Mauser
O nome próprio desta arma de fogo de fabrico alemão, adoptada pelo exército português em 1904, em substituição da memorável espingarda de repetição austríaca “Kropatschek”, confunde-se de tal modo com o substantivo comum ao qual deu origem que, na interpretação dada pelos leigos em material bélico, serve frequentemente de designação para a maioria dos fuzis com culatra, o que prova o elevado grau de popularidade atingido pela mauser, graças aos conflitos que marcaram o século XX. O seu inventor, Paul von Mauser (1838-1914), fundou com o seu irmão mais velho Wilhelm, perto de Estugarda, uma importante fábrica de armas de precisão, cujo progresso se desenvolveu à medida das intenções marciais e expansionistas de alguns estados europeus e sul-americanos e do instinto para os negócios dos dois irmãos. Graças às encomendas iniciais do Estado da Prússia que, sob a influência de Bismark, procurava os meios militares de realizar as suas ambições políticas, Mauser pôde fabricar em grande escala a sua inovadora espingarda calibre 11 mm, cujo sistema automático de armamento, revolucionário para a época, teve todavia alguma dificuldade em impor-se no restante mercado europeu. Seguir-lhe-ão numerosos modelos, cada vez mais aperfeiçoados, e contratos de fornecimento em avalanche com todos os países da Europa, ansiosos por se armarem em previsão de confrontos futuros. Só o Exército português adquiriu 100.000 unidades das espingardas Mauser M98 que, depois de equipadas com uma culatra da invenção do capitão de artilharia Alberto José Vergueiro, passaram a ser conhecidas internacionalmente como Mauser-Vergueiro (designação oficial: espingarda de calibre 6,5 mm m/904). Esta reconhecida versão portuguesa esteve presente na 2ª Guerra dos Boers, na 1ª Guerra Mundial e nas campanhas de África, com excelentes prestações, sendo mesmo utilizada pelas tropas germânicas que as preferiam às suas Mauser 1888 (Gewehr 88) de fabrico alemão. Em 1939, já depois do Exército Português ter adoptado a espingarda Mauser 98K de calibre 7,92x57mm, grande parte das Mauser-Vergueiro ainda existentes foi modificada para aquele calibre e redenominadas “espingarda 7,92 m/1904/39” mantendo-se ao serviço em algumas unidades paramilitares, nomeadamente na GNR e na Guarda Fiscal, até meados dos anos setenta do século passado. Peter Paul Mauser cedo se iniciou nos segredos do fabrico de armas de fogo, pois com apenas 14 anos de idade foi admitido, como aprendiz de desenhador e projectista, na Fábrica Real de Armas da sua cidade natal, Oberndorf, onde o seu pai já era operário especializado. E foi tão bem sucedido que, apenas vinte anos após, em 1872, não só adquiriu ao Estado de Baden-Wurttemberg a Real Fábrica de Armas, como se tornou no maior fabricante de armas de fogo da Alemanha. O seu nome é inseparável do rifle de 1893, que concebeu para o exército espanhol, ou da carabina de 1894 idealizada para as condições atmosféricas da Suécia. Também, praticamente todos os países da América latina se tornaram seus clientes, para quem o nome Mauser era sinónimo de qualidade, no que às espingardas de grande precisão dizia respeito. Peter Paul testava pessoalmente todas as suas criações; no decurso de testes a um novo modelo de munição de sua invenção (1901), um defeito de fabrico provocou o rebentamento do cano da espingarda, vazando-lhe o olho esquerdo. Após a sua morte, nas vésperas do início da 1ª Grande Guerra Mundial, a fábrica Mauser continuou a participar no esforço de guerra alemão, difundindo o nome do seu fundador por todos os campos de batalha. As restrições impostas pelo tratado de Versalhes à Alemanha derrotada obrigaram durante algum tempo a que a sociedade Mauser se reconvertesse no fabrico de máquinas de costura e de instrumentos de precisão. Contudo, secretamente, as suas oficinas continuaram a trabalhar no desenvolvimento de novos e mais sofisticados modelos de armas de fogo ligeiras e, quando Hitler por fim retirou a máscara e revelou a sua verdadeira face, uma nova mauser novinha em folha fez a sua aparição, uma magnífica carabina de cano curto de uma notável e mortífera eficácia, que equipou os exércitos nazis com as devastadoras consequências ainda hoje presentes na memória de toda a humanidade.
Citações:
1. “Floreavam armas de toda a espécie, desde a Mauser, último modelo, à caçadeira de boca de bronze, desde a espada de alferes-mor à forquilha dos tojos.”; Aquilino Ribeiro, in “Andam Faunos pelos Bosques”, II, pág. 45; Bertrand Editora/Círculo de Leitores.
2. “Explicava a guerra toda, deitado no chão ao abrigo do parapeito da trincheira, evocava os combates, fazia fogo com a mauser imaginária…”; José Rodrigues Miguéis, in “Espelho Poliédrico – A Madelon da Vazante”, pág. 19; 2ª edição, 1971; Editorial Estampa.
3.“Ganhou medo ao rio, aos passageiros, em certas alturas via vultos dentro de água, uma tarde distinguiu um dos guardas a apontar-lhe, debaixo, a mauser e a disparar.”; Fernando Dacosta, in “Memórias do Fim do Império”, pág. 33; 5ª edição, 2007; Casa das Letras/Oficina do Livro.