O futuro da sapataria monchiquense está nas tuas mãos
O caminho faz-se caminhando. E a caminhada de um futuro inicia-se sempre que nos dão oportunidade para isso e sempre que nos sentimos dispostos a travar esse caminho.
É por isso que jovens dos 18 aos 31 anos são convidados a fazer uma candidatura a um projeto de aprendizagem do ofício de sapataria. A formação é realizada em Shrems, na Áustria, durante três anos, numa fábrica com uma filosofia ecológica e humana.
O objetivo, segundo Uwe Heitkamp, diretor da revista ECO123 e impulsionador desta iniciativa «é que depois deste tempo os dois jovens que vão ser selecionados regressem a Monchique e aqui instalem uma oficina de sapataria para continuarem com a tradição».
Este projeto começou a desenvolver-se há três anos e vem dar resposta a décadas de história e tradição na arte da sapataria no concelho de Monchique que conta, hoje em dia, apenas com três sapateiros, cuja soma das idades totaliza cerca de 250 anos. Apesar de não serem parte ativa no projeto «por não terem, segundo o IEFP, diploma de formadores», Uwe Heitkamp, admite requerer «o seu apoio aquando das férias dos jovens selecionados, de forma a irem aplicando o que aprendem durante a sua formação, em Shrems».
Durante este triénio houve contactos com «Câmara Municipal de Monchique (CMM)e com o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP)» e «foram apenas conversas e nada aconteceu». Aliás, «o IEFP pensa um pouco fora da realidade oferecendo-nos uma proposta em que eles pagavam a 25 pessoas uma bolsa no valor de 419,22€ e nós tínhamos de arranjar o local, um plano de formação para 850 horas de teoria e a logística, como máquinas de colar, cozer e a matéria prima. Onde temos isso em Monchique? Aqui no Algarve não temos ninguém para dar a prática, se fosse turismo, talvez…», explica Uwe Heitkamp e acrescenta que «talvez agora não precisemos do apoio», mas daqui a três anos estas duas entidades devem «prestá-lo a cada um dos selecionados quando quiserem instalar aqui a sua oficina».
Assim, a formação vai decorrer na fábrica GEA-Waldviertler, que foi recuperada nos anos 80 por Heini Staudinger, após a falência e tem atualmente 170 empregados. É autossuficiente em energia, promove a sustentabilidade comunitária, a valorização do trabalhador e é de tal forma popular que existem excursões diárias para visitar as instalações, que produz cerca de quatro centenas de pares de sapatos por dia. A fábrica, que tem como filosofia andar, sentar e deitar, produzindo sapatos e móveis como camas ou sofás, engloba ainda uma academia, um hotel, uma cantina, que poderá, ou não, distribuir comida gratuita aos formandos.
Os interessados podem candidatar-se enviando uma carta redigida à mão, com uma foto, o último certificado de frequência escolar e com referências de pessoas que conheçam até ao dia 29 de fevereiro, para Editora ECO123 Publicações e Produção de Filmes, Lda. Apartado 177 – 8551-909 Monchique/ Portugal.
A seleção de duas pessoas efetivas e duas suplentes é realizada no dia oito de março pelos responsáveis da revista ECO123, da Associação Memo e da Associação Nossa Terra, de forma a integrarem um estágio de três meses, logo a partir de um de abril, para verem «se gostam do projeto, se conseguem aguentar a distância da família e o trabalho que lhe é proposto», acrescenta Uwe Heitkamp.
As duas pessoas efetivas escolhidas, que «pretendemos que sejam futuros empresários em nome individual », recebem um contrato de trabalho conforme o negociado entre os sindicatos e os empresários na Áustria, com um plano de formação já definido para cada ano e que passa pelo conhecimento da matéria prima até a questões de marketing e programação da sua futura empresa. A remuneração começa nos 530€ e vai até cerca de 1000€, no terceiro ano. «É um trabalho de 2.º a 6.º feira, com 32 semanas de prática, 10 teóricas e um mês de férias, que tem as despesas de viagem para visitar a família pagas por nós» , explica Uwe Heitkamp.
A partir do momento que os dois jovens cheguem a Shrems são integrados no sistema daquela comunidade, com características geográficas e sociológicas idênticas a Monchique, e naquela forma de trabalhar, onde cada empregado tem um quota da empresa e onde, por exemplo, é distribuído por cada secção, todas as semanas, um cabaz de produtos locais para que seja dividido por todos, permitindo a sustentabilidade dos produtores locais de frutas, legumes, ovos e queijo.
Apesar do trajeto de avião levar apenas três horas, o caminho para Shrems vai ser feito de comboio para que «os jovens tenham contacto com as pessoas». Para além da questão profissional, «é também uma viagem pessoal, numa outra realidade diferente da portuguesa e da monchiquense», esclarece o diretor da ECO123.
É também esta viagem pessoal que os formandos são convidados a fazer no final. Trata-se de um ano sabático, opcional, à semelhança do que acontece nos países nórdicos desde o século XV a quem aprende ofícios como a sapataria, e consiste em viajar pelo mundo durante 364 dias, a pé, de autocarro ou de comboio, prestando serviço gratuito em casas em troca de um prato de comida e uma cama. «O importante é conhecer pessoas, conhecer o mundo, e crescer enquanto cidadão que respeita o planeta terra», destaca Uwe Heitkamp.
No final, cada jovem fica com um certificado que permite abrir a sua própria oficina e se fizer este ano de pausa, quando voltar, pode alcançar outro diploma, equivalente ao grau de mestrado.
Segundo o responsável pela iniciativa, atualmente têm «sete inscrições, mas ainda ninguém de Monchique «o que é uma pena» visto ser «uma viagem para procurar no passado bases para a construção do futuro e de uma vida».
Foto: Fernando Oliveira, um dos sapateiros monchiquenses que ainda continua, diariamente, a exercer o seu ofício.