“A associação tem, neste momento, a situação financeira equilibrada”
A Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Monchique tem mais um carro disponível e o presidente da direção foi eleito recentemente. O Jornal de Monchique foi falar com António Justino, presidente da direção que para além de dar um enquadramento da instituição e de tudo o que ela implica, confidenciando-nos, para além de outras novidades, que um dos seus sonhos “é construir (…) um novo quartel”.
Jornal de Monchique – Numa reunião ocorrida no dia 30 de março, a propósito do aumento do custo dos combustíveis, a Federação dos Bombeiros do Algarve perspetivou a eventual necessidade de racionar serviços. Os Bombeiros de Monchique partilham da mesma preocupação?
António Justino – Nós partilhamos, certamente como todos, dessa preocupação que já se vinha a sentir desde o início do ano, mas nunca pusemos em causa o socorro à população. Isso é algo que nunca se põe em causa.
JM: – Caso continue a haver um aumento no preço dos combustíveis, poderão ser cortados alguns serviços?
AJ: – Em princípio, penso que não, porque é um tipo de serviço que não pode faltar à população. Não iremos chegar a um ponto desses, não acredito que o município, caso fosse necessário, não nos ajudasse a servir a população. Às vezes, podemos não responder a alguns pedidos, como para idas a consultas, solicitadas por outros hospitais ou centros de saúde do algarve, mas, para o nosso concelho, é impensável que falte à população o serviço de urgência.
JM: – Há uns anos, numa entrevista a um dos seus antecessores, ele falava de um problema sobre a comparticipação do INEM ser insuficiente para cobrir toda a extensão do concelho. Esse problema mantém-se?
AJ: – Esse é um problema que se tem tentado resolver. O problema com o INEM é o que tem uma taxa de quilómetros a nível nacional e que, para concelhos como Monchique, é prejudicial. Por exemplo, eles pagam-nos um certo valor ao quilómetro depois de sairmos do quartel para o hospital, porque é o INEM que manda levar a pessoa. Ora, nós temos um concelho muito grande. Se estivermos com muitos casos de deslocação à Perna da Negra, ao Selão ou outros locais muito afastados, toda esta viagem para lá e para cá não é recuperada. Logo, o problema mantém-se. Tem sido muito difícil porque, por exemplo, a nível das associações todas, quando é negociado, lugares como Lagoa, Portimão, etc, não sentem este problema porque estão ali ao pé [do hospital].
JM: – A eficácia do dispositivo de combate a incêndios poderá ser afetada pela conjuntura atual ou há algum mecanismo para prevenir esse cenário?
AJ: – O preço dos combustíveis no combate aos incêndios não se coloca porque, logo que se parta para uma situação de incêndio, o pagamento começa a ser suportado pela Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC). Repare que, no incêndio de 2018, os custos de combustível ascenderam aos 30 mil ou 40 mil euros por dia, valores que não poderíamos pagar e que nem as bombas poderiam suportar. Nós coordenamos para que cada carro, ao abastecer, preencha uma ficha com a quantidade de litros e os quilómetros percorridos. Apenas o primeiro apoio é providenciado por nós, tal como a alimentação, obviamente não temos estrutura para garantir abastecimento de números como 300 veículos em atuação no terreno.
JM: – E em relação à covid tem havido constrangimentos?
AJ: – Alguns, ultimamente. A última semana foi um período muito delicado para conseguir gerir. Eu imagino apenas, porque não sou eu que faço as escalas, mas quem as faz tem a tarefa complicada de gerir. Por exemplo, ter 10 ou 12 pessoas confinadas numa equipa de 30. Depois, isto também dificulta na questão dos turnos, pois nós estamos 24 horas sempre disponíveis, o que origina situações complicadas. Temos conseguido resolver, em geral, e até feito o socorro a acidentes, como há uns dias em Sabóia, ou o transporte de pessoas urgentes em São Teotónio, São Marcos da Serra e outros lados. Estes serviços têm sido feitos à custa do esforço humanitário de muitos, que são chamados a não deixar qualquer pessoa ficar sem assistência.
JM: – Recentemente, falou-se sobre a construção de um novo centro de meios aéreos em Monchique, assim como o estabelecimento de uma escola para formação de bombeiros. Qual é a sua opinião sobre estes dois projetos que estão integrados no protocolo transfronteiriço Andaluzia – Algarve – Alentejo?
