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Um apontamento sobre as feiras de Monchique

Artigo publicado na edição 479, de 30 de outubro de 2023

Desde há muitos anos que o outono no Algarve é marcado pela realização de várias feiras que ocorrem um pouco por toda a região. No geral, estes certames estão associados a festas religiosas ou pagãs e marcam o quotidiano dos habitantes, que veem nestes eventos uma oportunidade para adquirir os mais diversos produtos agrícolas e algumas peças de vestuário e calçado, objetos em barro ou esmalte e participar em momentos de convívio.

No início da segunda metade do século XIX, o Governo Civil de Faro promoveu um inquérito aos administradores de cada concelho do Algarve sobre as feiras da região, com o intuito de perceber o número de feiras existentes, assim como a sua cronologia. O documento, que é apresentado em dezembro de 1854, indica que se realizam, naquela centúria, trinta e sete certames, repartidos entre feiras, mercados e vigílias, os quais ocorriam, na sua maioria, durante os meses de outono e associados a romarias.

De acordo com o referido inquérito, apenas se realizava uma feira anual em Monchique, a qual decorria entre os dias 26 e 28 de outubro. Este certame era, segundo José António Guerreiro Consigas, “o mais importante do concelho” e realizado “no adro da Igreja Matriz e ruas próximas”. Em 1892, após a conclusão do Largo dos Chorões, a feira, já nesse ano, se havia ali realizado. O mesmo autor refere, no entanto, a existência de outra feira anual em Monchique, mas com a duração de apenas um dia, realizada “no quinto domingo da quaresma”, em que tinha lugar a festa dos Passos. Também nas freguesia de Alferce e Marmelete realizavam-se, a 9 de agosto e 8 de setembro, respetivamente, feiras anuais no âmbito das festas religiosas em honra dos seus padroeiros (São Romão e Santo António).

De acordo com o referido inquérito, apenas se realizava uma feira anual em Monchique, a qual decorria entre os dias 26 e 28 de outubro. Este certame era, segundo José António Guerreiro Consigas, “o mais importante do concelho” e realizado “no adro da Igreja Matriz e ruas próximas”.

A 1 de novembro de 1927, o “quinzenário regionalista independente” intitulado “O Monchiquense”, apresentava “algumas notas sobre a feira”, realizada poucos dias antes. Através daquele texto, é possível perceber que a feira era um evento muito esperado pela população e ao qual acorriam pessoas de diferentes proveniências, desde forasteiros a indígenas, mas que, durante três dias, causava balbúrdia e desconforto “aos nossos nervos de provincianos comodistas”, uma vez que Monchique tomava, durante esse período, “o aspeto barulhento de qualquer centro populoso”. Dizem os cronistas que, naquele ano, a feira anual de Monchique ficou marcada por uma série de acontecimentos: “música, cinema, roubos, prisões… e batota: quasi indispensavel a uma terra civilizada”. Entre as quedas que a aguardente regional, com o seu “poder incomensurável”, provocou “mais por amor a ela mais que por amor ao Deus” e as ambições falhadas do jogo, foram chamados cinco polícias para fazer o policiamento da vila, o que resultou em treze prisões, “quasi todas por roubalheiras”, tanto a lojistas como a feirantes. Se a ausência de palhaços, cavalinhos e barracas de tiro foi uma falha “incompreensível”, o mesmo não se pode dizer do comércio de oiro, que durante a feira “é muito procurado”, a par das barracas dos quinquelheiros, dos ourives e dos taberneiros, que teve o seu negócio “regular”, em contraste com a venda do gado, que registou, naquele ano, saldo negativo.

A azáfama dos dias anteriores à feira é recordada, na segunda metade do século XX, por António da Silva Carriço quando refere que depois do pregão do amolador, nas manhãs de outubro, “quando menos se esperava, as ruas da vila eram acordadas pelo rufar dos tambores e gritos de clarim” e à noite, no Largos dos Chorões, os malabaristas “estendiam um pano no chão e, à luz de um gasómetro que atirava as sombras trémulas para longe, exibiam as suas habilidades”. Havia ainda a contorcionista e a cabra amestrada “que dançava ao som do batuque”. De uma forma geral, toda a vila de Monchique se preparava para o grande certame; as ruas apinhavam-se de gente que usava as suas melhores roupas e as lojas penduravam mantas às portas. As oficinas de ferreiros rapidamente atingiam a lotação para os burros, que chegavam “bem arreados, com vistosas albardas, panos de ancas ou coloridos alforges” e as tabernas deixavam à vista os “copos de 2 e 3 tostões”, que, “enfileirados, reluziam numa última lavagem”.

A azáfama dos dias anteriores à feira é recordada, na segunda metade do século XX, por António da Silva Carriço quando refere que depois do pregão do amolador, nas manhãs de outubro, “quando menos se esperava, as ruas da vila eram acordadas pelo rufar dos tambores e gritos de clarim” e à noite, no Largos dos Chorões, os malabaristas “estendiam um pano no chão e, à luz de um gasómetro que atirava as sombras trémulas para longe, exibiam as suas habilidades”.

A feira de outubro concentrava em Monchique centenas de pessoas e reunia gerações, que se distribuíam pelas várias artérias por onde as barracas, os vendedores de bugigangas e as diversões estavam situadas, conforme se depreende da seguinte descrição de António da Silva Carriço, em “Memória das Coisas”: “A feira espalhava-se e alastrava por quase toda a vila. No Cerro de S. Pedro (ou de S. Roque ou na Cruz dos Madeiros) vendia-se gado. No adro, por detrás da igreja, havia a louça de barro e de esmalte. No Largo da Misericórdia a de porcelana e os vidros. Na praça do peixe, junto ao antigo lagar, ‘os cavalinhos’ que andavam à roda suspensos de barras de ferro. Por todo o Porto Fundo, dum lado e outro da rua (…) eram as empreitas e os espartos. Já lá ao fundo os sapatos de courelo (…). A fruta estendia-se pelo princípio da Estrada Nova – canastras de peros vermelhos e envernizados, marmelos, romãs, nozes, pinhões, amêndoas, alfarrobas e figos. E, no Largos dos Chorões, havia as quinquilharias, diversões e todo o resto”.

Bibliografia:

CABRITA, Aurélio (2013). “As feiras no Algarve de hoje e as de meados do século XIX” in Sul Informação;

CARRIÇO, António da Silva (2008). “Memória das Coisas”, 2.ª edição, Associação “O Monchiqueiro – Grupo de Dinamização Cultural”, Monchique;

GASCON, José António Guerreiro (1993). “Subsídios para a Monografia de Monchique”, 2.ª edição (facsimilada), Algarve em Foco Editora, Faro.

“Algumas notas sobre a feira” in Jornal “O Monchiquense”, de 1 de novembro de 1927 (disponível em www.hemeroteca.ualg.pt)

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