Prodsumidor, um estatuto cuja dinâmica importa conhecer (3)

“A Revolução da Riqueza”, por Alvin e Heidi Toffler, Actual Editora, 2011 é um importante ensaio que vem na sequência de estudos que este casal desenvolve desde os anos 1960 para 1970 e que deram lugar a best-sellers como “Choque do Futuro” e “A Terceira Vaga”, no fundo uma análise da contemporaneidade no que toca aos impactos de vivermos em aceleração, digitalização, globalização, complexidade excessiva e reformulação permanente dos sistemas políticos e da formação de riqueza. Os autores chamam à atenção para as mudanças que se vieram a operar em fórmulas muito antigas da economia informal, do trabalho solidário e do voluntariado em geral, recordando que jamais o mercado atual seria tão pujante e dinâmico se não houvesse o prosuming e os prosumers que eu aqui designo por prodsumidores, aqueles que reconciliam os processos produtivos com os modos de consumo. Neste terceiro e último apontamento, procura-se dar uma visão das potencialidades que a economia e o conhecimento podem despertar à reformulação da riqueza e ao prosuming.

Primeiro, a globalização que assusta tanta gente não depende exclusivamente dos EUA, a nação mais poderosa do mundo continua a ter graves problemas internos ligados à criminalidade, à droga, ao racismo e até à falta de proteção social, o sistema educativo tem erros de bradar aos céus. A despeito de todos estes aspetos negativos, cabe-lhe a vanguarda tecnológica, mesmo com a China a dar passos gigantescos.

Segundo, também devido à extensão da complexidade, vivemos num mundo em que há inovações que alimentam inovações, continuamos ainda a não entender a revolução silenciosa introduzida por Muhammad Yunnus, a quem foi atribuído o Prémio Nobel da Paz de 2006 pela sua contribuição para o desenvolvimento do microcrédito, trata-se dessa experiência ímpar em que um banco empresta dinheiro a pessoas desesperadamente pobres. Hoje, o microcrédito é uma indústria global com alguma dimensão. As duas chaves para o seu sucesso são as taxas de juro e a extraordinária taxa de 98% de cumprimento do pagamento do crédito. O Banco Grameen é um exemplo extraordinário de invenção social, mas também podemos falar na Amazom.com, no Ebay, no Google, no Yahoo!.

Terceiro, são bem conhecidas as dimensões da pobreza, do fosso entre os ricos e os pobres e das crescentes desigualdades. Mas o casal Toffler estima que a economia baseada num conhecimento é a melhor hipótese de derrotar a pobreza global. Aqui a sua apreciação é muito polémica sobre diferentes contestações ecológicas e ambientais e referem mesmo que toda a discussão pública sobre a pobreza global tem sido toldada pelo insucesso em discutir-se se o objetivo é minimizar a pobreza absoluta ou pôr termo ao fosso entre ricos e pobres. E respondem assim: “É possível eliminar este intervalo empobrecendo os ricos sem aumentar necessariamente o nível de vida dos pobres. Pelo contrário, a Revolução Industrial aumentou radicalmente este intervalo – mas também reduziu a pobreza. O principal objetivo deve ser empurrar as condições de vida para cima da linha d pobreza absoluta, quer o intervalo relativo aumente ou não. Só depois de todos os bebés serem alimentados, depois da água ser potável, depois da esperança de vida nos países pobres chegar, pelo menos, aos 70 anos e depois de se alcançarem as metas da educação básica, é que o fim do intervalo deve ser uma prioridade”.

Quarto, a China não será provavelmente uma surpresa, é já uma surpresa como tudo quanto se está a passar na Ásia. A China de há muito que ultrapassou o Japão, é a terceira maior nação comercial do mundo, a despeito de processos escravos de trabalho, de crimes ambientais e de uma atividade diplomática que visa conquistar posições no acesso à energia, a China criou muitíssima riqueza, está imparável, ao contrário da União Europeia que bem promete transformar-se na economia mais competitiva e dinâmica do mundo e no entanto são os EUA e o Japão que produzem mais computadores e componentes eletrónicos e das 10 melhores empresas do mundo das tecnologias de informação, em 1998, só a Siemens era europeia.

Quinto, quanto ao modo de vida com base na revolução do sistema de riqueza a esboçar-se nos EUA – empregos temporários, entretenimento ininterrupto, escolas decadentes, um sistema de saúde arruinado e vidas mais longas, obsessão com o quadro nutricional, vagas de proibicionismo, é suposto que este país continua a ser o principal local no mundo onde se experimentam novas ideias e novos modos de vida. Recorde-se que ao longo deste livro, o casal Toffler aponta sempre os EUA como a vanguarda do progresso tecnológico e com todos os valores matriciais da superpotência, aí estão, como exemplos, a ultra-agricultura, a exploração de novas fontes de energia, os suplementos nutricionais e de cuidados da pele e, claro está a explosão do prosuming, uma fonte de riqueza que invade o país. Os valores da industrialização desmontam-se, mas os atores reformulam-se, sejam sindicalistas, país ou professores. Nesta nova vaga, o mundo está economicamente irreconhecível: a produção global disparou de 5,3 biliões de dólares em 1950 para 51 biliões de dólares, em 2004.

Sexto, chegámos ao tempo das profecias, como é que é que o futuro da revolução do sistema da riqueza está em congeminação. O casal Toffler refere o peso das grandes potências em instituições internacionais como a OMC, o FMI e o Banco Mundial e preveem novas ONG, com questões na agenda mundial: direitos sexuais, apoio à investigação em doenças e combate à poluição e a sua intervenção será cada vez mais determinante no forro religioso. O jogo político do petróleo também ganha nova expressão, à medida que as nações se vão preparando para uma expressão superior na autossuficiência energética. Vêm aí tempos que exigem otimismo calculado. E citam Helen Keller, a extraordinária escritora cega e surda que lutou pelos direitos dos invisuais até morrer aos 87 anos: “nenhum pessimista descobriu alguma vez os segredos das estrelas, ou navegou até uma terra inexplorada, ou abriu o novo paraíso ao espírito humano”. Há riscos potenciais por toda a parte: guerra entre a China e os EUA; um crash global parecido com o que aconteceu na década de 1930; ataques terroristas; escassez de água, novas doenças, morte da privacidade, intensificação do fanatismo religioso. E vaticinam que o prodsumidor poderá ser a forma de lidar melhor com o desemprego. O que interessa é que esta viagem até ao futuro precisa de gente atenta, inserida num novo conhecimento, disposta a eliminar a essência da pobreza e a querer lidar com otimismo esta etapa da revolução da riqueza.

Como é evidente, o livro foi escrito em 2006 e novas mudanças ocorreram. Contudo, as teses do prodsumidor mantêm-se estimulantes e são credoras da nossa melhor atenção.

Autor: Beja Santos

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