CulturaSugestão de leitura

Uma viagem entusiasmante ao nosso país de castelos

O livro intitula-se “Guerreiros de Pedra, Castelos, Muralhas e Guerras de Cerco em Portugal na Idade Média”, por Miguel Gomes Martins, A Esfera dos Livros, 2016. Miguel Gomes Martins é doutor em História e porventura este seu galvanizante livro “Guerreiros de Pedra” baseia-se na sua tese de doutoramento.

O que há de tão entusiasmante nesta leitura, dado que desde há muito já se possui um inventário destes monumentos, todos eles classificados? É o olhar e a comunicação do historiador, ele não se cinge à representação do castelo, ao significado da fortificação, ele vai narrando como evolui o conceito destas estruturas entre os séculos X e XI até o fim da Idade Média. Estimulando o leitor a observar e conhecer as estruturas defensivas, identifica as tendências de construção, modelos arquitetónicos e materiais usados na construção destas edificações. Embora de natureza eminentemente militar, impõe-se que o olhar do historiador tenha em conta os guerreiros, os cercos, os assaltos, os porquês do desaparecimento de elevado número de castelos, mesmo durante a Idade Média. É a natureza da comunicação que captura o leitor desde o primeiro capítulo, a partir do processo da Reconquista. Diz-nos o autor que em torno do ano 1000 se contabilizavam cerca de 500 castelos na faixa territorial compreendida entre os rios Douro e Minho, e um número consideravelmente superior na região situada entre o Douro e o Mondego. Compreende-se como o poder da nobreza foi enfraquecendo dada a forte participação das instituições monástico-conventuais que optaram por erguer elas próprias as suas cercas defensivas e os seus castelos. O autor explica-nos a importância de uma fortificação surgiu na Península Ibérica em finais do século X e dos inícios do século XI, o castelo de mota, uma fortificação que consistia num outeiro artificial de planta circular. Com o acelerar da Reconquista, com a chegada da Ordem do Templo, a construção do castelo alterou-se substancialmente, surgiram as torres de menagem, uma base em forma de rampa, o alambor, os torreões de planta quadrada como, mais tarde, se difundirão as torres albarrãs (uma espécie de torreão avançado); na segunda metade do século XIII difundiram-se as barbacãs (muros relativamente baixos mas difíceis de transpor, situados a escassos metros das muralhas). O autor refere outros aperfeiçoamentos, como os que se registam nos adarves (caminhos de ronda) e a adaptação de muitos castelos góticos à função residencial.

5_leituraÉ aliciante a exposição que o autor faz sobre este reino de castelos, as suas diferentes linhas, os seus sistemas de defesa, a sua presença da orla marítima ao interior, dirá mesmo que ao longo da segunda metade do século XIII se irá assistir a um apreciável reforço destas linhas com novas fortalezas, já estamos num tempo em que a fortificação militar não é pensada exclusivamente em termos de Reconquista, assinala o poder régio e a eventualidade das invasões castelhanas. É igualmente dada atenção aos comandantes e ao comando das fortalezas, ao papel das alcaidarias, aos sistemas de vigilância, defesa e policiamento, e a leitura ganha ainda mais vivacidade com a saborosa descrição dos golpes de mão e ataques de surpresa, as manhas e a rapidez de atuação como fatores decisivos para a conquista de uma fortaleza. Cercar significa dispor de arraiais, abastecimento, maquinaria militar para os assaltos e o historiador elabora situações, exemplifica, o mesmo fazendo com o tipo de assédios e as respostas possíveis para a sua dissuasão. E se uma coisa é cercar, dispor de meios e de paciência, não menos importante é saber resistir, até mesmo o mensageiro dispunha de uma missão crucial de poder contactar um exército de socorro que pudesse forçar o levantamento do cerco. Vejamos uma situação que o autor nos conta, o cerco almóada a Santarém, em 1184, praça-forte defendida pelo infante D. Sancho: “Por muito importante que tenha sido o papel desempenhado pelo infante e pelos seus homens, foi a aproximação de um grande exército de socorro integrado por combatentes lioneses liderados pelo rei Fernando II, que se revelou decisiva para obrigar Abu Yaqub Yusuf a levantar o cerco. A partida dos Almóadas fez-se de um modo desorganizado e intempestivo, de tal forma que, provavelmente, no decurso da perseguição a que o seu exército foi sujeito por parte das forças cristãs, o califa é atingido por um virotão vindo a morrer dias depois nas imediações de Coruche”.

Não menos impressiva é a descrição das vitórias e derrotas, o derramamento de sangue, os saques, a destruição dos castelos. Nas conclusões o autor recorda o papel que tais construções tiveram na defesa das populações e das fronteiras, das principais vidas de comunicação, como a Coroa precisou de outras instituições e entidades, como a Igreja, os conselhos e as ordens militares para conservar e operacionalizar estas estruturas. E termina com uma citação, uma síntese bem feliz para expressar o relevo que devemos atribuir a estes guerreiros de pedra: “os castelos dominavam a guerra, do mesmo modo que dominavam a paisagem”.

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