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Meio rural em mudança: novas oportunidades para empresas e empresários emergentes (start-up’s) (I)

Assistimos hoje a uma discusssão em torno da necessidade de se revitalizar o mundo rural, em declínio nas últimas décadas, marcado por fenómenos de desertificação humana e degradação dos sistemas agro-rurais, em que pontuam consequências a nível da paisagem, esta marcada pela destruição decorrente, sobretudo, dos incêndios.

Tal necessidade de revitalização aponta para que se deva modernizar a agricultura e o mundo rural tomando como pilares novas oportunidades de investimento emergentes, as quais podem retirar partido da aplicação generalizada dos meios teconológicos da era digital e da abordagem ecológica do espaço rural.

Autoridade de referência nesta matéria, pela sua capacidade de síntese e de análise lúcida sobre as problemáticas do mundo rural e dos territórios em mudança, é o Professor António Covas (1), da Universidade do Algarve que , recentemente no jornal Público (2), procura responder, a propósito, à questão “como é que podemos incubar e acelerar a passagem de um rural tardio, pobre e remediado, para um neorural inteligente e criativo?”.

O tema reveste-se de atualidade e do maior interesse para Monchique e não só. Apresentamos uma síntese das suas respostas, em que as variáveis analisadas apontam para novos horizontes de investimento por parte de empresários e empresas em fase de desenvolvimento, vulgarmente designadas por start-up’s.

Mudança ecológica e digital

António Covas preconiza que a mudança que acontecerá nos próximos tempos será de ordem ecológica e digital, em que “o campo nos revelará uma pluralidade de campos, na exata medida em que o campo será simultaneamente um espaço produtor e um espaço produzido.”

Neste contexto de espaço de produção e de espaço produtor afiguram-se oportunidades para os novos habitantes do espaço e território rural. Estes poderão retirar partido não só dos recursos da atual era digital, em que vivemos, como a procura emergente por ambientes mais ecológicos, de contacto e fruição com a natureza, em alternativa aos espaços urbanos saturados que colocam em causa princípios de bem estar e de qualidade de vida.

De acordo com António Covas, as oportunidades situam-se nos domínios da agricultura de precisão, das agriculturas pós-produtivistas e hipocarbónicas, da turistificação do mundo rural, da smartificação de territórios-rede, das novas estruturas de acolhimento dos neorurais, dos centros de extensão rural do futuro e a culminar toda esta rede capilar da 2.ª ruralidade a “cidade distrital inteligente”. Em síntese, o autor considera relevante em cada um destes domínios:

1. Agricultura  de precisão

Apontam-se aqui “os avanços tecnológicos já conseguidos no domínio da chamada agricultura de precisão: a gestão remota da rega, a monitorização das culturas a partir de imagens aéreas (com drones), as câmaras de vigilância nos estábulos, os robots de ordenha e alimentação, os chips nos animais para acompanhamento do seu ciclo de vida, os veículos autónomos como maquinas agrícolas e tratores (winebots), a colocação de sensores na floresta (os olhos e os ouvidos das árvores), as câmaras térmicas (os olhos noturnos dos bombeiros), as imagens por drone das zonas com maior acumulação de matos, os firebots para o ataque a incêndios, a criação de aplicações em smartphones para uso de agricultores e bombeiros, os modelos computacionais e a inteligência artificial para a elaboração de cenários de intervenção, etc. Quer dizer, no âmbito da “internet das coisas” (IOT) e dos sistemas automáticos praticamente nada escapará aos dispositivos de monitorização, sejam sensores, chips ou câmaras de vigilância; neste caso em concreto, podemos dizer que a rastreabilidade é total e a recolha e tratamento de dados uma tarefa primordial para a agricultura de precisão.”

Conclui António Covas que “Se a esta “plantação-conexão digital” juntarmos a constelação tecnológica formada pelas nanotecnologias, as biotecnologias, as ciências da vida, do solo e da água e as indústrias da alimentação, teremos seguramente uma ocupação do território muito diferente da atual, com menos gente in situ e mais gente ex situ ocupada em tarefas de vigilância, programação, planeamento e controlo, geridas à distância por “seres aumentados” que administram interfaces eletrónicos e digitais de todo o tipo. Em resumo, há aqui um campo imenso para novas especialidades e novas oportunidades para a próxima geração de start-up da 2.ª ruralidade.”

2. As agriculturas pós-produtivistas e hipocarbónicas

Neste domínio, António Covas reconhece que “Paralelamente à agricultura de precisão surgirão as denominadas agriculturas pós-produtivistas, umas mais sociais e comunitárias outras mais especializadas. As alterações climáticas, as economias de proximidade e a alimentação saudável, mas, também, os pagamentos pela prestação de serviços ambientais, funcionarão como pretexto e causa próxima e despertarão uma curiosidade crescente por parte dos neorurais. Acresce que, dadas as características agroecológicas e socioeconómicas de muitas das nossas microrregiões do interior, o mais provável é que sejam objeto de uma “smartificação fraca” associada à lógica agroecológica ou, nas palavras do Arquiteto Gonçalo Ribeiro Telles, ao “organicismo da paisagem global”. De resto, “paisagem global” de Gonçalo Ribeiro Telles é um mosaico muito complexo e interdependente onde cabem a conservação da natureza, a produção de alimentos frescos, as amenidades agroturísticas e a gestão das áreas de paisagem protegida, de acordo com critérios técnicos, mas, também, estéticos e éticos. Há, pois, neste contexto, muito trabalho de investigação-ação-extensão a realizar e um campo imenso para a emergência da próxima geração de start-up a caminho da 2.ª ruralidade.”

3. Turistificação do mundo rural e produção de novos conteúdos

Como terceiro patamar de evolução, o autor em apreço defende que “A modernização do mundo rural pela via dupla da agricultura de precisão e da agricultura pós-produtivista tem como corolário lógico um aumento da turistificação do mundo rural e, consequentemente, a necessidade de produzir novos conteúdos criativos e culturais, em especial em redor dos chamados sinais distintivos territoriais. Esta implicação recíproca vantajosa entre agricultura, ecologia, turismo e cultura é fundamental para criar in loco pequenas economias de aglomeração que justifiquem o lançamento de novos projetos empresariais. As plataformas tecnológicas facilitam estas transações e aqui, mais uma vez, as start-up terão um papel fundamental no desenho de aplicações digitais que fazem a conexão destas diferentes atividades, para além da produção especifica de conteúdos criativos e culturais. Todos os sinais distintivos “emitem informação bruta” que é preciso recolher e tratar devidamente, razão pela qual é fundamental conceber o sistema de informação geográfica da sub-região e ensaiar a sua “conexão inteligente”. A partir desse volume imenso de informação a “arte da composição” permitirá compor uma “variedade de territórios virtuais”, um campo de possibilidades de onde emergirá uma nova consciência coletiva territorial. Porque precisamos de criar conteúdos para preencher essas diversas virtualidades, existe aqui mais uma oportunidade para o lançamento de novos projetos e empresas.”

O papel essencial para o sucesso dos empreendimentos que podem desempenhar os designados “atores-rede”, capazes de “ouvir, interpretar, promover e realizar as aspirações de um território que é sentido e desejado” será matéria que apresentaremos num próximo artigo neste jornal, destacando a análise do Professor António Covas, que agora citamos.

Referências:
– António Covas é Professor Catedrático da Universidade do Algarve. O seu mais recente livro sobre estas matérias intitula-se “A grande transformação dos territórios”, editora Sílabo.

– “Vêm aí as start-up da 2.ª ruralidade” publicado no Jornal Público, 17.03.2018

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