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O que faz marchar os professores

Editorial publicado na edição 478, de 29 de setembro de 2023

Tradicionalmente a função de professor era das mais respeitadas na sociedade portuguesa. Promotor da instrução essencial à mobilidade social ascendente, o professor, em regra, era acarinhado pelos pais dos alunos e servia de referência do bom comportamento e de modelo de realização pessoal; em regra, porque o mau professor era vilipendiado, escarnecido e servia de mote à galhofa pública. Era tão importante o seu estatuto que até Estado e família lhe atribuíam o poder-dever de punir com castigos corporais as infracções mais simples, fossem de comportamento, fossem de insuficiência no aproveitamento escolar.

Mas aos poucos tudo começou a mudar. Primeiro a consciencialização (seguida de proibição) de que os castigos físicos ou humilhantes são ineficazes porque só causam revolta e promovem a agressividade; depois porque o conceito de igualdade foi interpretado até ao extremo, ultrapassando as barreiras da idade e da posição social; de seguida o aumento contínuo da escolaridade obrigatória, que actualmente se situa no 12º Ano e que obrigou a incorporar de forma crescente professores sem formação científica, didáctica e pedagógica adequadas; por fim porque a proletarização da classe levou à sua desdignificação e perda de relevância social. Na sociedade moderna, onde a aparência e a ostentação simbolizam poder, os valores tradicionais de honra, bom nome, carácter ou conhecimento perderam encanto e influência.

Deste modo, os sucessivos governos usaram e abusaram desta classe profissional tomando medidas muitas vezes imorais e de achincalhamento. O Estado anda há dezenas de anos a fazer com os professores aquilo que proíbe e encoima nos privados: trabalho precário que se renova por vários anos sem se tornar efectivo e ausência de local de trabalho sem que haja subsídio de deslocação. Acrescendo a isto, aumentou a idade da reforma e houve congelamento da progressão na carreira, levando a uma perda contínua de poder de compra e logo a uma diminuição deslizante do nível de vida.

Houve até uma ministra da Educação (Maria de Lurdes Rodrigues) que ensaiou a divisão dos professores em titulares e não titulares segundo critérios esconsos, com o objectivo de privilegiar uns e prejudicar outros e entreter todos numa luta interna de classe; também tentou discriminar as professoras puérperas, medida que por absurda e inconstitucional se gorou. No entanto, manteve-se a medida de transformação da gestão das escolas do ensino pré-universitário, tendo sido os antigos conselhos directivos substituídos pela figura do director, em quase tudo mimetizada do antigo reitor liceal. Estava criado o eixo de transmissão de vontade e poder entre o ministro e a escola, sob a aparência democrática de uma eleição de director realizada por um órgão designado conselho geral. Este conselho geral, no entanto, teria de ter, como a realidade veio demonstrar, pazes com o poder político local, que a seguir seria a fonte de financiamento da escola. Um director de sinal avesso ao partido com poder na autarquia município veria a sua escola definhar.

Paralelamente o ministério continuou com os seus capatazes escolares a incumbir os professores de tarefas burocráticas irrelevantes, sem importância nem sentido e a dar-lhes trabalho extraordinário com a designação de “tempos não lectivos”, apesar de muitos serem lectivos, só com o objectivo de entreter os professores e leva-los a errar para mais facilmente serem domesticados e controlados. Por outro lado, não lhes descongelou (ao contrário do que aconteceu nas regiões autónomas e com a generalidade dos funcionários públicos) a maior parte do tempo de serviço que a Troika aconselhara após a desmanda socrática. Mansos, mansos têm sido os professores na forma ordeira como protestam e talvez por isso não lhes seja garantido um bocadinho do céu.*

*Declaração de interesse: o autor é professor.

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