AJ: – Acho que o centro de meios aéreos é muito importante e que vai ser mesmo construído, creio que já foi mesmo adjudicado. Todos esses projetos têm um valor muito acrescentado. Tem sido difícil que o helicóptero não saísse daqui no verão, porque não temos condições para que possa funcionar aqui a não ser através da boa vontade.
JM: – É por isso que a aeronave ainda não está no heliporto?
AJ: – Não, esta virá no dia 1 de junho. O normal não é vir em meados de maio, mas sim quando as condições climatéricas se tornarem mais adversas.
JM: – Inicialmente também se falava numa escola de bombeiros…?
AJ: – Eu penso que o espaço não permite a construção da escola de bombeiros para já, porque o espaço é reduzido. Podemos pensar que o heliporto é um espaço grande, mas um espaço para meios aéreos e para as suas brigadas tem de ser adequado a estas equipas e aos seus meios. Não podemos pensar que esse seja igual ao atual. Isto é uma coisa que nunca conseguiu ser legalizada a 100%, não tem muitas condições.
JM: – Considera que o espaço do Semedeiro não é o ideal para a construção do novo centro de meios aéreos?
AJ: – Do centro de meios aéreos, sim. Para a escola dos bombeiros, acho que não. A minha ideia é construir noutro espaço um novo quartel dos Bombeiros Voluntários de Monchique, com capacidade para ter tudo, mas não temos esse espaço ainda. É um sonho que eu tenho para ser realizado e que sobre o qual continuarei a sonhar e pensar, porque o nosso quartel está muito desatualizado.
JM: – A construção do centro de meios aéreos inclui a renovação do quartel existente em Monchique?
AJ: – A renovação deste quartel ou a construção de um novo não estão previstas. O financiamento daquele protocolo é exclusivo para o mesmo e nós não poderíamos ter todo o nosso dispositivo só naquele espaço, teria de ser um espaço maior que não temos devido às características do terreno de Monchique.
JM: – A situação de legalização da estrutura do quartel encontra-se em que ponto de situação?
AJ: – Tem havido algumas reuniões, mas não vale a pena aprofundar muito o tema, uma vez que o passado é o passado. Vamos focar-nos no futuro e penso que, a curto prazo, teremos o problema resolvido, isto é, o problema da legalização do terreno. Não se põe em causa a situação do quartel, pois esse está legalizado. É uma limitação muito grande que temos, não podemos fazer obras nem concorrer a uma série de fundos. Uma coisa sobre a qual não se compreende o porquê, mas que acontece.
JM: – No que toca à gestão de veículos, em termos de falta de meios, de recursos, qual é a situação mais preocupante? Anteriormente, o Comandante dos Bombeiros Voluntários de Monchique mencionou numa entrevista a necessidade de adquirir um autotanque para transporte de água próximo das equipas.
AJ: – Esse autotanque continua a não existir, sendo que o que temos é pouco. Contudo, temos carros com capacidade de combate a incêndio bastante boa.
JM: – Portanto, o veiculo recentemente adquirido não veio colmatar essa necessidade…
AJ: – O último veículo adquirido de combate a fogo não, embora tenha uma capacidade de integração de fogo muito grande mesmo. Este debita três metros cúbicos de água por minuto, o que requere vários autotanques para o abastecerem e não temos isso. Pensa-se que, no espaço de um ano, a situação poderá estar resolvida. A chamada “Bazuca” tem algumas verbas que podem vir colmatar essa necessidade.
JM: – E em relação ao novo veículo que adquiriram agora? Qual a sua função?
