. Embora considere que não seja a “pessoa mais indicada para responder a essa pergunta”, Fábio Capela acaba por me informar que “esse é um projeto articulado entre a Junta de Freguesia de Alferce, que é promotora desse projeto, com a câmara municipal”, além de ser de “conhecimento público” que “a câmara já transferiu fundos para a primeira fase do projeto e que já está fase de adjudicação”. “Essa parte da valorização não é do sítio arqueológico propriamente dito, tem a ver com a construção de um percurso pedestre que ligará à aldeia de Alferce ao sítio arqueológico através da sua encosta nascente e atravessando o Barranco do Demo” e que incluirá “a construção de um passadiço e de uma ponte suspensa que permitirá a travessia entre as duas vertentes do mesmo”, explica. Já sobre o sítio arqueológico, “esse projeto também contempla a colocação de painéis informativos ou explicativos aqui no local, assim como alguma sinalética informativa”. O responsável esclarece também, naquilo que será “uma iniciativa da câmara” que está “ainda em fase de projeto”, que se pretende “construir um miradouro sobranceiro à vertente nascente do Cerro do Castelo de Alferce”. Quanto ao centro interpretativo, “o espaço será um edifício da junta localizado no Povo de Baixo, um espaço que, segundo o que sei, já está a ser reabilitado” e onde será “constituído” posteriormente. O arqueólogo acrescenta ainda que, “no que diz respeito à nossa parte, dos arqueólogos e do projeto de investigação, iremos dar início a um estudo mais exaustivo dos materiais arqueológicos exumados tendo em vista a seleção de algumas peças mais emblemáticas e/ou mais completas para virem a serem expostas no local”. Fábio acredita que, “no próximo ano, teremos grandes novidades acerca desse projeto de valorização e musealização”.

A vista desta elevação é um dos fatores atrativos do lugar e permite ter um raio de alcance amplo. A água da barragem de Odelouca brilha com os raios de sol que refletem sobre a mesma e para norte destaca-se a elevação onde se localiza a aldeia de Alferce. Enquanto procuro no horizonte alguns pontos de referência, o responsável explica que este local “é um miradouro por excelência devido aos afloramentos rochosos existentes e aplanados, permite um amplo raio de visão com várias centenas de quilómetros, de cerca de 180 graus ou um pouco mais, e permite visualizar quase toda a linha de costa do Algarve, boa parte do baixo Alentejo e também algumas zonas que pertencem já a território espanhol”. Durante o vislumbre da paisagem, questiono-o por que é que este lugar deve interessar aos monchiquenses. Fábio não hesita e responde que “este local deverá interessar a qualquer pessoa com sensibilidade patrimonial e que aprecie uma boa vista”, comentando que, “de onde estamos a falar, eu estou a ver a linha de costa, a ver lá ao fundo habitações do que deverá ser a zona de Portimão”. No entanto, sublinha que “deverá interessar aos monchiquenses mais do que às outras pessoas, por uma razão, que é o facto de que estes deverão ser os principais interessados na sua herança histórica, no seu património”. Além deste pormenor de um lugar que o arqueólogo considera “emblemático”, acrescem também outros fatores que tornam este local “ímpar, pelo menos aqui no concelho”, como os “vestígios arqueológicos existentes”, a “questão da transição geológica que ocorre neste cerro” ou a “própria fauna e a flora”. “Cada fator encontramos em vários outros pontos, mas tudo conjugado num sítio só?”, interroga Fábio, antes de afirmar que “é um sítio fantástico”. A dada altura, o responsável recua um pouco no tempo e recorda como foi quando chegou a Monchique, lembrando que “uma das coisas que me fazia confusão era a simplicidade da população acerca do seu património”. “Achavam que não tinham património muito antigo e só se falava no convento, que também é importante, da Igreja Matriz e pouco mais”, menciona. O arqueólogo municipal explica que “temos aqui um sítio que tem ocupação desde o segundo milénio antes de Cristo e com uma fortificação islâmica excecional, militar, que, embora um pouco arrasada, continua genuína, está original, não é como outros castelos que existem aqui na envolvência que foram restaurados na década de 1940”. Fábio Capela acredita que “este cerro merece ser dignificado, valorizado e usufruído pela população” e afirma que “os monchiquenses têm que ter orgulho neste local, independentemente que sejam da freguesia de Alferce ou não, porque este é um sítio espetacular e que vai elevar ainda mais o nome de Monchique, não só pelas outras qualidades relacionadas com este concelho, como a água, a pedra, a madeira, a gastronomia, mas pelo facto deste lugar ser excecional, incontornável no quadro do povoamento do sudoeste peninsular, único no sul de Portugal, com uma importância geoestratégica extrema e no qual qualquer monchiquense, algarvio, português ou turista que cá venha tem que ter orgulho neste local”. O coordenador desta campanha remata com a declaração de que “locais como este, com estas características, duvido que existam muitos”.

Aproveitando os últimos momentos neste local, coloco a inevitável questão sobre o que o futuro reserva. Fábio Capela responde que, “na próxima campanha, que será, se tudo correr bem, no verão de 2023, embora exista a possibilidade de ainda durante este ano ou no início do próximo efetuarmos uma ou outra sondagem, com uma equipa muito mais reduzida, ou finalizar as sondagens que estão ainda em curso”. O responsável afirma que “o projeto está em vigor até ao verão de 2024 e nesse ano não iremos escavar”. O coordenador revela que, quando este terminar, “a ideia será submeter um novo projeto de investigação, pois estes são plurianuais, têm um máximo de quatro anos e pretendemos, a partir de 2025, iniciar um novo projeto”. O foco desta nova iniciativa será as “zonas com maior potência arqueológica, porque este primeiro é exploratório”, ou seja, “andamos a explorar o potencial arqueológico e estratigráfico e depois, sim, com os dados deste projeto de investigação, iremos focar e centrar os nossos esforços na área que apresente o melhor potencial”. Segundo o arqueólogo, “creio que as atenções vão ser focadas no chamado castelo, quer no primeiro recinto, quer no segundo”, uma vez que este considera o segundo recinto “muito interessante” e também pelo facto de ser “muito maior”. Certos mistérios continuam por resolver, como a localização da “entrada para este segundo recinto”, embora haja suspeitas de que “seja no tramo de muralha a oeste”, mas, como o coordenador deste projeto mencionou, “todos os anos temos algumas respostas e muitas novas perguntas”. Fábio Capela admite que “ainda temos muita coisa para investigar” e que a equipa continuará a trabalhar para “colocar as muralhas do vulgarmente chamado Castelo do Alferce a descoberto para, dessa maneira, valorizar muito mais este local”.

Aproveito para tirar umas quantas fotografias e capto toda a equipa a trabalhar para cumprir com os objetivos. Enquanto o faço, não posso deixar de constatar que este local tem algo diferente. Será por ter um castelo, pela paisagem ou por algo que não consigo explicar? Mesmo após todos estes caracteres, é difícil pôr em palavras o que o Cerro do Castelo do Alferce tem de especial. Só mesmo estando lá é que se sente.

Aspeto da escavação com uma das muralhas ao fundo
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