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O Congresso Regional Algarvio de 1915 e os seus reflexos no concelho de Monchique (III)

Adelino Mendes quando aqui chegou à Praia da Rocha para fazer a cobertura jornalística do importante acontecimento apeou-se da carrinha junto ao Hotel Viola, de onde um amigo o levou pela «larga avenida que se rasgava junto ao mar». Aí pôde apreciar os «prédios novos» recentemente construídos e «as barradas da exposição que oscilavam sacudidas pelo vento, onde se vendiam bebidas e produtos regionais.
O artigo insere também algumas duras críticas sobre a maneira anárquica como a estância estava a crescer, pois os prédios construíam-se «sem fiscalização camarária, como se numa terra destas cada qual tivesse o direito de espalhar a fealdade como muito bem entendesse».
Seria este jornalista que informaria em A Capital que a sessão inaugural tinha decorrido «brilhantíssima», com o presidente Tomás Cabreira a ser secretariado por Jaime Pádua Franco e Francisco Bívar, tendo os discursos inaugurais sido proferidos por Tomás Cabreira e o Dr. Luís Carrasco Guerra, que enalteceram as belezas naturais do Algarve e os seus atractivos para o turismo.
O Presidente da República, Teófilo Braga enviara um telegrama de felicitações. Ao largo estacionara o navio Guadiana, que desembarcou os oficiais para assistirem ao evento.
Apesar do evento ter durado de 1 a 11 de Setembro, a apresentação das comunicações deu-se apenas nos dias 3, 4 e 5, nelas sendo calorosamente debatidas várias ideias sobre a conjuntura desse tempo, o futuro da região e os vários aspectos que na altura preocupavam os organizadores.
As teses apresentadas focaram especialmente o turismo, a indústria, o crédito bancário, a pesca e o ensino da pesca, as vias de comunicação, o ensino, a cultura, a tradição oral, o comércio, o clima, etc., confirmando ao mesmo tempo a intenção de servirem de base a futura legislação para enquadramento do que se viesse a projectar.
Os trabalhos estruturaram-se em sete temáticas ou secções:
I Secção – Agricultura algarvia: arborização de serras e dunas; irrigação; posto agrário do Algarve; crédito agrícola; ensino agrícola, móvel e fixo; escolas femininas e agrícolas; utilização dos salgados.
II Secção – Indústria algarvia: indústria de conservas e outras indústrias; crédito industrial; ensino industrial; pescas; parques e viveiros piscícolas.
III Secção – Meios de transporte: estradas; pontes; vias-férreas; tarifas económicas e de exportação; portos e barras.
IV Secção – Comércio Algarvio: crédito comercial; tratados comerciais; alfândegas; mercados e produtos algarvios.
V Secção – Turismo: hotéis; estações termais e marítimas; zonas de turismo; regulamentação do jogo; taxa de turismo; desportos.
VI Secção – Clima algarvio: climatologia; sanatórios; estações de repouso; postos meteorológicos.
VII Secção – Arte e História do Algarve: museus e Monumentos históricos; arte algarvia; bibliotecas; lendas e tradições; canções regionais.
Com base nestes temas seriam apresentadas 25 teses, que em grande parte seriam editadas sob a chancela da SPP e foram vendidas no comércio:
– Aproveitamento dos Salgados do Algarve, pela exploração de gado lanígero, por João Viegas Paula Nogueira.
– Arte Algarvia, por João de Mello de Falcão Trigoso.
– Assistência à Mendicidade no Algarve, por Julião Quintinha.
– Caminhos-de-Ferro do Algarve, por A. de Vasconcelos Correia.
– O Clima do Algarve, por João Bentes Castel-Branco.
– O Clima do Algarve e as suas indicações, por Geraldino Brites.
– Cantos, Músicas e Danças (Escorço), por José Parreira.
– Crédito Comercial e Industrial, por Tomás Cabreira.
– O Ensino Elementar Industrial, por Aníbal Lúcio de Azevedo.
– Ensino Industrial, por D. Sebastião Pessanha.
– As Escolas Industriais, por A. L. de Aboim Inglês.
– Escola Primária Agrícola, por Tomás Cabreira.
– Estradas, por Agostinho Lúcio da Silva.
– Fontes para a História do Algarve, por António Baião.
– Hotéis, pela Comissão de Hotéis da Sociedade de Propaganda de Portugal.
– Indústrias do Algarve, por Luís Mascarenhas.
– Kurtaxe, por Manuel Emídio da Silva.
– A Luta contra o Analfabetismo e o problema do Ensino no Algarve, por Mateus Martins Moreno.
– Pesca, Escolas de Pesca, por José Francisco da Silva.
– Portos e Barras do Algarve, por José Francisco da Silva.
– Posto Agrário e Ensino Móvel, por Tomás Cabreira.
– Primícias Agrícolas e Plantas Subtropicais no Algarve, por Mário Paes da Cunha Fortes.
– A Questão Corticeira, por  Tomás Cabreira.
– Tarifas Ferroviárias, por Tomás Cabreira.
– Zonas de Turismo, por Tomás Cabreira.