AJ: – O novo veículo é um multifunções, tem várias capacidades e veio satisfazer um conjunto de necessidades muito grandes que tínhamos. Como funções, a nova aquisição tem desencarceramento, tal como um que temos com 30 anos, embora o grande problema neste contexto não seja o trabalho que faz, mas sim a idade do equipamento. O desgaste do mesmo é enorme. Ainda no outro dia, quando estava a falar com o segundo comandante, discutiu-se a possibilidade de pôr os carros a trabalharem, de vez em quando ir à Foia ou ir à Via do Infante e voltar para o quartel, só para circular. Um carro de bombeiros, com material que poderá estar meses sem funcionar em pleno, tem um desgaste muito grande. O veículo de desencarceramento mais antigo que temos, e que continuará a ser utilizado, tinha alguns problemas como as borrachas de ar, que não são sempre utilizadas e que têm um prazo de validade. Os diferentes componentes podem ser utilizados até certo ponto, mas, a partir de dessa altura, já não têm garantia. Embora esse veículo continue a ser bom, apesar da sua idade, o equipamento atual é totalmente diferente. Hoje em dia, já nada é ligado ao ar, tudo funciona com baterias móveis, não são necessários tubos para funcionar, o que faz com que qualquer equipamento de desencarceramento possa ser levado à mão. Além disso, as ferramentas utilizadas têm uma capacidade de trabalho 10 ou 15 vezes superior comparativamente com as mais antigas, o que permite um trabalho totalmente diferente. O equipamento foi comprado à parte e vem num veículo construído só para nós. Este ainda não foi apresentado, pois chegou há pouco tempo, mas já temos conhecimento da sua capacidade. Digamos que não sobe paredes, mas que quase o faz. Por exemplo, num teste que fizemos, o carro estava numa subida íngreme, parado, e, ao avançar, não descaiu um bocadinho que fosse.
JM: – O veículo foi pensado tendo em conta as características do terreno em Monchique?
AJ – Não, simplesmente é um todo o terreno, mas é um facto que temos locais muito complicados nas estradas e nas serras. Felizmente, não temos tido ocorrências em nenhum ponto crítico, mas esta viatura não fica logo ali, pode ir mais longe e a lugares onde um jipe nem vai. Depois, o veículo tem toda a capacidade graças às suas diversas valências, como a que mencionei de desencarceramento, o facto de ser mais curto na circulação dentro de meios urbanos, a potência do seu jato de água com uma alcance considerável ou a sua enorme força. Também consegue desempenhar a função de combate a fogo urbano ou combate a incêndio de matérias perigosas, como no caso do incêndio no parque de estacionamento de São Sebastião. Nesse caso, se não fossem os bombeiros de Portimão, nós não teríamos equipamento adequado para conseguirmos atuar. Agora, temos equipamento para tudo. Se houver um incêndio com um veículo que arda, o carro chega ao local da ocorrência e, em três minutos, espalha a espuma própria para este tipo de situações. A viatura também tem uma parte elevatória para colocar um indivíduo a cortar chapa a qualquer altura e em segurança, tanto de dia como de noite, porque tem iluminação total, em todos os ângulos do veículo. O valor investido que foi feito só para termos este tipo de equipamento rondou os 100 mil euros, mas está tudo facilmente acessível. No último ano, para conseguirmos manter o helicóptero aqui, em Monchique, houve um compromisso da Câmara em que participava na compra desta viatura porque era necessária para o caso de acontecer alguma coisa na aterragem ou na descolagem do meio aéreo e para a qual tínhamos de estar preparados. Quando um bombeiro sai de dentro deste veículo, o equipamento já está às costas e vestido, porque os bancos já têm a farda necessária para atuar. São tudo mais valias que acrescentam qualidade à nossa atuação.
JM: – E quantos homens é que são precisos para operar esse carro?
AJ: – São precisos cinco elementos, tal como em todas as equipas.
JM: – E há equipamento para todos os elementos?
AJ: – Sim, para tudo. O espaço para o equipamento é que é pouco, porque o veículo não foi construído para este propósito. Mesmo os carros não têm condições apropriadas para estarem como estão, considerando ainda que daqui a um ano poderemos ter mais três ou quatro carros.
JM: – O espaço começa a ser pequeno…
AJ: – Sim, além de não ser operacional. Hoje, é impensável como é que só temos saída para a frente, quando, tendo em conta o que sabemos, todos os quartéis têm duas saídas, não existem carros um atrás do outro, pois cada um sai para o seu lado. Se precisarmos de tirar os carros de trás temos de tirar os da frente em primeiro lugar. Temos espaço para pôr, mas quando for para sair, quando faz falta? É que se fosse só para estarem aqui e trabalharem ou dar uma volta à vila, tudo bem. No entanto, quando faz falta e há uma urgência, a população tem o direito a ser assistida ao segundo, paga impostos para ter assistência, tal como na saúde. Quando o INEM é chamado, nós somos analisados ao segundo, é contado o tempo que se leva a acionar o alarme, o tempo que se leva a sair e o tempo que se leva a chegar, porque todas as viaturas são controladas por GPS. Até a velocidade a que se vai é registada, pois quando se chega a uma zona onde tenha acontecido a ocorrência, a velocidade tem que ser adaptada à gravidade da situação. Pode ser necessário ir rápido para o hospital ou ir muito devagar. Às vezes, vê-se irem tão devagarinho que diz assim “Eh pá, vão a passear”, aí a 40 à hora… São situações muito graves, aí têm de ir mesmo devagar.
JM: – Qual a situação atual no que toca aos recursos humanos na associação, relativamente a efetivos, à falta destes ou outros aspetos relevantes que possa partilhar?
AJ: – Temos falta de efetivos, especialmente na parte operacional com, salvo erro, 31 bombeiros, depois são mais seis pessoas, centralistas, secretaria, limpeza… Agora entraram mais duas pessoas que não são bombeiras, a fim de libertar alguns operacionais. É muito pouco e tem sido difícil. No início do próximo mês, vão a exames uma série de recrutas, cerca de 20, porque, em princípio, tínhamos mais de 30 pessoas interessadas, mas a Escola Nacional de Bombeiros não permite que se ponha em cada turno mais do que um certo número de pessoas, e então tiveram de ficar só 20. Eu, do que me tenho apercebido da parte do comando, é que muitos daqueles jovens estão muito interessados em serem bombeiros. Eu fiquei surpreendido porque algumas pessoas ligadas à saúde estão para ser voluntárias, para trabalhar, e querem trabalhar. Desperta-lhes qualquer coisa, porque o ser enfermeiro não dá o direito a ser enfermeiro do INEM, tem de se ter muitas outras formações. No ano passado, fizemos formação a 80 bombeiros.
JM: – E desses, quantos é que permanecem na corporação?
AJ: – Destes 80, estão cerca de 60, 31 são pessoal assalariado, efetivo, e os outros são voluntários, mas têm de fazer a mesma formação. Todos têm de ter as formações, podem não ter tantas, mas têm de ter um certo número de formações tal como têm de dar por ano, acho que são 120 ou 130 horas para poder exercer as suas funções, senão perdem esse estatuto.
JM: – E mesmo os assalariados têm de cumprir essas horas ou não?
AJ: – Esses não, têm é de fazer as formações todas e passarem.
JM: – Disse-me que tem falta de efetivos. Acha que a corporação dos bombeiros de Monchique está próxima dos mais jovens? Os mais jovens sentem-se integrados aqui dentro ou estas pessoas que querem ser bombeiros já estão numa faixa etária mais velha?
AJ: – Não, no geral são jovens na casa dos 20 anos. Na instrução e nos exames, nem todos depois passam. É complicado e eu tenho assistido mais de longe. Não tenho tido que me referir a nada com a instrução, pois é uma coisa da parte ativa e eu não percebo nada de nada, fico apenas a ver. Contudo, é complicado. Estavam a treinar por causa dos exames que vão ter, o vestir o equipamento e o despir. Esse procedimento tem métodos e é contabilizado o tempo que se levam a vestir, o que pode fazer com que chumbem. É o tempo até começar a respirar pelas bombas de oxigénio que levam às costas. Mas têm de ter a experiência só para ir ao exame e levam ali só para ver o tempo que têm de fazer, assim tal como as provas físicas, portanto não é para qualquer um. É por isso que, de manhã, eles andam sempre aqui, têm além o ginásio, as piscinas, têm todos os dias que correr uma certa distância ou quase todos os dias e, de tempos a tempos, têm de ir ver como é que estão, isto é, se estão capazes, se estão em condições ou não. Isto antigamente não era assim. Têm que ser profissionais, sem falharem. Um dia, eu vi o comandante no briefing da manhã e ele estava chateado porque alguém saiu dois minutos antes da hora. Nós podemos pensar “são só dois minutos”, mas ele tem as suas razões. Por exemplo, o indivíduo sai às 8h00 se estiver o outro para lhe ocupar o lugar, mas, se não estiver, não pode sair. Imagine, nesses dois minutos pode haver um serviço de urgência. O outro que está a seguir entra às 8h00 e às 8h01 pode ter outro serviço. Isto pode criar um problema que para nós parece que não é, mas que é um problema real. Isto é muito rígido, mas tem de ser assim. É como o comandante diz, este nunca sabe se aquele minuto que quer sair antes não põe em causa a vida da família de alguém. Pode não parecer relevante, mas tem de haver disciplina.
