“Parabéns, Monchique!”: município celebrou os seus 250 anos de existência
Foram precisos 250 anos para que o Alvará Régio, assinado pelo rei D. José a 16 de Janeiro de 1773 e que elevou Monchique a concelho, saísse da gaveta do Arquivo Nacional da Torre do Tombo e chegasse a casa: para assinalar a efeméride, na tarde da passada segunda-feira, dia 16, o município resolveu apresentar este documento histórico no Salão Nobre dos Paços do Concelho, onde ficará exposto a partir de agora.
“É uma data para nós muito feliz, estes nossos 250 anos de existência enquanto entidade organizada, administrativa”, louvou o presidente da Câmara, Paulo Alves, antes de destapar o Alvará Régio em conjunto com o presidente da Assembleia Municipal, Carlos Bruno Almeida, e o comissário das comemorações da efeméride, José Gonçalo Duarte. Para assinalar a ocasião, “pedimos [o documento] expressamente à Torre do Tombo”, nota Paulo Alves.
Nele é registada a história de como Monchique (assim como Lagoa) reuniu finalmente as condições para que se desagregasse de Silves e se elevasse a município — tema que viria a marcar o resto da tarde deste segundo dia de comemorações dos 250 anos da criação do concelho de Monchique.
No domingo, o município já havia convidado a Orquestra Sinfónica do Algarve – Algarve Camerata para tocar na Igreja Matriz de Monchique a peça “As Quatro Estações”, de Vivaldi. Mais tarde, fora ainda projetado um espetáculo de vídeo mapping na parede exterior da igreja a retratar a identidade monchiquense, juntando fotografias da vila e da natureza que a rodeia, bem como das pessoas e dos seus feitos realizados ao longo dos anos.
As celebrações no dia 16 de Janeiro decorreram assim num “ambiente mais académico e histórico”, segundo Paulo Alves, que trazia uma gravata verde a condizer com as cores do município. Já no auditório da Escola Básica Manuel do Nascimento, durante a Sessão Solene que se seguiu à apresentação do Alvará, o presidente da Câmara apelou à “preservação da memória” e à “partilha do conhecimento entre gerações”, uma vez que é assim que se mantém uma “identidade coletiva”.
Também importante é ter a consciência de que a “construção de um concelho” é um “desafio comum”, assim como “permanente e infindável”, nota ainda Paulo Alves. E para se ter um “municipalismo forte e interventivo”, complementa o presidente da Assembleia Municipal, urge sobretudo “repovoar Monchique”, desenvolver as condições económicas e a oferta cultural para “dar melhores condições de vida aos munícipes e também em termos de visita”. Isto porque não basta “ter água, flores, cogumelos e gastronomia”, frisa Carlos Almeida, não deixando de notar que isto também é “importante e faz parte da herança patrimonial”.
O presidente da Junta de Freguesia de Monchique, José Gonçalo Duarte, outro interveniente na Sessão Solene, traçou um panorama detalhado da evolução de Monchique, fazendo recordar que, apesar de ser preciso manter um olho no futuro e no desenvolvimento, olhar primeiro para o passado permite aprender com os erros. Conhecedor de paleografia e da história desta região que considera ser um “marco único no sul de Portugal”, o também mestre em História da Arte começa por contar que D. Sebastião propôs a criação do concelho de Monchique logo em 1573. Contudo, houve uma “oposição forte de Silves, que obrigou o rei a desdizer-se”.
Só 200 anos depois é que se veio então a concretizar o Alvará Régio (foi assinado a 16 de Janeiro de 1773 e entrou em vigor a 4 de Março do mesmo ano), sendo que ali ficaram estabelecidas promessas de desenvolvimento que não tiveram “efeito imediato”, aponta José Duarte. “Uma das razões invocadas para a criação do concelho, os maus acessos, leva cem anos a ser resolvida” — nomeadamente a construção da estrada prometida entre Monchique e Portimão —, exemplifica. Ainda assim, a assinatura do Alvará deve ser vista com “regozijo” na medida em que a desanexação de Silves facilitou, “certamente, a gestão deste território”, conclui.
Um colóquio para refletir sobre a história
Ao fim da tarde, por altura do colóquio que tinha como moderadora a vereadora da Cultura, Helena Martiniano, o auditório da Escola Básica Manuel do Nascimento já se encontrava mais preenchido.
Rui Loureiro, doutorado em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e autor de mais de 150 publicações académicas, trouxe como tema “Monchique nos Descobrimentos”. Além de notar que a região foi particularmente importante no fornecimento de madeira para a construção de navios (considerando que só para uma nau são precisas entre 200 e 700 árvores, segundo os seus dados), partilhou ainda um projeto no qual está envolvido, o Magallanes ICC. Este foi apresentado à comunidade em Monchique, em julho do ano passado, e visa levar a investigação histórica junto das Instituições Culturais e Criativas em cinco concelhos do Barlavento.
Já Luís Filipe Oliveira, doutorado em História Medieval pela Universidade do Algarve, preparou uma rota pelas “vilas e cidades algarvias na idade média”, que eram “ou portuárias ou tinham acesso ao mar”. Apesar de assim não ter falado directamente de Monchique, uma vez que “não há documentação de arquivo” sobre a região na época medieval, Luís Oliveira diz que a “história urbana do Algarve” está de certa forma ligada à sua elevação a vila.
Monchiquense de raiz, Ana Rita Mateus foi a terceira e última conferencista do dia, tendo apresentado o seu livro “Elevação de Monchique a Vila”. Nele são retratados estes dois séculos e meio de história e “toda a conjuntura que motivou a criação do concelho”, como os atributos naturais da região, a sua recuperação económica ou questões administrativas.
Findos os aplausos e as felicitações ao município, o público foi abandonando a sala, de livro nas mãos e cabeça cheia: “No fundo, a história das nossas vidas é a história das nossas vidas que dá vida à nossa história”, viria a desafiar o presidente da Câmara. “Parabéns, Monchique!”.