O maior bem que podemos fazer, por Peter Singer
As ciências da ecologia cedo se impuseram pelos seus apelos à ética e à responsabilização. Quando, no início dos anos 1960, Rachel Carson denunciou os perigos de pesticidas como o DDT, com o seu best-seller “Primavera silenciosa”, estava não só a lançar as bases científicas das ciências do ambiente como a despertar uma nova dimensão da cidadania que foi gradualmente manifestando-se nos longos e intensos debates sobre a globalização positiva ou negativa, o consumo ético, o consumo responsável, a responsabilidade social, o comércio justo, o bem-estar animal, os financiamentos sustentáveis e a banca ética, o desenvolvimento sustentável, em suma. Assim se foi enveredando pelo paradigma ambiental e a considerações sobre o bem que podemos fazer para melhorar a nossa relação com os outros e o planeta: não maltratar e praticar um altruísmo eficaz, tese muito cara ao pensador Peter Singer, patente no seu último título aparecido em Portugal “O maior bem que podemos fazer”, por Peter Singer, Edições 70, 2016, Neste seu último livro, Singer retoma o tema de obrigação de ajudar num contexto de movimento social, e designa esta corrente por altruísmo eficaz, que ele assim categoriza: “O nosso ver fundamental consiste em fazer sempre aquilo que resulte nas melhores consequências – e as melhores consequências, por sua vez, correspondem sempre àquela situação em que há um maior bem-estar global”. Trata-se de um ensaio onde se discreteia sobre como devemos fazer o maior bem que podermos.
Convém ter em conta que a vasa reflexão do pensador está centrada nos EUA onde existe um milhão de instituições de beneficência, mobilizando milhares de milhões de dólares. Dentro da beneficência, Singer procura a eficácia, um altruísmo que permita alargar os nossos horizontes morais, usar a razão para avaliar as consequências prováveis das nossas ações. Por conseguinte, o contexto em que o pensador labora nem sempre nos é fácil de captar. Quando ele diz que os altruístas eficazes vivem modestamente e doam uma boa parte do seu rendimento às instituições de beneficências mais eficazes, que procuram escolher uma carreira na qual possam ganhar mais, não para viverem de forma opulenta, mas para poderem fazer o maior bem, é certo e seguro que esta corrente carece, a nível europeu, de ajustamentos, está demonstrado que a corrente da simplicidade voluntária tem um número limitado de adeptos e que aqueles que tudo procuram para viver frugalmente, vivam ou não em irmandade religiosa ou comunidade espiritual são uma raridade. Isto para enfatizar que carece de reexame uma frase de Singer. “O altruísmo eficaz é para pessoas com origens muito diversas e para pessoas que, embora vivam em sociedades ricas não ganham mais, e, por vezes, até ganham menos do que o rendimento médio da sua sociedade. Ao darem, por exemplo, 10% dos seus rendimentos a instituições de beneficências eficazes, podem salvar vidas, curar a cegueira ou marcar uma enorme diferença nas vidas de pessoas que podem viver com um rendimento que é, em poder de compra, equivalente a 1 ou 2% do rendimento médio nos EUA”. Este altruísmo eficaz é escalpelizado na sua motivação e justificação e no modo de escolher causas e organizações para a praticar. É uma longa viagem em que se fala da empatia nas justificações para a prática do altruísmo e a felicidade que carretam as opções.
Bem curiosa é a paleta que o autor nos dá para o processo de escolha da organização que se adequa ao modo de vermos a eficácia em altruísmo. Entre outros exemplos fala-nos da OXFAM, uma conceituada organização não-governamental que se pauta pelo comércio justo e modos de produção e consumo sustentáveis. Fala-nos de um caso ocorrido no Estado de Pernambuco onde uma refinaria de açúcar se apoderou de terras de gente pobre de forma discricionária e autoritária. A solidariedade da OXFAM foi apelar às marcas de produtos alimentares que mostrassem liderança ética, repúdio a quaisquer contratos comerciais com esta refinaria. Foi o caso da Nestlé, da Coca-Cola, da Pepsi-Cola, entre outros. A refinaria recuou. E observa: “A produção política é uma opção atraente porque responde aos críticos que dizem que a ajuda trata apenas os sintomas da pobreza global, deixando intactas as suas causas. Trabalhar para mudar as práticas comerciais injustas que desfavorecem os países em desenvolvimento é uma maneira de abordar pelo menos algumas das casas da pobreza”.
E a jeito de despedida, o autor prevê que haverá uma massa crítica de altruístas eficazes e nessa altura já não parecerá estranho que uma pessoa veja “o maior bem que posso fazer” como um importante objetivo de vida. E diz mais: “Se o altruísmo eficaz se popularizar, é de esperar que alastre de forma mais rápida, uma vez que se perceberá então que é fácil fazermos muitas coisas boas e, por isso, sentirmo-nos melhor com a nossa vida. O aparecimento dessa massa crítica dependerá da disposição das pessoas do mundo inteiro para adotarem um novo ideal ético: fazer o maior bem que puderem”.