JM: – Fala-se em bombeiros efetivos e profissionalizar os bombeiros. Na sua opinião, acha que este sistema de voluntariado e efetivos assalariados é o ideal ou acha que deveria haver uma profissionalização séria de bombeiros em que fossem considerados profissionais, mesmo os voluntários?
AJ: – É que esses são, a bem dizer, profissionais. Há associações e há vários municípios que têm profissionais.
JM: – Por exemplo, os bombeiros municipais…
AJ: – Sim, só que o custo é muito diferente do custo de assalariados ou voluntários, é muito maior. Por exemplo, em Tavira, o orçamento do município contribui para os municipais e têm lá voluntários também, só que esse orçamento é três vezes superior ao do município de Monchique.
JM: – E por que é que há essa discrepância de custos?
AJ: – Porque só fazem aquele serviço. Nos voluntários, há aquele espírito de fazer. Nós, por exemplo, podemos vir ficar aqui à noite. Podemos pensar que viremos dormir 12 horas para aqui. Sim senhor, mas repare, por 24,50€, a pessoa deixar a família, a casa, vir dormir aqui onde, normalmente, até chove nas casernas, e estar sujeito às 3h00 ou 4h00 da manhã, uma vez ou duas sair, conforme seja a falta, para fazer esse serviço e tudo mais… Um profissional não faz, não ganha isso, ganha o vencimento normal. É por isso que estes municípios, enquanto esta forma der, não se metem nisso. Se esta estrutura fosse municipal, teria um chefe como diretor, mais umas quantas pessoas a trabalharem e a receberem. Aqui, não. Nenhum diretor recebe coisa alguma. Não tem nada que ver uma coisa com a outra, são custos muito elevados. Devemos manter aquela ideia do voluntário, do fazer, porque senão acho que passamos a ser uma sociedade menos humana. É diferente e acho que, pelo menos nos concelhos pequenos, que existe uma razão para que se deva tentar manter e custa menos à população. Se forem municipais, eles chegam ao fim dos seus horários e saem, acabou, já não têm mais nada a fazer. No nosso caso, faz-se aquele horário, fazem as oito horas, às 17h00 saem, mas depois às 17h05 estão a fazer voluntariado. Isto é assim, senão também como funcionava? A pessoa começa depois a sentir que isto é parte da casa dele e é preciso criar sempre esse ambiente, não tem nada que ver com corporações municipais. Se fosse tudo assim, todas as coletividades não existiriam, a pagar nada se consegue, não tem nada que ver o valor do que é o voluntário. Mesmo que um ou outro tenha de receber, porque perde tempo, não tem o mesmo espírito de ser o emprego. Acho que devemos manter esta cultura do povo, de sermos solidários desta forma.
JM: – Portanto, é o princípio da solidariedade e de trabalhar em prol do outro…
AJ: – É por isso que temos o tal lema “vida por vida”, que se mantém.
JM: – Quais os motivos para se ter candidatado à presidência da direção?
AJ: – Eu fui bombeiro aos 12 anos aqui. Depois, fui para Lisboa e nunca mais fui bombeiro. Sempre colaborei com coisas que precisavam, mas até tinha dito que nunca ia ser sócio de coletividade ou associação. Colaborava com o clube da bola, com o JDM, ajudava com o que precisavam, mas não queria sociedades, não tinha tempo para isso. Entretanto, acabei por me envolver, sem querer, em várias como voluntário e outras que me roubam muito tempo, mas nas quais dá muito prazer estar. Aqui, nunca tinha pensado nos bombeiros, sequer. Associei-me numa aprovação de contas ou numa tomada de posse de uma direção, à qual vim como convidado da Assembleia Municipal. Enquanto estava a conversar com um amigo, que é bombeiro e que é o atual presidente da Junta do Alferce e o segundo comandante dos bombeiros em Silves, alguém lhe deu uma proposta para ser sócio e ele disse “eu não, eu sou sócio em Silves, sou segundo comandante em silves, vou agora ser sócio mais aqui?” E diz-me ele