A indústria da madeira em Monchique: do século XVI à atualidade
Artigo publicado na edição 475, de 30 de junho de 2023
Na segunda metade do século XVI, Monchique aparecia designado como “lugar”, pois fazia parte do extenso território de Silves e estava dependente dele a nível administrativo, económico e social. Todavia, as suas particularidades destacavam esta localidade de muitas outras situadas na serra, tal como comprovam os principais estudos desenvolvidos nessa altura. Nos finais do século XVI, Henrique Fernandes Sarrão associava Monchique a um lugar com pouco mais de 300 moradores, onde predominavam “muitas vinhas, muita criação de gado, muito mel e cera e pão, e frescos bosques, regados de perenes fontes e saudosas ribeiras, em que estão muitos moinhos, e pisões”.
Nesta altura, já as florestas de carvalhos e castanheiros assumiam relativa importância para a economia monchiquense. As referências sobre ela remontam à época medieval, mais propriamente ao período de ocupação árabe, quando Edrici publica um texto mencionando que “as montanhas dos arredores de Silves, produzem grande quantidade de madeira, exportada para longe”. Em 1546, Alberto Iria aborda o requerimento que o rei cedera aos mareantes de Lagos para que “não se dê sesmarias donde ouuer madeira pera navjos barquas bateys e carauellas”, em sentido ao cultivo e arroteamento da serra de Monchique e aos prejuízos que isso acarretava para a floresta e construção naval.
A partir do século XVIII, são conhecidos os novos aproveitamentos dados à madeira, como é o caso da construção civil, do entalhamento de retábulos, da carpintaria e marcenaria e tanoaria. Em especial, os trabalhos em que era empregue a madeira de castanho eram os mais exportados para todo o Algarve e Castela. Neste sentido, é importante referir a existência da oficina de entalhe de madeira de castanho, de que era proprietário Custódio Mesquita, responsável pela execução de vários retábulos para algumas igrejas de Monchique e barlavento algarvio. De facto, o peso que aquela madeira tinha nesta altura era crucial, a tal ponto que esteve na base da emanação do Alvará de 16 de janeiro de 1773, que veio instituir a criação do concelho de Monchique, apelando, entre outras coisas, às dificuldades de comunicação do lugar com o litoral, que limitavam o comércio “das uteis, e necessárias Madeiras de Castanho; das abundantes frutas, e das mais produções, em que he fértil a referida Serra”.
A partir do século XVIII, são conhecidos os novos aproveitamentos dados à madeira, como é o caso da construção civil, do entalhamento de retábulos, da carpintaria e marcenaria e tanoaria. Em especial, os trabalhos em que era empregue a madeira de castanho eram os mais exportados para todo o Algarve e Castela.
O negócio e a exportação de madeiras contribuíram para o enriquecimento de algumas famílias do concelho que, no ano de 1841, era considerado o único sítio onde havia “castanheiros para corte de madeira, e em tal abundância que della se provê, nem só todo o Algarve e Alem-Tejo Baixo, mas ainda exporta pelo rio de Portimão”.
A carpintaria e a marcenaria foram profissões de destaque, cujos profissionais eram referenciados em roteiros antigos e em textos literários dos séculos XIX e XX, devido à sua presença assídua nas principais feiras, mercados e outros eventos do Algarve. Entre as principais descrições literárias encontra-se, a título de exemplo, “Carnaval Literário”, do escritor portimonense Manuel Teixeira Gomes, no qual se pode ler uma passagem sobre a feira de Portimão, em meados de 1875, onde estaria “ao ar livre a obra de castanho, feita em Monchique: mesas, cadeiras e arcas…”. No que diz respeito aos eventos regionais, deve fazer-se menção ao Congresso Regional do Algarve, realizado em 1915 no Hotel Viola da Praia da Rocha, onde estiveram expostos alguns artefatos algarvios, estando o concelho de Monchique representado por “cadeiras romanas e outro mobiliário”.
