Os grandes desafios de Monchique que vão criar uma nova sequência ecológica e remunerar os proprietários
A zona da Cruz da Foia, em Monchique, foi, nos últimos dois dias, ocupada por 5500 árvores autóctones, oferecidas pelo Zoomarine através da iniciativa «Operação Montanha Verde 2019», que também se estendeu a outros concelhos algarvios.
Com esta plantação «pretende-se iniciar uma nova sequência ecológica para preservação o habitat da adelfeira, que é muito raro e que ainda tem resquícios da floresta laurissilva, aquando do tempo em que Monchique tinha clima atlântico. O que nós queremos é aumentar a área desse habitat e para isso estamos a fazer um apuramento genético em Badajoz de plantas de já existiram aqui. Por exemplo, o carvalho de Monchique já quase não existe, porque esta espécie hibrida com muita facilidade dado que há troca de poléns com outras quercíneas. Este restabelecimento de habitat está a ser implementado no Vale Largo e na Cruz da Foia», explica Sónia Martinho, engenheira florestal da Câmara Municipal de Monchique.
O projeto intitulado Life-relict tem a duração de cinco anos e é coordenado em termos científicos pelo professor Carlos Pinto Gomes, da Universidade de Évora, e conta com o apoio da ADRUSE – Associação de Desenvolvimento Rural da Serra da Estrela, do Centro de Investigaciones Científicas y Tecnológicas de Extremadura (CiCyTex) e da Câmara Municipal de Seia, que também está a realizar um projeto semelhante.
«Esta zona ao longo dos anos, fruto dos fogos, quer naturais, quer feitos pelos pastores, tem vindo a empobrecer em termos de solo e neste momento só germinam espécies como tojos, silvas e pouco mais. Para nós alterarmos um bocadinho esta paisagem, e para voltar a po-la como ela era há muitos anos, temos de trabalhar acima de tudo os solos e a maneira de o fazer é plantar quercíneas para que no futuro os terrenos estejam preparados para receber outro tipo de espécies», esclarece Rui André, presidente da Câmara Municipal de Monchique. No entanto, admite que «é um risco muito grande e é uma ação muito de trabalho cientifico, que vamos experimentar. Na verdade é que, se tivermos atentos, na zona da Foia aparecem alguns sobreiros espontâneos. Claro que não vão ser árvores muito grandes, nem de grande porte, se calhar nem vão dar cortiça, mas é essencialmente trabalhar a questão do solo» havendo «a ambição de requalificar toda a zona onde ainda existem os últimos resquícios da floresta laurissilva», reforça. Apesar de tudo «a zona da Foia é muito complexa, porque tem muito pastoreio e nós estamos a trabalhar diretamente com os pastores para envolve-los nas ações e fazermos aqui uma intervenção em acordo com eles», sublinha Rui André.
Paralelamente, têm nos últimos meses decorrido diversas ações de reflorestação por parte de empresas e da sociedade civil. Segundo o edil monchiquense esses eventos «têm sido aproveitados para fazer alguma intervenção, quer associada aos incêndios ou não». Nalguns terrenos da Câmara têm sido «arrancados eucaliptos e vão ser plantados carvalhos de Monchique».
«Só nesta zona da Foia temos vários projetos a acontecer ao mesmo tempo. É o caso do Projeto TerraSeixe que tem a ambição da construção de corredor ecológico que vai da Foia até Odeceixe, passando pelos concelhos de Odemira e de Aljezur, no qual vamos plantar 75 mil árvores após termos, recentemente, a oferta da Raynair de um valor [250 mil euros] para renaturalizar Monchique».