assim “Oh Justino, você não é sócio?” e eu “não”. Ele perguntou “você é de Monchique e não é sócio? Faça lá aí duas propostas, uma para cada um”. Passado algum tempo, visitei os bombeiros como deputado e apercebi-me de algumas coisas. Eu penso que, quando estamos envolvidos numa coisa, devemos dizer quando não se concorda com algo. Depois de ser resolvido o assunto, pode-se não defender com grande atividade, mas nunca se vai dizer o contrário, pois temos de ter coerência nas coisas. Eu penso que ninguém é senhor da verdade sempre e que não é só o que alguém pensa que está certo, temos de chegar ao consenso em tudo, através de cedências, no pensamento, na maneira de fazer. Penso que todos querem fazer o melhor, cada um tem a sua maneira de ver e é importante o diálogo com as diversas correntes, porque se todos dizem “está bem”, não se pensa diferente. Eu apercebia-me disso, mas nunca levei o caso muito a sério. Há uma noite em que o Zé Gonçalo e o Zé Armando, na altura, me dizem “estivemos a pensar uma coisa”. Eles queriam que eu entrasse para a direção dos bombeiros e eu disse “não tenho tempo, eu não quero”. Eu sou muito do contra, daí dizer que não tinha tempo e eles disseram “Nós estamos a fazer a lista até daqui a três ou quatro dias”. Eu respondi “põe-me num lugar do fim [da lista], pois eu não tenho tempo e não sei como é que funciona”. Fiquei em primeiro vogal. Depois, comecei a ver que isto tinha de ser uma coisa mais a sério do que ser um simples passatempo. Comecei a me envolver mais e fiquei. Em 2017, eu fiquei muito sensibilizado com os incêndios lá de cima e com a adrenalina criada nos bombeiros daqui que desesperavam que Monchique ardesse e que, todos os dias, estavam ali preparados para isso e dormiam, acho que vestidos, à espera que fosse tocar [a sirene]… um dia ou outro eu passava aqui, o Zé Gonçalo também, mas depois, no que toca aos outros diretores, nunca aparecia ninguém. A gente pode dizer ou fazer nada, mas vai-se, ouve-se as pessoas, fala-se, dá-se ânimo, dá-se uma sensação de apoio. Acho que é desmotivante e eles estavam à espera que a serra ardesse ou que fossem chamados para ir lá para cima. Eles fazem vários exercícios com os pontos mais sensíveis do concelho onde pode começar [um incêndio]. Por exemplo, a nível de pontos, sabem que, em certas partes da serra, trabalham bem com a NOS, naquela trabalham melhor com a Altice, noutra trabalham com outra, os ventos ali sopram assim… Eles têm isto tudo pensado, as estradas, para onde vão, onde têm saída, onde não têm, têm uns mapas para eles puderem atuar. Depois, tivemos o incêndio de 2018 e essa situação de apoio foi exatamente igual. Os bombeiros que vão para o fogo, o pessoal vai e vem, chega cansado, muda de roupa, toma banho e volta a sair outra vez. Não ver aqui ninguém que diga “tem calma, isso passa e tal”, falta esse apoio importante. Depois, para me candidatar, a opção do comando e da parte da direção, de vários [elementos], era que eu devia avançar. Acho que escolhi uma equipa muito boa, disciplinada, muito apoiada, dos que convidei, todos aceitaram fazer parte de tudo, uma equipa boa para fazer isto, que me ajuda bastante. Já antes me tinham dito que as pessoas pensam que sou muito duro dentro de decisões, mas não sou, eu gosto do diálogo o mais aberto possível, de tudo, acho que só assim se pode ter equipas capazes e boas. Não olho a qualquer tipo de ideia de A ou B, todas são boas e eu em tudo costumo dizer: “aquelas ideias, às vezes, que as pessoas possam ter, que parecem mais disparatadas, não são, têm algo de importante”. Não há ideias totalmente nulas nem ideias 100% perfeitas. O gerir é o equilíbrio das coisas e não a arrogância de saber isto ou aquilo.
JM: – Relativamente ao recinto próximo à casa do povo, existem planos para a sua reabilitação?
