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Meio rural em mudança: empresas, oportunidades e geração de emprego. A síntese global.

Nos artigos anteriores sobre esta matéria das mudanças em curso nos territórios rurais apresentamos uma síntese das principais áreas em que está a ocorrer a transição de um mundo rural tardio, pobre e remediado para um mundo neorural inteligente e criativo por via de uma maior consciência ecológica e ambiental e da economia digital aplicada ao espaço rural que é, ao mesmo tempo, espaço produtor e espaço produzido.

De acordo com António Covas (1), autor da análise que apresentamos, uma síntese das oportunidades emergentes aponta para “uma tipologia das start-up da 2.ª ruralidade em que a economia digital e as plataformas colaborativas serão um instrumento fundamental para alavancar estes projetos empresariais”, nas seguintes áreas:

1. Agriculturas de precisão, os modos intensivos de produção: em que a digitalização informática gera avanços tecnológicos aplicados à agricultura e à gestão florestal, nanotecnologias, biotecnologias, ciências da vida, do solo e da água e as indústrias da alimentação.

2. Agriculturas de nicho, denominações de origem e indicações geográficas: com modernização do sistema produtivo local através de criação de marcas colectivas para o relançamento de uma gama de produtos, associadas a mercados ou segmentos de nicho de consumidores.

3. Agriculturas sociocomunitárias, os circuitos curtos e os mercados locais: existindo uma ligação vantajosa entre agricultura, ecologia, turismo e cultura, fundamental para criar in loco pequenas economias de aglomeração que justifiquem o lançamento de novos projetos empresariais com as plataformas electrónicas a facilitarem estas transações.

4. Economia circular e a bioeconomia, a política dos 4R e os serviços ambientais: domínio em que a recuperação das áreas ardidas tem vindo a motivar a criação de centros de investigação na área da biodiversidade, da ecologia funcional e reabilitação de ecossistemas, parques ou reservas naturais, associações agroflorestais, empresas de turismo em espaço rural e termalismo, lançando assim serviços turísticos, culturais e científicos. Por outro lado, as energias renováveis e as bioenergias, as redes e os serviços energéticos são áreas em que Portugal se encontra na vanguarda por via do desenvolvimento da energia eólica, hídrica, da bionergia, fotovoltaica e dos biocombustíveis.

5. Serviços ambulatórios ao domicílio, os programas de envelhecimento ativo: em que é possível perspectivar projectos intermunicipais, associativos ou comunitários visando a reinserção social em sentido amplo, a formação profissional e a realização de contratos de “institutional food” para abastecimento de escolas, prisões, hospitais, quartéis, lares.

6. Serviços de reabilitação e restauro do património natural e construído: em que é possível promover articulações e parcerias intermunicipais, com uma associação local e com as associações ambientalistas e de natureza sócio-cultural visando, por exemplo, a recuperação de uma rede hidrogáfica, de espécies animais endémicas ou de infraestruturas coletivas agrárias, o incentivo aos artesanatos e produções locais, tendo em vista a preservação de identidades territoriais e a sua valorização em termos de identidades colectivas.

7. Serviços de produção de conteúdos para eventos criativos e culturais: embora o setor cultural seja responsável por 2,8% de toda a riqueza criada em Portugal no ano de 2006, as debilidades como fraco dinamismo, as dificuldades de articulação e a estagnação requerem que, em termos de coesão dos territórios se incremente o desenvolvimento de parcerias descentralizadas entre vários agentes públicos, privados e sociais, onde a cultura surja como elemento catalisador, sendo, por isso, fundamental seleccionar e construir produtos culturais diferenciados que representem adequadamente os territórios e de captação, formação e desenvolvimento de públicos, onde se inserem iniciativas de “inclusão cultural”, de “marketing alargado”, de “cultivo e diversificação da preferência cultural” e de “educação de públicos” (2).

8. Ambientes digitais inteligentes e a gestão de sistemas de informação: em que as estruturas de acolhimento como os espaços de coworking, os fablab, as incubadoras, os centros de investigação, as associações de desenvolvimento local, têm sido até agora os locais privilegiados para fazer nascer os novos empreendimentos embora seja necessária, pela sua insuficiência, uma estrutura de autogoverno dotada com um mínimo de população, atribuições, competências e meios, que seja capaz de articular os poderes setoriais e intermunicipais com as expetativas das populações expressas através de recursos digitais e suscitar os efeitos de aglomeração e escala que o território mais necessita.

Depois desta síntese, António Covas conclui que “a convergência entre a transição digital e transição ecológica será o grande motor desta nova fase. Se esta convergência for devidamente patrocinada poderemos estar na iminência de uma explosão de start-up em espaço rural, embora nada garanta que elas não apareçam em ordem dispersa. Quer dizer, em vez de termos economias de aglomeração, poderemos ter economias de dispersão. Se tudo correr bem, poderemos ter uma economia colaborativa que tornará o capitalismo mais popular e genuíno, no sentido próprio dos termos, onde o capital social será tão ou mais decisivo que o capital financeiro.”

Como notas finais da sua análise global Covas identifica que “o principal estrangulamento ao patrocínio adequado deste universo de start-up é o “modelo silo” completamente ultrapassado das nossas principais instituições, totalmente viciadas em candidaturas e ajudas públicas para preencher a sua missão corporativa. Por falta de bens e serviços comuns e partilhados, os erros são recorrentes tal como as zonas cinzentas e os custos de ineficiência. A principal tarefa do próximo futuro é realizar a quadratura do círculo e pôr de acordo politécnicos, associações de municípios, associações empresariais e serviços regionais e no interior deste quadrado criar um “centro de racionalidade” que seja capaz de pôr alguma ordem na cacofonia ecológica e digital do mundo rural.

Não temos quaisquer dúvidas, haverá mais campo na cidade e mais cidade no campo. Desde a agricultura vertical na cidade, à agricultura acompanhada pela comunidade, às novas agriculturas periurbanas, à agricultura de precisão e às agriculturas de nicho, estaremos cada vez mais num continuum agroecológico.

Ao mesmo tempo abrem-se novas cadeias de valor e as start-up da economia digital, sobretudo as empresas do marketing digital e da publicidade, aproveitarão a oportunidade e tomarão o mundo rural como um décor para as suas próximas incursões e representações. Não será apenas a agricultura de precisão com os seus agribots, será, também, uma “agrocultura” que chegará com os neo-rurais mais românticos. O mundo rural e o campo tornar-se-ão uma espécie de cenário natural para as produções low cost da cibercultura mais variada. Esperemos que à volta delas apareçam as pequenas economias de aglomeração.”

Fontes:

(1) – António Covas é Professor Catedrático da Universidade do Algarve. O seu mais recente livro sobre estas matérias intitula-se “A grande transformação dos territórios”, editora Sílabo.
A síntese agora apresentada foi publicada anteriormente no Jornal Público, edição de 17 de Março de 2018.
(2)- “O sector cultural e criativo em Portugal. Sumário executivo.” Produzido para o Ministério da Cultura, Estudo realizado por Augusto Mateus e associados, Sociedade de Consultores, Lda, Janeiro de 2010.

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