Tanto estas publicações como as actas escrituradas durante o fórum são hoje uma importante fonte documental para o estudo deste período no contexto algarvio.
Paralelo ao Congresso houve um vasto programa de atracção e animação, que se iniciou logo no dia 1 e foi pelo menos até ao dia 11 de Setembro.
No átrio do Hotel Viola esteve patente uma exposição de produtos regionais, que foi marcado pela presença do importante artesanato monchiquense, nomeadamente as «cadeiras romanas» e outro mobiliário, mas também as mantas de riscas policromadas dos teares de Vila do Bispo e as rendas de Faro.
Houve campeonatos de ténis, iluminações na Avenida, concertos pelas filarmónicas e outros grupos musicais, récitas teatrais, venda de doces variados, refrescos, frutas de toda a espécie, onde se incluíam os ananases de Faro e muitos outros produtos, que estavam à venda no «Pavilhão Mourisco», de António Júdice Magalhães Barros, regatas e corridas de natação, passeios de barco pela costa, subida de barco até Silves, batalha de flores e confetti na Avenida, com belos carros alegóricos, excursões aos sítios mais interessantes da região, como as Caldas de Monchique, burricadas à Fóia, tiro aos pombos, corridas de toiros, festa nocturna no rio, serões de arte, festa da flor, etc.
O barítono portimonense Alfredo Mascarenhas, famoso além fronteiras, actuaria no Casino às 21 horas do dia 1, acompanhado da soprano Judith Lima.
O encerramento da grande atracção esteve previsto para Lagos, na Escola de Desenho Vitorino Damásio, o que não se concretizou, apesar do objectivo ser o de envolver os concelhos algarvios e fomentar o desenvolvimento da região. Fechou-se sim o evento na grande sala do Casino, na tarde do dia 5 de Setembro, tendo sido uma «sessão brilhantíssima a que assistiu o mais selecto auditório, estando largamente representado o elemento feminino».
Além dos principais órgãos de imprensa nacional e regional, no congresso estiveram presentes alguns dos mais ilustres representantes da elite algarvia, habitando ou não no distrito, nomeadamente ministros, deputados, senadores, altos funcionários, académicos, cientistas, médicos, advogados, professores, engenheiros, agrónomos, militares, etc.
Um dos mais ilustres jornalistas que nos visitaram seria Adelino Mendes, que no intervalo dos debates aproveitou para enviar para A Capital algumas interessantes reportagens sobre a região, nomeadamente sobre as Caldas de Monchique, que foram transcritos na imprensa regional, nomeadamente em O Algarve. Os artigos seriam depois condensados na sua obra O Algarve e Setúbal.
Como vimos atrás, a Praia da Rocha já existia antes de 1915 como destino turístico, dentro dos gostos da época. Tinha o seu Casino pelo menos desde 1874 e a oferta hoteleira patenteava-se no Hotel Viola, aberto em 1903, que já então se denominava de Hotel da Rocha, mas também algumas pensões ou casas de hóspedes, casas e chalés de aluguer, casas particulares de Verão e quintas dos arredores. Terá sido neles que se alojaram os participantes, mas também nas pensões e hotéis de Portimão, das Caldas de Monchique e de Ferragudo.
Note-se ainda, que o grande arquitecto Raul Lino fez acompanhar a comunicação “Hotéis”, apresentada pela Comissão de Hotéis da SPP, de um relatório e projecto de hotel ideal, segundo os padrões internacionais, que no entanto não avançou devido à falta de investimento e aos entraves políticos e dos interesses instalados do costume.
Na ocasião foi anunciado um novo congresso, que teria lugar na cidade de Faro, durante o ano de 1918. Todavia, por razões que desconhecemos este nunca se chegaria a realizar.

(Texto escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico)

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