AJ: – Tem havido planos. Nós somos uma associação que não tem um fim comercial, mas temos de encarar que essa parte faz parte da vida. Acho que aquilo é um património e que os bombeiros têm de ter algum respeito por aqueles que o construíram. Eu ainda fui do tempo em que íamos para lá carregar a terra com um carro de mão e à pá para começar a escavação e é uma pena aquilo estar mesmo abandonado. Deveríamos ter fundos, precisamos de algum tempo e ter uma equipa mais dinâmica do que tivemos, mas temos em mente fazer lá algo para convívio ou espetáculo. Já tentámos e está em aberto, mas a covid veio criar uma pressão nos técnicos do município, que nos poderão ajudar nisso. Temos de sensibilizá-los para o projeto, para que o espaço permita fazer algumas festas e dar rentabilidade. Temos alguns constrangimentos, nomeadamente à saída de emergência ou a entradas para pessoas com deficiência. Contudo, penso que não é nada que a engenharia não consiga resolver. Pode ter algum custo, mas aquilo tem uma estrutura boa e, com as técnicas que há, pode ser feito um pavilhão com uma certa dimensão, podendo ser reduzido quando necessário, para fazer um espetáculo pequeno, para conferências ou para reuniões. Hoje há montes de formas para salas de conferências puderem levar 600 pessoas ou 100.
JM: – Para além daquele recinto, os BVM têm mais património do mesmo género?
AJ: – Nós temos outro património que não está nada rentabilizado e poderíamos ver a hipótese de rentabilizá-lo. Por exemplo, temos uma casa na Foia e temos um lote junto à casa que nos causa o problema de limpá-lo todos os anos e que não rende nada. Isso é uma má gestão. Porque não fazer lá fados ou bailes? Qual é o problema?
Por exemplo, no outro dia autorizámos um baile aqui no quartel e não foi por isso que aumentou a covid. As pessoas vieram e participaram, saíram de casa. Não resolve o problema as pessoas estarem em casa. Eu sempre defendi que para a sociedade é muito importante ter os jovens ocupados, fazerem coisas, porque hoje, um problema gravíssimo é a droga ou o álcool, mas se houver outras situações, se calhar 90% saem disso. Bebem porquê? Porque não têm nada para fazer, vão a lugares para beber.
Se houvesse mais dinâmica naquele espaço, criar-se-ia a cultura de ir lá e se, por exemplo, como há aí por outros lados, onde fazem festas, rentabilizaríamos o espaço e as pessoas apareceriam. Se houvesse outras coisas, se calhar viriam muitos mais e acho que tudo o que se faça para trazer mais pessoas é importante. O concelho não desenvolve se não tivermos pessoas cá.
JM: – Assim, pretende implementar atividades recreativas para apoio aos bombeiros?
AJ: – Não. Os bombeiros não estão para isso nem têm tempo. Contudo, se tivermos uma infraestrutura que permita que outros façam, é diferente. Se houvesse a situação de um grupo que fizesse espetáculos, ou fosse responsável por organizá-los, as pessoas que vão pagam algo e, se calhar, davam mais um euro para ajudar os bombeiros. Nesse caso, as pessoas ainda vinham com mais vontade de ajudar. Uma lacuna dos bombeiros é não termos um serviço de informação e penso que é uma das missões do secretário. Deveríamos ter uma informação mensal em que se diga à população os serviços que foram realizados, porque a população não tem noção disso. As pessoas não têm noção do que se faz, porque também não se diz. Seria uma motivação para sócios ou outras pessoas que se queiram associar. Parece que somos uma associação secreta no meio da coletividade.
Por exemplo, do ano passado obtivemos os seguintes dados:
- Transporte de doentes urgentes – 650
- Transportes de doentes a consultas – 1880
- Queda de árvores – 6
- Incêndios rurais – 60
- Queimas – 5
- Abastecimentos de água – 63
O comando tem os quilómetros que se faz, o combustível que se gastou. Tudo ao pormenor. No ano passado foram feitos 183 262km e 7 280 km para formações.
Aliás, estou com uma ideia que já falei isso na reunião de direção, para começar a palpar terreno. Grande parte destes quilómetros são feitos em ambulância de transporte de doentes não urgente ou de jipe, que gasta 18/20 litros aos 100kms. Não é confortável andar no jipe, para além de que estão preparados para todo o terreno e então temos de pensar numa forma de avaliar o que se paga de combustível em contraponto com a aquisição de um carro ligeiro, porque consome se calhar menos de metade do combustível e tem outro desgaste, sem contar com a falta que o jipe faz. Se formos ver, se calhar é irmos começando a pensar nisto. Vou preparar essa ideia para a direção aos poucos e ver onde se pode arranjar 20 mil euros para isso.
Estamos em falta há muito meses com a Sociedade da Água de Monchique de uma ambulância que eles nos ofereceram. Fomos lá pedir e eles ofereceram-nos e vimos que só perdemos por ir tarde. Penso que no fim do próximo mês temos já cá o veículo.