A manutenção e cuidados das espécies «está a ser feito em parceria com a ASPAFLOBAL, que tem duas equipas de sapadores. Por exemplo, no ano passado, também no âmbito do projeto do Zoomarine, fizemos intervenção no espaço envolvente ao Montinho, nas Caldas de Monchique, onde plantámos 5 mil árvores e temos feito alguma manutenção», cujo principal problema «é o surgimento de espécies invasoras, como a acácia, em grande quantidade». No entanto, «temos combinado com o Zoomarine, que tem outra ação de limpeza das praias e nessa altura esperamos grupos de voluntários para arrancar essas espécies invasoras. É importante não só plantar, mas depois fazer manutenção», lembra o autarca.
Na ação «Operação Montanha Verde 2019» participaram no concelho de Monchique no dia 10, cerca de 80 voluntários e no dia 11, dedicado às escolas, estiveram presentes, apesar do mau tempo, perto de 100 jovens dos 9.º anos de São Bartolomeu de Messines, que se manifestaram alegres por terem feito parte desta ação. Paulo Ferreira, um dos alunos envolvidos, confessa ao Jornal de Monchique que «foi uma maneira de ajudar a serra de Monchique com a recuperação da floresta por causa dos incêndios», admitindo que se sente «bem por estar a contribuir para ajudar a serra a reflorescer».
Redesenhar a paisagem, o novo grande desafio de Monchique, que vai remunerar os particulares que aderirem
Desde o ano passado que já foram plantadas cerca de 100 mil árvores no concelho de Monchique, no entanto, o desafio no futuro é «redesenhar a paisagem», afirma Rui André.
«O trabalho até agora foi muito técnico». Foi efetuado um estudo sobre a progressão dos incêndios dos últimos anos em Monchique e é fácil perceber que o caminho do fogo é mais ou menos sempre o mesmo», salienta. «Então o redesenho da paisagem vai ter em conta esse conhecimento para estruturar zonas de proteção ou zonas de defesa que permitam só de forma natural, sem os meios de combate, controlar os fogos».
Neste novo repensar do território, Rui André explica que vão existir duas zonas de estudo: «Monchique e Caldas de Monchique» onde vai ser construído «um anel de proteção à volta destes dois aglomerados urbanos», sendo que, posteriormente, «vamos fazer a ligação entre os dois numa espécie de um corredor que também será trabalhado e articulado com os proprietários».
Com este projeto «vamos também fazer uma coisa que Portugal não tem muita experiência que é a remuneração dos serviços dos ecossistemas e que consiste em pagar aos particulares que deram contributo para este redesenho». Nesta situação «em vez dos proprietários terem um acordo ou contrato de arrendamento com uma empresa de celulose passam a ter um contrato de arrendamento, chamemos-lhe assim, com o Estado, e que são remunerados anualmente por esse contributo que dão».
Trata-se da criação de um novo conceito de ZIFs (Zonas de Intervenção Florestal) que, segundo, Rui André «foram uma oportunidade perdida». Neste momento o objetivo é «fazer uma Zona de Intervenção Integrada» em que operam três fatores: a população, o ambiente e a floresta, na qual «as pessoas cedem o seu terreno para ser gerido de uma forma comum, numa espécie de condomínio» podendo deixar de terem o seu retorno com as árvores que lá têm plantadas, mas como «estão a dar uma coisa para o bem-comum, depois vão ser remuneradas por isso».
Na zona centro do pais esta medida já está a ser implementada através de um concurso que está a decorrer para que as pessoas possam concorrer aos apoios da remuneração dos serviços de ecossistemas, mas aqui em Monchique «vamos fazer um pouco diferente, porque estamos a desenhar primeiro as zonas e depois é que vamos falar com os proprietários. Por isso, espero que dentro de duas ou três semanas possamos anuncia-lo publicamente e nessa altura daremos todos os pormenores», garante Rui André.
Esta compensação «é uma coisa que eu venho defendendo há muitos anos. Quer o concelho de Monchique, e não só, um pouco por todo o país, existem muitas zonas protegidas cujas populações e os concelhos que têm esse tipo de ferramentas de instrumentos de gestão do território (IGT) nunca foram compensados por esse contributo que dão», realça.