Pioneiros das investigações arqueológicas no concelho de Monchique
Arqueologia, sucintamente, pode ser definida como a ciência que possibilita o estudo dos vestígios materiais (móveis e imóveis) da presença humana. Entre o último quartel do século XIX e a primeira metade do século XX surgiu, um pouco por todo o país, um grupo de intelectuais que se debruçaram sobre as comunidades locais e, dessa forma, procuraram explicar os contornos da identidade portuguesa através do estudo da cultura popular. Entre outras coisas, foram efetuadas diversas investigações arqueológicas e fundaram-se vários museus de âmbito regional – espaços pedagógicos por excelência, que também serviram para preservar e valorizar os espólios arqueológicos recolhidos.No que concerne ao território concelhio de Monchique as primeiras investigações arqueológicas ocorreram em meados da segunda metade do século XIX, quando Estácio da Veiga (um dos pioneiros da Arqueologia em Portugal) procedeu à elaboração da primeira carta arqueológica portuguesa – a Carta Archeologica do Algarve. Publicada em 1883 e dedicada aos tempos pré-históricos, este inventário também contém referências arqueológicas respeitantes ao concelho de Monchique, porém as parcas informações recolhidas neste território serrano não foram obtidas diretamente, ou seja, os dados coligidos não resultaram de intervenções arqueológicas. Realça-se que este ilustre investigador concebeu uma segunda Carta Arqueológica do Algarve, dedicada aos tempos históricos, que foi publicada postumamente (em 1910), na qual consta, por exemplo, o Cerro do Castelo de Alferce – cuja planta foi divulgada pela sua bisneta em 1972. Basicamente Estácio da Veiga adquiriu alguns artefactos, sobretudo líticos, encontrados em zonas distintas desta emblemática serra e anotou referências a monumentos arqueológicos já destruídos e/ou explorados por pessoas da região, no entanto não registou qualquer vestígio arqueológico na envolvência das Caldas de Monchique. Por exemplo, refere a existência de uma anta destruída na rampa oriental da Fóia, sepulturas no afloramento sienítico da Picota e o achado de um depósito de artefactos de bronze perto da vila de Monchique.
Monsenhor Botto, na sua obra publicada em 1899, afirma que no Cerro do Castelo de Alferce foram recolhidos artefactos arqueológicos (enquadráveis na Pré-história Recente), nomeadamente ferramentas líticas, um recipiente de cerâmica completo e diversos fragmentos cerâmicos. Importa frisar que este autor dá a entender que este sítio foi alvo de escavações em finais do século XIX – a ser o caso trata-se da evidência mais antiga no que respeita a escavações “arqueológicas” no concelho de Monchique. Anos mais tarde, no verão de 1917, Leite de Vasconcelos (um dos grandes nomes da Arqueologia e da Etnografia nacional) realizou uma viagem pelo sul de Portugal continental e esteve cerca de duas semanas na serra de Monchique. Durante a sua estadia nesta região serrana recolheu vários artefactos e, pese embora não tenha referido qualquer monumento arqueológico, indica que nos arredores das Caldas de Monchique foram encontradas algumas peças arqueológicas. Além disso, também efetuou uma publicação sobre uma estela atribuída à Idade do Bronze (II milénio a.C.) que foi recolhida no concelho de Lagos pelo ilustre Santos Rocha, mas que era proveniente de uma sepultura destruída da zona de Marmelete.
A “idade de ouro” da arqueologia no território concelhio de Monchique ocorreu na década de 1940, motivada pelas descobertas efetuadas em 1937 por Abel Viana – identificação de sepulturas pré-históricas na zona envolvente das Caldas de Monchique e realização das primeiras escavações arqueológicas nesta serra. Após esse memorável ano Abel Viana e José Formosinho – e a partir de 1945 também com a participação de Octávio da Veiga Ferreira – efetuaram diversas explorações, principalmente entre 1945-49, que culminaram numa sucessão de publicações que ainda hoje são de consulta obrigatória para o conhecimento do património histórico-arqueológico do concelho de Monchique. As investigações realizadas permitiram identificar, escavar e divulgar, um conjunto notável de necrópoles que se enquadram entre o Neolítico Médio e a Idade do Bronze, grosso modo entre meados do V milénio a.C. e o II milénio a.C. Salienta-se que algumas das sepulturas identificadas eram do conhecimento de pessoas da comunidade local – a maioria já tinha sido explorada e/ou destruída –, contudo não seriam conhecidas algumas décadas antes quando Estácio da Veiga e Leite de Vasconcelos percorreram este território. Ademais, também foram registados diversos vestígios arqueológicos atribuídos a épocas mais recentes, designadamente romanos, visigodos e medievais, realçando-se a título de exemplo a exploração que Veiga Ferreira realizou no Cerro/Castro do Castanho. Durante as suas investigações na serra de Monchique foram encontrados alguns artefactos raros, por exemplo uma navalha de barbear atribuída à Idade do Bronze (II/I milénio a.C.) e um fragmento de tecido que envolvia um machado de cobre – ambos datados de meados do III milénio a.C. As pesquisas realizadas nesta serra por estes três investigadores foram as primeiras (e únicas) que se desenvolveram de forma sistemática. Graças aos seus esforços e dedicação foi possível registar diversos sítios e monumentos arqueológicos, muitos irremediavelmente destruídos, bem como foi efetuada uma compilação de informações mais antigas sobre achados arqueológicos neste concelho – por exemplo numismáticos.
Importa também evidenciar duas personalidades relevantes da história contemporânea de Monchique que, embora não sendo arqueólogos, desenvolveram importantes estudos sobre a história e o património do concelho de Monchique. Augusto da Silva Carvalho publicou, em 1939, um interessante livro em que refere vários achados e sítios arqueológicos, alguns dos quais enquadráveis na Pré-história Recente e na Época Romana. José António Guerreiro Gascon, cuja paixão pelo território concelhio de Monchique e pela sua história levaram-no a trocar impressões com alguns dos célebres investigadores da sua época – tendo realizado publicações em diversos jornais sobre o património cultural de Monchique. A título de exemplo realça-se que em 1928 publicou um artigo no jornal Notícias do Sul em que refere, entre outras coisas, o achado de sepulturas arqueológicas na envolvência das Caldas de Monchique (nove anos antes das primeiras descobertas de Abel Viana). As suas pesquisas culminaram na elaboração de uma incontornável obra monográfica que reúne diversas informações sobre esta região serrana, várias delas de âmbito arqueológico. Por último, salienta-se que na Galeria de Santo António encontra-se atualmente a exposição Pioneiros do conhecimento científico do Algarve, que inclui diversas informações sobre os investigadores mencionados neste texto.
Bibliografia
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