Os Antigos Códigos de Posturas Municipais de Monchique de 1793, 1842 e 1914 (I)
As posturas municipais tiveram origem no corpo legislativo das Ordenações Afonsinas de 1446.
Emanadas da Câmara Municipal eram códigos de normas legislativas versando assuntos de polícia municipal, nos seus diferentes ramos ou manifestações, e não podiam ser contrários às leis e regulamentos da administração central ou regional.
Em tempos recuados tiveram uma importância fundamental no estabelecimento da ordem nos concelhos. Actualmente são chamadas de regulamentos municipais.
Antigamente as posturas consagravam sobretudo o direito consuetudinário dos povos e costumes ancestrais, mas advogavam essencialmente os interesses dos “cavaleiros vilãos” e “homens-bons” dos concelhos, que mais tarde se transformaram nas oligarquias encabeçadas pelos chamados capitães-vereadores (das Ordenanças e Milícias), que delas se serviam para controlar e impor o seu poder às populações deles dependentes. Ou, como salientou o autor pombalino, Viegas de Andrade, no seu Relatório sobre o Reino do Algarve, «(…) muitas daquelas Posturas somente são fundadas em particular utilidade dos Vereadores, valendo-se dos seus empregos para as conseguirem unicamente a eles interessantes, e damnozas à lavoira de todos os frutos, criações de gado &a».
As Primeiras Posturas
As Posturas mais antigas que se conhece e que abrangiam a área do actual concelho de Monchique são as posturas de Silves de 1750, que foram apregoadas pelo porteiro da cidade, Manuel Rodrigues, a 25 de Janeiro de 1750, e aprovadas pelo Senado Municipal a 7 de Junho desse ano.
Com a criação do concelho de Monchique, a 16 de Janeiro de 1773, tanto o juiz de fora como a vereação trataram logo de arrumar a nova casa, criando posturas baseadas nas de Silves, que no seu conteúdo acompanhavam as do reino.
Este primeiro executivo, que vigorou até 1776, era composto pelo juiz de fora nomeado para o novo concelho, o Dr. António Barahona Fragoso (presidente), o sargento-mor José de Almeida Coelho (1.º vereador e presidente substituto), o capitão Manuel José Águas (2.º vereador), e o capitão José Nunes Duarte (3.º vereador), desconhecendo-se quem era o procurador do concelho. Como se vê, a vereação era composta por oficiais da Capitania-Mor de Ordenanças do Concelho, que tinha sido criada com sete Companhias de 250 homens, sendo cinco de Infantaria e duas de Cavalaria.
O código tentava ser diferente, sobretudo nos pontos que respeitavam aos usos e costumes consuetudinários e às caracteristas locais. Talvez se tenham mantido em vigor até cerca de 1779, altura em que a vila de Lagoa, criada na mesma data pelo mesmo diploma, alterou apenas alguns artigos, ou mesmo até 1793, quando passou a vigorar o novo código concelhio.
Estas posturas estão hoje desaparecidas, assim como as de 1793, que depois as substituiram, e que em parte se salvaram devido à sua publicação parcial por José António Guerreiro Gascon, nos seus Subsídios para a Monografia de Monchique.
Da vila irmã conhece-se também o Juramento das Artes e Ofícios do Concelho de Lagoa, um regulamento para enquadrar as artes e as profissões tradicionais, datado de 1776, com as taxas que os mesteres deveriam levar pelos seus trabalhos, nomeadamente os pedreiros, ferreiros, tanoeiros, almocreves, albardeiros, oleiros, padeiros, alfaiates e sapateiros.
José António Guerreiro Gascon, quando iniciou os trabalhos de investigação para os seus Subsídios para a Monografia de Monchique, que concluiu em 1940, diz que apenas encontrou nos arquivos da Câmara Municipal os códigos de posturas de 1793, 1842 e 1914, que são precisamente os mesmos que aqui iremos tratar.
Esta seria uma bonita e útil tese para um estudante de Direito ou de História, uma vez que não se conhece muitos concelhos do país que ainda tenham estes códigos de legislação local.
Código de Posturas de 1793
O código de legislação municipal mais antigo que se conhece é de 20 de Julho de 1793 e tem o título extenso de Posturas Geraes para Villa Nova de Monxique e seo termo copiadas do caderno dellas por muito velho e roto e emendadas as que careciam de reforma e posta em ordem sem confusão aprovadas na correição neste presente anno.
Como se disse actas este código está hoje irremediavelmente desaparecido dos arquivos da Câmara Municipal, mas o seu conteúdo salvou-se na sua quase totalidade por ter sido publicado nos Subsídios para a Monografia de Monchique, de José António Guerreiro Gascon, que sobre ele deixou boas informações. Também não sabemos se o documento estava impresso ou era manuscrito.
Tem 98 «meias folhas» e está assinado pelo então juiz de fora, o Dr. Joaquim Nicolau de Mascarenhas Cordovil, e contém 14 capítulos tendo alguns deles vários artigos. Tem «Acto de Prólogo» datado de 3 de Agosto de 1793, assinado pelo escrivão da Câmara Municipal Manuel de Morais e Castro e foi confirmada pelo corregedor da comarca, o Dr. António Pedro Baptista Machado, em 20 de Novembro de 1794.
Vê-se que foi copiado em parte das posturas de Silves de 1750 (159 capítulos), tendo havido provavelmente um outro código entre as duas datas, talvez logo em 1773, quando da criação do concelho.
Nele se regulamentavam várias actividades económicas, artes, profissões, situações sociais, usos e costumes, escravatura, prostituição, recebimento de impostos, tabelamento de preços dos bens alimentares, normas de conduta pública, assistência médica, barbeiros sangradores, caça, montarias aos lobos, recolha de lenha, prevenção de incêndios, exames municipais dos oficiais das profissões, oficiais camarários, alagamento de linho, aferimentos, higiene, abate de árvores, obrigação de participar nas procissões e festas, etc.
Neste código é bem patente a necessidade de regular os maus costumes, ou mesmo disciplinar a população, punindo com coimas aqueles que transgrediam a moral vigente. Algumas das posturas são bem interessantes e mesmo divertidas, como o capítulo 17.º, que punia as pessoas que lançassem urina e águas sujas nas ruas, de dia ou de noite, sem dizer «Agoa Vay». No cap. 72.º adverte-se «toda a pessoa que não for homem grave ou ainda sendo-o se dele se presumir que está para mal ou trabesura [travessura] que se achar às portas de outrem parado ou nos cantos das ruas tenham de coima quarenta réis, que pagará da cadeia perto seja do principio da noite». O cap. 88.º aplica uma sentença mais leve: «que toda a pessoa que vendo o rendeiro ou jurado entrar, avise os mais gritando ou dizendo lá vem o cão, ou albarda a burra, ou outra gíria que sirva de sinal de vir o rendeiro ou jurado, que sirva de impedir-lhe de fazer a coima tenha de pena duzentos réis».
Pelo seu conteúdo vê-se que estas continuaram a manter no seu corpo legislativo a maior parte das leis municipais da Câmara de Silves e a verdadeira mudança só se deu em 1842, com a publicação das posturas que acompanhavam a legislação liberal.
As posturas de 1750 e 1793 são de grande interesse como documento histórico, pois permitem estudar a evolução do municipalismo e também a sociedade da época.