Para além do serrador e do machadeiro – profissões com especial relevo para o concelho de Monchique – também o tanoeiro constitui um importante testemunho económico para a história da indústria da madeira neste concelho. No século XIX João Batista da Silva Lopes escrevia que os habitantes da localidade “exercitam bem o ofício de tanoeiro, e no tempo próprio se espalham por todo o Algarve a amanhar o vazinhame das adegas”. Em 1924, Avelino dos Reis Valério era considerado “o especialista em barris chatos”, mas em 1983 foram ainda fixados os nomes dos mestres Vidaul (Marmelete) e Manuel Joaquim (Alferce).
O negócio e a exportação de madeiras contribuíram para o enriquecimento de algumas famílias do concelho que, no ano de 1841, era considerado o único sítio onde havia “castanheiros para corte de madeira, e em tal abundância que della se provê, nem só todo o Algarve e Alem-Tejo Baixo, mas ainda exporta pelo rio de Portimão”.
Em 1973 / 1974, o “Guia Comercial e Industrial do Algarve” indicava, no que diz respeito ao concelho de Monchique, as seguintes atividades relacionadas com madeira e respetivos profissionais:
a) Carpintarias civis: João Martins Vilas e Prado, Lda;
b) Carpintarias mecânicas: Canelas Prado & Silva, Lda;
c) Negociantes de lenhas: António da Silva e Manuel Joaquim Varela;
d) Negociantes de madeiras: João Martins Vila, Joaquim Roque, José Canelas, José
Firmino, José Francisco Prado, José Inácio, José Miguel Crispim e José Roque;
e) Serrações de madeira: Júlio & Patrocínio, Lda e Maurício das Dores Gingeira;
f) Marcenarias: António A. Varela, António Coelho, Herdeiros de Joaquim Valério
Duarte, José Andrez e Maurício das Dores Gingeiro;
g) Negociantes de mobílias de madeira: Fernando Andrez, Mobiladora Monchiquense – José Alves das Dores Justino;
h) Serralharias mecânicas: Auto-moto monchiquense, Eduardo Baiona e Vieiras
Freitas;
i) Serralharias civis: Álvaro Calapez Nunes, Fernando da Cruz, Herdeiros de Joaquim Vieira Freitas, José Manuel da Cruz e José Pedro Bartolomeu.
Atualmente, a indústria de transformação de madeiras ainda ocorre no concelho de Monchique com uma certa importância, tendo em conta que se registam algumas empresas ligadas ao setor. Tendo em conta os factos históricos apresentados e os testemunhos físicos que ainda existem, desde antigos trabalhadores a máquinas e ferramentas que subsistiram no tempo, urge a necessidade de salvaguardar e valorizar todos estes elementos para que a história não se perca na memória futura.
Bibliografia:
GASCON, José António Guerreiro (1993). “Subsídios para a Monografia de
Monchique”, 2.ª edição (facsimilada), Algarve em Foco Editora, Vila Real de Santo António;
GOMES, Manuel Teixeira (1939). “Carnaval Literário”, 2.ª parte de Miscelânea, Seara Nova, Lisboa;
GUERREIRO, Manuel Viegas, MAGALHÃES, Joaquim Romero (1983). “Duas
Descrições do Algarve do Século XVI” in Cadernos da Revista de História Económica e Social, nº3, Sá da Costa Editora, Lisboa;
LOPES, João Baptista da Silva (1988). “Corografia ou Memória Económica, Estatística e Topográfica do Reino do Algarve”, 1º Volume, Algarve em Foco Editora, Faro;
MARREIROS, Glória (1991). “Um Algarve Outro – contado de boca em boca”, Coleção Horizonte Universitário, Livros Horizonte, Lisboa;
MATEUS, Ana Rita Santos (2023). “A Elevação de Monchique a Vila. Dois séculos de História”, Câmara Municipal de Monchique, Monchique;
SAMPAIO, José Rosa (2009). “As Artes da Madeira no Concelho de Monchique: um contributo para a sua história”, Monchique;