O Brasão de Armas de Monchique: uma resenha histórica
Artigo publicado na edição 477, de 31 de agosto de 2023
A 28 de fevereiro de 1926, José António Guerreiro Gascon, então Tesoureiro da Fazenda Pública em Odemira, escrevia ao presidente da Associação dos Arqueólogos Portugueses a solicitar ajuda científica para a elaboração dos brasões de Monchique e Alcoutim, por “não dispor nem da competência nem do tempo precisos” e desejar que esse trabalho ficasse tão perfeito quanto possível e revestido da autoridade que só aquela douta agremiação poderia dar-lhe. Junto da carta, seguiam dois projetos acompanhados de dois desenhos, segundo José Gascon, bastante imperfeitos, mas que davam uma ideia do seu objetivo para as armas de ambos os concelhos.
Pedia ainda àquela associação que os seus projetos fossem analisados e corrigidos os seus erros, de modo a ficarem o mais corretos possíveis. Justificando a razão de todos os símbolos que incluíra, o desenho de José Gascon propunha para o brasão e selo do concelho de Monchique um escudo pintado de verde-esmeralda, dividido em dois por uma barra vertical em vermelho-carmim. Esta barra era interrompida ao centro por um escudo de quinas, que representavam as armas nacionais. O escudo do lado esquerdo, pintado de branco, não tinha qualquer desenho, enquanto no lado direito, sobre um fundo de azul claro, estava desenhado um castelo de três torres, o qual José Gascon associava ao castelo que teria existido no lugar de “Munchite”, justificando a sua existência pela “História de Portugal” de Alexandre Herculano. Por cima deste, estavam três estrelas dispostas em arco, que representavam as três freguesias do concelho, sendo a maior, ao centro, atribuída à freguesia de Monchique. Finalmente, uma coroa mural de cinco torres, representando a categoria de vila, finalizava o escudo. Lia-se ainda a palavra “Mons Cicus”, na parte inferior do escudo, como símbolo da antiguidade de Monchique. O estandarte era esquartelado de branco e vermelho-carmim, cores que Gascon justificava como as antigas armas do Algarve. (Figura 1).
Figura 1: Proposta de José Gascon para o Brasão e Estandarte de Monchique
José Gascon obteve resposta do Secretariado da Associação dos Arqueólogos Portugueses a 18 de março de 1926 a informá-lo que seria Affonso de Dornelas, membro da Secção de Heráldica do mesmo organismo, o responsável pela elaboração de um parecer para as armas do concelho de Monchique.
O estudo de Affonso de Dornelas só foi aprovado pela Associação dos Arqueólogos Portugueses a 23 de junho de 1927. Todavia, o seu parecer chamava a atenção para o facto de a proposta de José Gascon conter algumas irregularidades heráldicas. Uma delas era a ausência de elementos identificativos do concelho, do ponto de vista histórico, geográfico ou económico, como por exemplo, a água, considerada como o maior valor monumental de Monchique. Nesse sentido, o técnico encarregue pela elaboração do projeto justificava a inclusão daquele elemento mediante um aviso, onde se podia ler que “Monchique é conhecida principalmente pelas águas das suas Caldas, que desde tempos muito remotos lembram a existência desta vila e são as principais do Algarve (…) Deve ser este valor monumental de Monchique que se deve representar no selo e, portanto, no estandarte (…).”
Além desta, foram apresentadas outras razões que recusavam a proposta de José Gascon. O brasão não podia, em nenhuma situação, ser partido, cortado ou esquartelado, mas sim absolutamente simétrico e regular. As três estrelas que Gascon desenhou para simbolizar as três freguesias do concelho não tinham, segundo Affonso de Dornelas, qualquer tipo de valor do território administrativo, sendo simplesmente associadas a “vitórias alcançadas contra os mouros, de noite.” Do mesmo modo, a coroa mural de cinco torres estava errada, uma vez que esse número representa as cidades e não as vilas, para as quais devem ser utilizadas quatro torres. Deste modo, Affonso de Dornelas propôs a constituição das armas de Monchique da seguinte forma: “De verde com uma fonte de prata repuchando do mesmo metal. Em chefe, uma cabeça de carnação branca coroada d’ouro e outra de carnação negra com um turbante de prata. Corôa mural de prata de quatro torres. Bandeira branca de um metro por lado. Por debaixo das armas, uma fita vermelha com os dizeres “Vila de Monchique” a branco.”
Assim:
1. Campo Verde: na terminologia heráldica, o verde tem o valor de água fluvial;
2. Cabeça de Rei Cristão e Rei Mouro: por tradição, as antigas armas do Algarve tinham estas duas faces representadas, devendo a mesma ser respeitada;
3. Fonte a jorrar água: considerada a peça principal das armas de Monchique, representava a característica medicinal das águas, bem como a existência histórica das termas;
4. Coroa Mural: com quatro torres, tinha o valor atributivo de vila. Representa ainda as muralhas defensivas de Monchique, podendo estas ser identificadas com o castelo de Alferce.
Passados poucos dias após ter recebido o parecer de Affonso de Dornelas, a 23 de junho de 1927, José Gascon reencaminhou o mesmo documento para os membros da Comissão Administrativa da Câmara Municipal. Estes, em Sessão de Câmara Extraordinária de 29 de setembro desse ano, aprovaram “por unanimidade, adotar, desde já, o brasão de armas tal como consta da proposta contida na parte final do parecer.”(122) Decidia-se, também, a aquisição de uma bandeira e uma lápide com o novo brasão, para ser colocada na fachada da Câmara Municipal, assim como o envio de uma cópia autenticada da ata de aceitação das novas armas para o Arquivo da Torre do Tombo, o que viria a acontecer a 19 de dezembro de 1927.
Figura 2: Brasão de Monchique aprovado em 1985
Nesta reunião foi, igualmente lançado, um louvor público a José Gascon pelo seu impulso na criação de um brasão para o concelho de Monchique. A oficialização do parecer por parte da secção de Heráldica da Associação dos Arqueólogos Portugueses sobre as armas do concelho de Monchique só ocorre em 1985, após um pedido da Câmara Municipal. A resposta é publicada no Diário da República, através da Portaria n.º 103/85, de 16 de fevereiro, onde se lê: “Manda o Governo da República Portuguesa, pelo Ministro da Administração Interna, que a constituição heráldica das armas, bandeira e selo do referido Município seja aprovada de harmonia com o disposto no artigo 14.º do Código Administrativo nos seguintes termos: Brasão – verde, fonte de prata repuxando do mesmo, acompanhada em chefe por 2 cabeças barbadas de reis, à dextra de rei branco e à sinistra de rei mouro. Coroa mural de 4 torres de prata. Listel branco com a legenda ‘Vila de Monchique’ a negro”. (Figura 2).
Bibliografia:
CARNEIRO, Isabel, CAMPOS, Nuno (2003). “O Concelho de Monchique e as Suas Armas Municipais – Da Perspectiva Histórico-Sociológica à Perspectiva Heráldica”, Comissão Instaladora do Museu de Monchique/Junta de Freguesia de Monchique, Monchique;
MATEUS, Ana Rita Santos (2023). «A Elevação de Monchique a Vila – dois séculos de história», Câmara Municipal de Monchique, Monchique.