Menos que humanos, por Nuno Rogeiro

“Menos que humanos, Imigração clandestina e tráfico de pessoas na Europa”, por Nuno Rogeiro, Publicações Dom Quixote, 2015, é um ensaio oportuno e esclarecedor que sai da pena de um analista com provas dadas nos assuntos estratégicos e na geopolítica.

O autor apresenta a sua obra da seguinte maneira: “Este livro é sobre refugiados das guerras, das perseguições, das catástrofes, mas também acerca de massas que querem viver melhor e não podem circular regularmente para o destino. E ainda sobre deslocados dentro do próprio país, e apátridas, e traficados para os negócios da carne e do crepúsculo do espírito, e gerações que crescem em campos, sem noção de quem são e do que são. Sempre em trânsito, sempre parados”. Muitos deles são filhos das batalhas: de guerras civis sem regras (caso da Síria), da decomposição de um país (Iraque, Somália, Afeganistão), vêm de comunidades religiosas perseguidas (Nigéria) ou fogem de regime de partido único de perfil totalitário (Eritreia). Neste ensaio ouviremos repetidamente falar do ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados) e da avalanche migratória dos últimos anos. Há fugitivos que escapam a múltiplas forças, como nos recorda o autor: o regime de Assad, o Daesh, outras forças jihadistas, gangues locais, milícias estatais e antiestatais, grupos de autodefesa, combatentes estrangeiros; há os que fogem aos bombardeamentos aéreos, que se encontram encurralados e fogem de vinganças tribais.

Para se entender a resposta europeia (ou a sua não resposta à altura dos acontecimentos) é preciso conhecer a política europeia de vizinhança (PEV), as suas balizas, ideologia, sem descurar aqueles problemas históricos de fronteiras, de ocupação ou atrito ou de empolamentos de grupos nacionalistas ou étnicos encravados em Estados. Nuno Rogeiro dá-nos o quadro do funcionamento da agência Frontex no domínio da segurança fronteiriça e enuncia a lista de respostas que a Comissão Europeia propõe para a crise dos migrantes. E satisfaz a nossa curiosidade quando nos perguntamos porque é que a crise migrante se assentou no Verão. A resposta é simples: a acalmia das águas do Mediterrânio, o agravamento geopolítico (conflitos na Líbia mais intensos), o caos afegão, o Daesh mais ativo no Afeganistão e Paquistão, o exacerbamento no Iraque e na Síria, mas também na Nigéria, na Somália, na Eritreia: “Na atual crise, e se olharmos só para o fim do Verão, princípio do Outono, víamos que 71% dos migrantes chegavam à Europa vindos da Síria, Eritreia e do Afeganistão, e 72% era adultos, embora algumas rotas pudessem verificar maior número de crianças. Os restantes 29% vinham do Iraque, Nigéria, Somália, Sudão e Gâmbia, Senegal e Mali”.

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O autor desvela os bastidores da traficância da imigração clandestina, quem são os transportadores, quem conduz este negócio de escravos, quais as rotas de partidas e chegadas, é neste ponto que a investigação de Nuno Rogeiro se revela altamente esclarecedora, ficamos a saber como se opera nos Balcãs e no Leste, em Itália, quais os nichos de crime, o papel desempenhado pelas velhas e novas máfias que atuam nos continentes africano, asiático e europeu, identificam-se os organizadores, os recrutadores, os informadores, os tripulantes, os correios, os fornecedores e ficamos igualmente a saber como se opera, a nível europeu para investigar e desmascarar. Mas há também as teias da corrupção, e o que delas se sabe. No final da sua investigação, o autor aborda as respostas possíveis, como acolher, como estabelecer barreiras, etc.

Reportagem atualíssima, redigida com vivacidade e documentos na mão. Proporciona-nos ume esclarecimento rigoroso sobre quem são os milhões que chegam Europa, de onde vêm e o que querem, quais as suas rotas de passagem, que tráfico infame se instalou para estes seres humanos e qual o pano do fundo que envolve a corrida destes milhões de seres humanos à procura da paz, do trabalho ou, muito simplesmente, não morrer num imbricado terreno de guerras religiosas e civis.

 

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