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Porque vão as pessoas ao médico?

“Saber de Saúde e de Doença: Porque vão as Pessoas ao Médico?”, por Susana Duarte, Quarteto Editora, 2002, é uma obra que nos ajuda a refletir sobre o que há 15 anos atrás se entendia por a cultura e a representação social do corpo e da saúde, questionando-se o atual modelo biomédico de saúde, a sua autora é uma professora numa escola superior de enfermagem.

Entende a autora que o centro de saúde é, muitas vezes, o local de contacto entre a comunidade e os cuidados de saúde, aqui se faculta a obtenção de informação sobre as necessidades sentidas pelo indivíduo, família e comunidade. Ao conjunto de saberes de saúde e doença fala-se em cultura de saúde, ou seja os saberes que as pessoas em geral detêm sobre a doença e a cura, assim como da forma de prevenir a doença. Esta abordagem mudou de rumo, hoje falamos em literacia em saúde, que se pode definir como a capacidade para ler e lidar com informação de saúde, capacidade em relação à qual é importante ter em conta que há desigualdades de oportunidades em relação à comunicação em saúde para indivíduos com estatuto socioeconómico baixo e nível educacional baixo. Na sequência desta definição, entende-se baixa literacia em saúde como a dificuldade em compreender qual é o seu estado de saúde e quais são as necessidades de mudança de comportamentos, planos de tratamentos e de autocuidados. Trata-se de um vastíssimo domínio da maior importância para a cidadania na saúde, onde ainda há muitas perplexidades e hesitações. Dois exemplos: deve-se usar o medo na educação para a saúde? Que diálogo se deve estabelecer entre as entidades de saúde e os órgãos de comunicação social para que as notícias sobre a retirado do medicamento ou a chegada de uma eventual pandemia não deixem as pessoas aterrorizadas ou no mínimo confusas?

A autora do livro, especialista em enfermagem médico-cirúrgica questiona: porque vão as pessoas ao médico? Entrevistou utentes de dois centros de saúde: Santo António dos Olivais, em Coimbra e em Mira, a idade dos inquiridos situava-se entre os 18 e 65 anos. Como se referiu atrás, definia-se cultura médica como o acervo de saberes de saúde apreendidos e transmitidos de geração em geração; a perceção dos sintomas passa pela apreensão e conceptualização da existência de um sinal indicativo de que se passa algo de anormal. O modelo biomédico exprime-se na consideração de que a doença é uma disfunção do corpo humano, vai algo de errado na máquina bioquímica, todas as disfunções humanas podem eventualmente serem observadas em mecanismos causais no organismo. Surgiram profundas mudanças na natureza das doenças aumentou a mortalidade e o envelhecimento da população, enfim assiste-se à procura crescente de cuidados médicos; a resposta que se tem procurado encontrar é de estímulo aos estilos de vida saudáveis e a uma nova noção do papel do doente nos autocuidados e na capacidade de intervir na procura de cuidados médicos, estanho consciente do pedido de ajuda, apela-se a que os doentes saibam comunicar bem os seus sintomas. Acontece que a doença é um estar social e não apenas biológico, o que implica ser construída por reações pessoais, sociais e culturais ao mal funcionamento biológico ou processos biológicos. Um especialista observou que “a doença é culturalmente construída no sentido de que a forma de como apercebemos, experimentamos e com ela lidamos é baseada nas nossas explicações de doença, específicas das posições sociais que ocupamos e dos sistemas de valores que possuímos.
É consensual que a pessoa, quando acorre aos cuidados de saúde, tem a sua própria linguagem, a pessoa traz consigo a sua experiência única de doença, traz também os saberes que tem a sua origem na sociedade. Há portanto uma representação social da doença. O doente encontra muitas explicações para procurar de imediato no médico ou deferir a consulta, pode alegar falta de tempo, sentir vergonha de estar doente, ter má perceção dos sintomas da doença. Com base nesta moldura comportamental, a especialista em enfermagem médico-cirúrgica mergulha nos inquéritos para apurar porque e em que circunstâncias as pessoas vão ao médico, o leque de respostas é surpreendente e a autora constata que nem sempre as pessoas se consideram responsáveis pela sua própria doença, atribuem-na a causas fora do seu controlo. Mas as pessoas sabem distinguir as diferentes categorias de doença e nunca escondem os receios relativamente ao futuro: a perda de mobilidade, o ficarem dependentes, o terror da doença oncológica, o medo do sofrimento prolongado, o pânico da velhice. E observa, citando Susan Sontag que a doença é uma metáfora que implica julgamentos morais e psicológicos diversos. E assim é, pois muitos dos inquiridos consideram que a saúde é ter energia para trabalhar, ter alegria de viver e sentir o bem-estar, saúde é não ir ao médico. Mas quando se vai ao médico ele influencia, orienta e pode suscitar da parte do doente a curiosidade em saber mais, em aderir à terapêutica, em procurar cuidados que possam promover a saúde e lidar adequadamente com a doença.

Nas conclusões, a autora diz que o conduz o indivíduo ao médico é fundamentalmente as repercussões que o seu estado poderá ter na atividade laboral. A maioria dos entrevistados apresenta as maiores dificuldades em explicar a sua doença, os seus sentimentos, as repercussões do seu estado na sua vida. E alerta para a necessidade de antes de se iniciarem quaisquer campanhas de promoção de saúde elas serem analisadas não em função do que pensam os profissionais de saúde mas fundamentalmente do estudo do seu impacto sobre as populações. “Uma campanha que ao profissional de saúde pareça perfeita pode, ao olhos dos destinatários, ser despida de significado, podendo até colidir com alguns dos seus valores prioritários como sejam o direito à liberdade de opção”.

 

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