O pelourinho de Monchique e os 245 anos de autonomia municipal
16 de janeiro de 1773 é uma data histórica para os municípios de Monchique e de Lagoa. Nesse emblemático dia ocorrido há 245 anos foi assinado o alvará que redefiniu as novas divisões administrativas do Algarve, destacando-se a elevação de Monchique e de Lagoa a vila e a formação dos respetivos concelhos. Com efeito, trata-se de uma data relevante para a história local do município de Monchique, que assinala a sua autonomização por desanexação do território de Silves. Porém, a elevação definitiva ocorreu somente no dia 4 de março desse ano, data do registo e promulgação na Chancelaria Mor da Corte e Reino da carta régia assinada a 18 de fevereiro de 1773, que confirmou a passagem de Monchique a vila. Nessa época o rei de Portugal era D. José I (1750-1777), cujo reinado foi marcado por uma série de ações reformistas destinadas a modernizar o país – que tiveram como principal mentor o célebre Marquês de Pombal. Elevada a vila e a sede de concelho, Vila Nova de Monchique passou a pertencer à Coroa e obteve o direito de usufruto de todas as regalias de localidade dessa categoria. Ademais, ficou determinado que o concelho seria composto por cinco freguesias, nomeadamente Monchique, Alferce, Marmelete, Nossa Senhora do Verde e Mexilhoeira Grande. Nesse contexto, procedeu-se à materialização no espaço urbano da nova sede de concelho de um monumento que simbolizava a autonomia municipal alcançada: o pelourinho.
O que é um pelourinho? Basicamente trata-se de um monumento em pedra que era erigido na praça principal de uma povoação sede de município. Rodeado pelos principais edifícios do poder local (por exemplo a câmara municipal e a igreja), constituía o símbolo da autoridade, da justiça e da autonomia concelhia, local predileto para a difusão de anúncios e de proclamações, onde também se podiam expor e punir criminosos. Os pelourinhos são monumentos vistosos, compostos por uma plataforma com degraus – de formato quadrangular, octogonal ou circular – que suportava uma coluna de pedra que era rematada (com ou sem capitel) por, pelo menos, um elemento arquitetónico que podia ter diversas formas. Embora seja um facto relativamente recente na história local, subsistem dúvidas sobre o pelourinho que outrora existiu em Monchique. Provavelmente o monumento foi construído logo após a elevação a vila e respetiva formação do concelho, possivelmente pouco tempo depois de 4 de março de 1773. O pelourinho está classificado como imóvel de interesse público desde 11 de outubro de 1933.
Onde se localizava o pelourinho de Monchique? Segundo as escassas informações disponíveis, especialmente aquelas registadas na incontornável obra de José Gascon (1993: 173-174), o pelourinho de Monchique, “segundo a tradição, esteve no Largo da Misericórdia, pelo menos até 1820”, portanto situava-se no maior largo existente à data na vila – em frente à Igreja da Misericórdia, próximo da Igreja Matriz e do edifício em que esteve instalada até 1848 a Câmara Municipal, na rua do Açougue. Conquanto não existam provas documentais que atestem a possibilidade de ter sido retirado desse largo na década de 1820, no Código das Posturas da Câmara de 1842 não é feita qualquer referência ao monumento, ou seja, é provável que nesse ano o pelourinho já tivesse sido desmantelado e removido desse local. No entanto, no artigo 48º do suprarreferido Código existe uma menção a práticas comerciais na “Praça do Pelourinho” – designação antiga do atual Largo da Misericórdia –, isto é, mesmo sem a eventual presença física do pelourinho nesse local a designação do largo preservou a sua memória, embora de modo efémero. Importa enfatizar a curta distância entre as igrejas da Misericórdia e a Matriz (cerca de 50 metros em linha reta), porém na atualidade existe um conjunto de edifícios entre os dois monumentos religiosos que remontará, na sua maioria, a finais da centúria oitocentista, ou seja, é provável que nas últimas décadas do século XVIII e durante a primeira metade do século XIX o espaço da antiga Praça do Pelourinho fosse mais amplo que o atual Largo da Misericórdia. Evidencia-se, também, que no âmbito das transformações políticas e sociais que ocorreram na primeira metade do século XIX em Portugal, principalmente resultantes da revolução liberal ocorrida a partir de 1820 – que por exemplo ocasionou uma guerra civil e a extinção das ordens religiosas (1834) –, muitos pelourinhos portugueses foram alvo de atos de vandalismo e vários foram destruídos por serem considerados um símbolo de tirania. Tendo em conta as informações disponíveis, é provável que o pelourinho de Monchique tenha subsistido no seu local original durante aproximadamente cinco ou seis décadas, tendo sido obliterado possivelmente aquando das lutas liberais nas décadas de 1820-1830 – quiçá após a libertação da vila de Monchique, em fevereiro de 1834, que foi ocupada durante cerca de seis meses por guerrilheiros miguelistas comandados pelo “Remexido”.