JM: – Qual é a situação financeira atual da associação?
AJ: – A associação tem, neste momento, a situação financeira equilibrada. Temos os vencimentos sempre em dia, pelo menos no meu tempo. A situação é liquidada sempre no fim do mês. Havia de há muitos anos uma verba em atraso, que tem sido paga, e no próximo mês, pensamos que a vamos pagar na totalidade. Também não temos dívidas à Segurança Social. Há uns 18 anos tivemos uma situação que foi negociada e que já foi toda cumprida há alguns meses. Se as pessoas dão um euro é esse valor que é contabilizado como donativo. Nós como somos de Utilidade Pública temos o benefício de não pagar imposto, mas tem de estar tudo certo. As pessoas dão e recebem como ofereceram. Quando mais transparentes sermos melhor, e temos de mostrar às pessoas que as contas são assim. Na contabilidade diz lá tudo. Temos a contabilidade toda certa, que vai para as finanças, para a Liga dos Bombeiros e vai para a Proteção Civil, que eles vêm ver as contas todas e fazem bem. Já as pessoas, ninguém se incomoda com nada, por exemplo numa assembleia de sócios vêm meia dúzia de bombeiros, que estão de serviço, e vêm cinco ou seis pessoas e mais ninguém. Dá ideia de que isto é uma associação que as pessoas não têm nada com isso. Portanto, é necessário dar a volta a essa situação. Quem não sabe nada não tem dúvidas nenhumas.
JM: – Que vantagens há em ser sócio dos BVM?
AJ: – Há muitas vantagens. Na farmácia Hygia temos um protocolo para os sócios terem 5% de desconto nos medicamentos. Temos com a clínica Medchique um desconto nalgumas coisas de 30 ou 40%, que muitas vezes numa consulta poupam mais do que as quotas de um ano. Também têm direito a desconto de 25% nas ambulâncias, se for preciso algum transporte.
JM: – Para ser sócio o que é necessário?
AJ: – É só preencher a ficha, depois vem à reunião de direção, e é aprovado. É-lhe feito um cartão e começa a pagar as quotas, que têm o valor de 24 euros por ano, que é uma coisa insignificante e já pode ser pago por multibanco. As pessoas de mais idade gostam de vir pagar aqui na sede, que ao mesmo tempo têm um bocadinho de conversa, faz parte. As pessoas mais jovens pagam no multibanco. Antes como não era assim muita gente deixou de ser sócio ou nunca pagou.
JM: – Recentemente, surgiu uma alteração no logótipo associado ao Bombeiros de Monchique. Qual foi a razão para esta mudança?
AJ: – O logótipo da associação é o mesmo, mas foi criado um para o Corpo Ativo.
JM: – Como estão os preparativos para a próxima época dos incêndios?
AJ: – Para a próxima época, está tudo preparado. As equipas já estão todas feitas, pois os preparativos são constituídos vários meses antes. Assim sendo, a parte do comando tem tudo preparado para que, no dia em que seja preciso entrar em ação, esteja tudo disponível para isso. A parte logística, a quantidade de água necessária, o fornecedor de alimentos e tudo o resto está sempre preparado com antecedência.
JM: – E quais são as vertentes de atuação?
AJ: – Em tudo, parte aérea e todas, como todos os anos. Porque a gente só coordena, a bem dizer, o primeiro impacto das primeiras horas. Depois, normalmente será a parte superior do comando, embora se for cá o comando é sempre nosso. Mas se meterem o comando distrital ou nacional, esse começa a comandar, a dirigir a situação toda…
JM: – A partir de um certo período de tempo em que depois passa para o comando distrital, depois para o comando nacional…
AJ: – Sim, porquê? Não é que no terreno não seja ouvido toda a situação, é que depois começa a ser necessário enquadrar meios nacionais ou internacionais e esses é que têm a competência de pedir. Não é o nosso comandante daqui que vai pedir meios nacionais. O nosso segundo comandante, mesmo na semana passada, esteve a fazer uma formação em meios aéreos, para comandar meios aéreos também. Faz parte das formações todas. Ele fez a área de segundo comandante em Castelo Branco e esta semana era para estar a fazer em São João da Madeira, só que não pode porque a gente precisa dele aqui, fica para fazer depois da época mais grave de incêndio. Lá para setembro, outubro, conforme a situação, vai fazer essa outra formação.
Diogo Petreques / Lúcia Costa