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Sempre a guerra da educação

Editorial publicado na edição 475, de 30 de junho de 2023

Em todos os países, em todos os tempos, a escola tem sido um local privilegiado de debate de ideias, de luta e de contestação. Faz parte de sua matriz, a contestação e a contestação da contestação como o filósofo Nietzsche proclamava. Na escola há o fulgor da juventude e há o estribo do conhecimento e há um confronto permanente de gerações com culturas de conteúdo diferente e que se digladiam. É, no entanto, esta oposição fervilhante que faz evoluir a sociedade humana. Tradicionalmente, mesmo em países democráticos, os governos tentam domesticar a escola, isto é, os alunos e os professores, de modo a controlarem o vulcão em potência que estes personagens representam. Porém, sempre que o fulgor dos atores escolares é açaimado a sociedade entra num estado de letargia e de mofo, sem imaginação, criatividade e inovação para enfrentar os problemas que a mudança dos tempos acarreta.

Em Portugal vivemos há muito tempo a copiar experimentalismos de outros países mas num momento em que as soluções que outros adoptaram já se revelaram incorrectas ou quando já não se coadunam ao período em que são aplicadas. Nos últimos anos e na sequência das alterações operadas pela tristemente célebre ministra Maria de Lurdes Rodrigues, a chamada escola democrática começou a transformar-se na instituição liceal do antes do 25 de Abril, com um reitor, agora designado por director, eleito por um órgão colegial que para ter garantia de apoio e financiamento tem de ter a cor política dominante no concelho. Através de um sistema de avaliação de desempenho e de progressão na carreira, sinuoso e injusto, permeável ao compadrio e ao nepotismo, tentou o ministério dividir – para reinar -,  os professores, criando um sistema de avaliação que não serve para formar ou emendar, mas para controlar.

O estatuto de professor está muito desvalorizado, fruto de uma erosão contínua de precaridade no trabalho, diminuição salarial e imposição de tarefas burocráticas e administrativas, muitas delas de utilidade discutível e que servem essencialmente para ocupar o tempo, motivar o erro e o engano e, desta forma, gerar um sentimento de insegurança e de dependência perante a gestão escolar e a tutela. Antigamente o professor era tratado na sociedade como “o senhor professor” e o nome próprio só servia para o distinguir dos outros professores; agora, o professor é identificado pelo nome e a função só é referida se houver dúvidas na identificação. Estão, deste modo, os professores ensanduichados entre os alunos, cada vez mais ciosos dos seus direitos e avessos ao cumprimento dos deveres e o controlo do ministério e dos directores, na verdade, seus representantes.

É verdade que o funcionamento da escola deve ser visto na perspectiva dos direitos dos alunos. E por eles e para eles que a escola existe. Mas o seu direito à instrução é simultaneamente um dever a cumprir perante a sociedade. Ao governo interessa essencialmente o aroma das estatísticas e, para isso, sujeita os professores a enormes cargas burocráticas que são humilhantes para a sua função de educadores e lhes retira a autonomia pedagógica no sentido de tornar muito difícil o chumbo dos alunos. E este regime de condescendência que expulsa o rigor e a exigência vai prejudicar em primeiro lugar os alunos, formando-os deficientemente e a sociedade de seguida, que fica com um exército de diplomados em iliteracia. Como se não bastasse, a função do professor está, paulatinamente, a ser ocupada pelo computador e outros meios audiovisuais e quanto ao livro, essa pérola de conservação e divulgação do conhecimento, já há muito que o telemóvel lhe usurpou o lugar.

É contra estes males, que são antigos mas cada vez mais refinados, que os professores, que já foram alunos e quase todos são pais ou avôs de alunos, barafustam, fazem greves e manifestações.

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