Qual seria o aspeto do pelourinho de Monchique? Atentando às descrições presentes no livro monográfico de José Gascon, na primeira metade do século XX restavam apenas “duas pedras que formavam a coluna que deveria ter aproximadamente a altura de três metros”. Uma “dessas pedras, pela sua configuração, mostra ter sido a parte inferior da coluna (…), apresentando uma base cúbica, de cantos arredondados, de 0,50 m. de altura, prolongando-se, para o alto, em fuste prismático, octogonal, de 1,10 m. de altura ; isto é, não contando com a parte enterrada, tem de altura total 1,60 m. e é formada de uma só pedra (…)” e tem “no alto um espigão de ferro, bastante grosso, de uns 20 centímetros de comprimento, que a ligava certamente a outro bloco que formava a parte superior”. Segundo consta, este fragmento do fuste encontrava-se numa casa particular, nomeadamente numa oficina de ferrador que existiu no n.º 11 da rua do Porto Fundo, salientando-se que as obras que levaram à adaptação do espaço para estabelecimento comercial foram iniciadas em 1961 e causaram a destruição desse importante fragmento do pelourinho de Monchique – cujos restos terão sido espalhados sob o pavimento do imóvel. Relativamente ao segundo fragmento do pelourinho, Gascon declara que tinha “a mesma forma da outra [pedra] e terminava por um pequeno capitel, em pirâmide, também de oito faces, e que era talhado numa pedra separada”. Afirma, também, que da “plataforma em que assentava o monumento nada se sabe (…)”, contudo na fachada do n.º 1 da rua da Igreja existe uma pedra calcária boleada que poderá ter pertencido a essa base. O segundo fragmento está exposto no átrio do edifício dos Paços do Concelho de Monchique, trata-se de uma pedra calcária que apresenta numa das extremidades um troço quadrangular com 32,5cm de lado e 7cm de altura, sendo a restante parte de secção oitava até ao topo – onde subsiste um espigão em ferro com 7,5cm de altura. Este fragmento do fuste tem uma altura de 1,15m e possui, em duas faces opostas, dois retângulos verticais gravados (cuja finalidade se desconhece). Na extremidade oposta ao espigão de ferro – que possivelmente serviria para fixar o suposto capitel em forma de pirâmide octogonal – subsiste um orifício circular que, provavelmente, era destinado ao encaixe do espigão que existia no topo do outro fragmento que foi destruído.
Em suma, é possível deduzir o seguinte sobre este monumento: se considerarmos que não terá existido “uma placa delgada” (como presumiu José Gascon) entre os dois fragmentos do fuste e se adicionarmos 25cm à base cúbica do primeiro fragmento (que estava enterrada na antiga oficina de ferrador), obtemos uma altura total de três metros para a coluna; se acrescentarmos um soco quadrangular de três degraus e um remate em forma de pirâmide octogonal com cerca de 50cm de altura (embora pudesse ainda conter no seu topo outro elemento arquitetónico, metálico ou em pedra), obtém-se uma altura máxima hipotética que ronda os quatro metros. Considerando o exposto, foi realizado um desenho ilustrativo sobre o seu possível aspeto, baseado nas descrições presentes na monografia de Gascon, no fragmento do fuste que chegou até aos nossos dias e em exemplares de pelourinhos portugueses que ainda hoje existem e cujas especificidades arquitetónicas aproximam-se do que seria o pelourinho de Monchique. Realça-se, por último, que para a elaboração desta hipótese ilustrativa utilizou-se uma fotografia antiga que mostra o aspeto da Igreja da Misericórdia antes das obras realizadas na década de 1940 (que alteraram a sua fachada), bem como se considerou o elemento arquitetónico de formato piramidal oitavado não como capitel, mas como remate do monumento – por exemplo à semelhança do pelourinho de Pena Verde (Aguiar da Beira).
Bibliografia:
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GASCON, J. A. G. (1993) – Subsídios para a monografia de Monchique. 2.ª Edição (fac-similada), Câmara Municipal de Monchique, Algarve em Foco Editora, Faro;
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