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Tropeções de um papa quase bom

Editorial publicado na edição 477, de 31 de agosto de 2023

O mês de Agosto foi marcado em Portugal pela visita do Papa Francisco. Portugal, país de tradição cristã, que deve o reconhecimento da sua independência a um decreto papal – a bula Manifestis Probatum comprada por D. Afonso Henriques ao papa Alexandre III pela quantia de 40 onças de ouro – , não podia deixar de esmerar-se na preparação da pastoral visita. Os nossos representantes políticos, crentes ou não, atropelaram-se na volúpia de tocarem a fáscia, beijarem o Anel do Pescador ou roçarem as alvas vestes e enciumaram-se quando não lograram proximidade para que o enquadramento fotográfico lhes desse pousada à efígie.

Alguns dos papas (terá havido também uma papisa – a Joana) foram dos maiores ditadores que a humanidade já concebeu, pois juntaram o enorme poder temporal – económico, financeiro e militar -, ao controlo do espírito dos crentes. E entre eles nem sempre se tratavam bem, pois sendo certo o costume de se santificarem, também se excomungavam mutuamente quando havia mais que um.

Teve agora o simpático papa Francisco uma intervenção que seria deslize, não fosse o dogma da infalibilidade papal (declarado pelo papa Pio IX em 1870) que ele ainda não negou: dirigindo-se a um grupo de jovens russos, invocou Pedro o Grande e Catarina II como exemplos (de estadistas), da “grande Rússia”. Da “grande Rússia” disse ele, o papa. Ora, chamar àquele país “grande Rússia”, que não seja como referência à enormidade do seu território inóspito, é quase um sacrilégio.

Teve a Rússia grandes homens na arte, na literatura, na música, na ciência. No entanto, muitos deles foram grandes porque se demarcaram da política do país e por isso até foram perseguidos, torturados, mortos e alguns conseguiram fugir de lá e obtiveram outra nacionalidade. O povo russo é igual a qualquer outro; o Estado russo, desde o regime czarista, passando pelo leninista, stalinista e acabando no putinista sempre foi um Estado terrorista, genocida, que invadiu e submeteu ao seu domínio criminoso outros países mais pequenos e fracos. Se bem que todos os países tiveram em certos momentos regimes totalitários, a Rússia é campeã europeia, nos últimos séculos, do nepotismo, da corrupção, da falta de liberdade, da prática genocida e da exploração do homem pelo homem.

Os exemplos que o Papa deu mostram que não estudou História Universal ou foi mal aconselhado, muito especialmente na referência a Catarina II que depôs o marido, ocupando o seu lugar e que (diz a História) foi assassinado a seu mando; tal como aumentou os privilégios dos nobres e fez dos pobres mujiques mujiques mais pobres e perseguiu os opositores, mantendo também uma vida social libertina, colecionando um rosário de amantes.

Agora que o fumo branco trouxera um papa com coragem para assustar os pedófilos, apelar à paz e com um discurso de defesa do Ambiente, tinha logo o vento do Chifrudo trazer uma fuligem à mistura, a juntar à excessiva devoção a Fátima. Se Francisco não tem cuidado não consegue igualar a santidade de João Paulo I, o papa mais digno dos últimos cem anos e que, por isso, só se sentou na Cátedra de Pedro 33 dias, antes de ser assassinado, comprovando que um santo não pode chegar a papa, embora os papas cheguem quase a todos a santos.

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