Poderemos ter Zika em Portugal?
Tendo chegado o Verão, volta a colocar-se a questão da possibilidade de surgirem casos de Zika em Portugal.
OS MOSQUITOS
O vírus Zika, tal como os vírus da Dengue, Febre amarela ou Chikungunya, é transmitido aos humanos por mosquitos como o Aedes albopictus ou o Aedes aegypti, sendo o segundo bastante mais competente na transmissão destes vírus.
O Aedes albopictus chegou à Europa nos anos 80 através da Albânia, tendo-se alastrado ao longo de todo o continente e sido responsável por um surto de Chikungunya em Itália, há cerca de 10 anos. Actualmente, está estabelecido em território espanhol, a menos de 300 Km da fronteira portuguesa, e a hipótese de expansão para Portugal é considerada como muito provável pelos especialistas.
O Aedes aegypti estabeleceu-se na ilha da Madeira em 2005, tendo já sido responsável pela primeira epidemia de Dengue em solo europeu, desde 1927, com reporte de mais de 2000 casos da doença entre Outubro de 2012 e Janeiro de 2013. Por este motivo, foi colocado em prática um programa de controlo do vector na Ilha da Madeira, no entanto, a população do mosquito tem continuado a expandir. Embora o facto ainda esteja por confirmar, existe a possibilidade de desenvolvimento de resistência aos insecticidas, o que representa um obstáculo adicional no combate às doenças transmitidas por este insecto.
As relações sociais e comerciais estreitas entre o arquipélago da Madeira e Portugal continental, com movimento massivo de pessoas e bens entre estes dois territórios, torna a possibilidade de introdução do mosquito uma realidade.
Embora Portugal continental não tenha actualmente as condições ideais para a reprodução do Aedes aegypti, as alterações climáticas são uma realidade e tenderão a alterar este panorama. Adicionalmente, apesar de não existirem as referidas condições ideais, é importante relembrar que este mosquito esteve presente desde o século XVIII até aos anos 1950, tendo sido eliminado por um programa de erradicação de âmbito nacional, com pulverização de insecticida em todo país. Este facto histórico demonstra que a possibilidade de se estabelecer novamente em Portugal continental não é apenas teórica.
OS VÍRUS
Existe a possibilidade do vírus Zika causar danos neurológicos graves durante o desenvolvimento fetal, com uma incidência de cerca de 1% de microcefalia nos fetos infectados. Este dado tem um impacto importante se existir uma epidemia grave, mas usualmente, este vírus causa apenas uma doença benigna, de curta duração e 80% das infecções não chegam a ser sintomáticas.
O vírus da dengue é causador de doença potencialmente mais grave, com a possibilidade de desenvolvimento de “febre hemorrágica”. Com o tratamento adequado, a mortalidade associada a esta doença é francamente inferior a 1%, e geralmente, causa apenas um síndrome febril com duração de 2 a 7 dias.
A epidemia de dengue na Madeira não provocou qualquer óbito, mas a sua existência deve fazer reflectir seriamente sobre este assunto, porque se a doença implicada tivesse sido a “Febre amarela”, provavelmente ainda hoje se andaria a discutir o acontecimento, devido às suas consequências trágicas. Geralmente, também a Febre amarela se define como um curto síndrome febril, no entanto, uma percentagem significativa dos afectados desenvolvem doença grave, com a taxa de mortalidade a variar entre 3% e 7,5%.
O QUE FAZER?
Apesar de existir uma clara hipótese teórica de surgirem casos autóctones de Zika ou de outras doenças transmitidas por vector-mosquito, o risco real de acontecer uma epidemia parece ser relativamente baixo. No entanto, o surto de Dengue na Madeira demonstrou que estas ocorrências são possíveis, e face ao anteriormente exposto, verifica-se que a possibilidade de acontecerem em Portugal continental são progressivamente maiores. Esperemos que na eventualidade da existência de um novo surto, na Madeira ou no continente, ele não seja de Zika, ou de Febre amarela…
Medidas de fundo são necessárias e não parece que estejam a ser tomadas de forma ambiciosa. Os aconselhados programas de controlo da população do mosquito não têm objectivos imediatos; projectam-se para o futuro! A pretexto do mediático vírus Zika, seria uma excelente época para tentar fazê-lo na Madeira, com o essencial e desejável apoio e motivação popular. A alternativa a isto, num cenário de epidemia, seria a fumigação, que ninguém deseja!
Nota: Embora o seu clima seja menos favorável ao desenvolvimento do mosquito, a Holanda provou recentemente que a sua erradicação é possível. Em Julho de 2010, 3 espécies de Aedes foram detectadas em zonas portuárias da Holanda. Apesar do país não ter qualquer experiência no controlo deste vectores, um programa de controlo da população foi iniciado no espaço de 1 semana, com aparente eficácia.
(Texto escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico)