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Marcelo Rebelo de Sousa: «Vamos fazendo o balanço e vamos aprendendo com a lição ano após ano»

Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República,  visitou a zona afetada pelo incêndio, em Monchique, no passado dia 11 de agosto. No heliporto municipal escutou as dúvidas e questões de produtores e populares que lá se encontravam e respondeu a algumas. O Jornal de Monchique esteve no local e publica a conversa que durou quase meia hora.

Produtor – Ouvi nos meios de comunicação social dizerem que este incêndio foi um sucesso, o senhor Presidente acha que foi?

Marcelo Rebelo de Sousa – Como alguém que viveu por dentro a situação qual é a sua opinião?

P – A minha opinião é que não. Ardeu-nos tudo. Nós perdemos o concelho há 15 anos e voltamos a perder agora, como é que é? É isso que é um sucesso? Considero que foi uma derrota de toda a gente. Mas as pessoas responsáveis e os políticos vêm dizer que isto foi uma operação de sucesso… Acha senhor Presidente?

MRS – Estou a ouvir atentamente, já ouvi os responsáveis explicarem aquilo que foi a sua visão da realidade e eu vou ver agora como é a realidade. Qual é a realidade, na sua opinião?

P – Há 15 anos perdemos tudo, reconstruimos, agora voltamos a perder, é verdade que temos de nos reerguer, mas uma coisa é certa, mesmo que tenhamos algum dinheiro para começarmos a reconstrução, a curto prazo, vamos buscar dinheiro onde para sobreviver? Essa é a questão.

MRS – Ontem foi exposto ao Governo, quer pelo presidente da câmara, quer pelos responsáveis governativos algumas preocupações que resultaram na ponderação de um plano de projeção e de construção económica para o futuro.

P – Eu tenho ideia que, em Monchique, sem contar com as habitações, o maior prejuízo foi da cortiça, porque uma parte das árvores não são recuperáveis e já tinham ardido em 2003. E as que foram extraídas este ano, 80% morre.

MRS – Como sabe os sobreiros têm como característica um tempo muito longo até à produção de cortiça.

P – Depende da qualidade dos terrenos. Faço o apelo para que olhem para Monchique não só para darem esmolas, mas olhem em termos futuros, porque precisamos de proteção, assim como está vai continuar a arder.

MRS – Na sua opinião de cidadão comum, isso tem a ver com o tipo de floresta que há?

P – Tem a ver com a nossa floresta que é muito densa e essa é uma das principais razões, a outra é que no combate a incêndio não consigo perceber porque é que são pessoas de fora a coordenar os meios. Na minha opinião, estes deviam ser coordenados pela chefia dos bombeiros de Monchique, juntas de freguesia, câmara e com os comandantes dos bombeiros que nos vêm ajudar. Assim é que a coordenação devia ser feita. As pessoas que estão longe reconheço que têm valor, mas não têm o conhecimento suficiente da zona, da localidade, das coisas, nem acompanham no terreno. É muito fácil estarem sentados a acompanhar.

MRS – Acha que a floresta é muito densa e isso dá uma progressão muito rápida ao fogo?

P – Exatamente.

MRS – E, portanto, o fogo atinge uma dimensão muito grande e a necessidade de um combate muito vasto…

P – Só uma palavra em relação à composição da floresta… Realmente era interessante ir ver onde ocorreu a ignição para perceber a sua composição. Não se fazem análises a partir dos gabinetes ou do alcatrão. É esse o nosso problema. Vamos ao terreno ver onde ardeu, onde não ardeu e porque não ardeu. Analisar as coisas de uma forma séria.

MRS – Na sua opinião, arderam umas espécies mais que outras?

P – Tomou esta dimensão, porque o combate não foi correto.

MRS – Sim, mas no que diz respeito à floresta, houve alguma coisa que tivesse conduzido a isso?

P – O tipo de floresta onde ardeu é bastante diversa. Começou em mato, eucaliptos, sobreiros, ardeu tudo. Mas há eucaliptos e mato que arderam e outros que não. Não tem a ver com espécies, nem com monoculturas. Infelizmente, neste momento, o prejuízo é maior nos sobreiros.

MRS – Na sua opinião, o sobreiro acabou por não fazer a diferença em relação ao eucalipto?

P – Evidentemente, mas vamos ver no terreno. Eu no outro dia vi alguém a filmar sobreiros e a dizer que arderam por causa dos eucaliptos…

P – Posso fazer um apelo?

MRS – Diga.

P – A zona de Monchique nos anos 60, 70 e 80 tinha a maior taxa de suicídio do país. Aqui as pessoas têm uma grande propensão para a depressão. Está nas famílias, é uma coisa que nunca foi estudada. Se não vierem já psicólogos para o terreno, pode ter consequências graves.
MRS – Relativamente a Pedrógão, foram feitos estudos a crianças e jovens sobre qual o efeito psicológico dos fogos e, embora apontassem para resultados menos preocupantes do que eu esperava, nota-se que há uma faixa etária de jovens e de crianças que ficou assinalada e marcada…

P – Em relação àquela questão da organização da floresta em que se culpam os eucaliptos por serem o problema. Eu acabei de ouvir que arderam 10 hectares de um pomar de limoeiros. Portanto, não se pode tomar como desculpa a existência de determinada espécie para não se combater o incêndio. Na minha perspetiva aquilo que realmente falhou foi a coordenação dos meios de combate. A questão é: podia ou não, havia ou não condições para travar o incêndio no início e não deixá-lo chegar às portas das sedes de freguesia? Havia tantos meios disponíveis que estavam parados à espera de ordem para começarem a funcionar e parece-me que é uma questão que deverá ser pensada. Saber o motivo pelo qual os meios não foram acionados de forma a travar o incêndio.

P – Senhor Presidente eu gostava de ter uma explicação sobre a chegada do fogo aqui à vila e à sede de freguesia do Alferce. Qual foi a opinião que lhe deram lá dentro? Porque nós temos terrenos agrícolas à volta da vila, temos bocas de incêndios e nenhuma delas foi utilizada. Os bombeiros não conseguiram chegar lá. O fogo passou e não podia ter passado. O combate tinha de ter sido feito para não ser tão dramático e não ser preciso evacuar tantas pessoas.

MRS – Eu agradeço essas vossas intervenções. Correspondem à preocupação daquilo que viveram, sentiram e à experiência que têm. Eu vou registar tudo isso. Todos têm noção que, por um lado, e é preciso admitir com humildade, este período que estamos a viver ainda não terminou. É um período de verão que é sempre mais complicado em termos de fogos florestais e temos de admitir que estamos longe do seu término.

P – Mas têm de ser tomadas medidas daqui para a frente…

MRS – Como já foi dito aqui o perímetro do fogo e a sua limitação exterior está definida, mas a consolidação é um processo lento. Há reacendimentos e pontos quentes que podem surgir. É um processo que ainda está em curso. Já permite a vinda de responsáveis políticos, porque o essencial foi feito pelos operacionais, mas a consolidação ainda não está completa.
Outra questão, que também é importante, é ter a noção do papel das populações e dos operacionais, que foram fundamentais e são insubstituíveis. Além do mais estamos longe do fim desta época. As populações têm um importante papel na prevenção, na resposta que foi dada, na preocupação e na angústia com que vivem estes acontecimentos que são sempre dramáticos. Vistos de fora são fenómenos televisivos, vistos por dentro são dramas. Mas eu queria aqui agradecer esse papel conjuntamente com o dos operacionais por não termos este ano nem vitimas mortais, nem feridos graves. O ano passado eu tive a experiência, infelizmente inesquecível, de muitas vitimas mortais e de muitos feridos graves. Ainda há alguns, já poucos, com uma gravidade apreciável. Isso não ter acontecido deve-se aos operacionais e deve-se às populações, também. Aprendeu-se com a lição do ano passado e até com o contributo da comissão independente e das reflexões que foram feitas. É evidente que não havendo vitimas mortais nem feridos graves há uma outra questão que legitimamente preocupa as pessoas que são os danos materiais. Em termos de atividade económica, de habitação e de bens a que dedicaram toda uma parte dessa vida e que veem desaparecer. E aí é preciso ter uma grande compreensão, porque não vale a pena comparar com outros incêndios.

P – Senhor Presidente não desista desta causa, não desista de nós.

MRS – Está aqui o presidente da câmara, responsáveis e o governo esteve aqui ontem. Há uma reconstrução e um reordenamento a fazer no futuro…

P – Ardeu o setor primário, o principal…

MRS – Exatamente, eu sei. Uma das perdas fundamentais é a da própria floresta, que é um bem em si mesmo. Portanto, este esforço de reconstrução é ainda mais difícil, mais longo e menos compreensível do que o do combate imediato. Vai demorar anos. Quem trabalha o solo sabe isso.

MRS – Eu não queria entrar numa apreciação. Como disse, estamos numa época que é o mesmo que estar no começo de uma guerra e estar a fazer um balanço imediato do que aconteceu até esse momento. A guerra ainda não terminou e, mais, esta batalha também não. Portanto, a análise será feita no final, como balanço, mas não neste momento.
Não obstante, queria que pensassem o seguinte: sente-se que a população está hoje muito mais exigente em termos de proteção civil e de segurança do que estava há 10 anos ou mais… Nessa altura não haviam mecanismos de financiamento pelo Estado de danos provocados pelos fogos. Apagavam-se os incêndios. Se houvessem danos materiais dizia-se que problema era das pessoas. Não havia, sequer, apoio no caso de vitimas mortais ou de feridos graves. Por outro lado, tivemos no ano passado uma experiência traumática. Portanto, o que se tentou entre novembro do ano passado e maio deste ano, foi retirar lições, nomeadamente através da comissão independente, que elaborou um relatório, já apresentado este ano, e em que várias das questões aqui levantadas são importantes, nomeadamente a conjugação do papel das forças armadas, da GNR, dos bombeiros, dos corpos especiais, proteção civil, estruturas locais e autarcas. Digamos que com o tempo disponível para retirar as lições do ano passado e montar mecanismos preventivos foi feito um grande esforço de prevenção junto das populações. Quem olha para a intervenção e, por isso, é que tem de se esperar algum tempo para fazer a análise disto, pensa desta maneira: porque é que em muitos casos os meios disponíveis não intervieram mais e mais cedo e de outra forma? Porque é que o exército interveio de uma maneira e não de outra? E os bombeiros? Porque é que eles não agiram mais cedo, e ainda com menos meios, num fogo que podia assumir grandes dimensões e que envolveriam muitas unidades para além dos bombeiros locais? Aqui entram os mecanismos de comando que já não são do plano local. Quem olha para isso e vê de fora e quem é da terra tem muitas dúvidas que merecem ser serenamente analisadas e lembradas terminada esta batalha e esta guerra. E agora, também têm de compreender, sem querer antecipar nenhum juízo, que houve aqui uma definição e uma prioridade que foi na medida do possível, proteger as populações na vida e saúde. Isso tem consequências no sentido em que leva a certas intervenções viradas para esse objetivo, para que se combata o fogo sem casualidades humanas. Hoje essa é a prioridade um pouco por todo o mundo. Por isso é que em Valência foram evacuadas três mil pessoas e na Califórnia 21 mil, para evitar mortes e feridos. É um esforço brutal. Pode discutir-se depois se isto foi bem feito ou não. É sempre uma situação dramática, de stress na intervenção. Se alguém deixa de agir atempadamente e houver um morto irão dizer que tinham tido a obrigação de intervir para o evitar.
Naquele momento, imaginam o que é o dilema de cada pessoa de saber ponderar o grau e a forma de intervenção. Visto depois, com frieza, talvez atendendo à idade, à condição e à situação em que se encontravam as pessoas o tipo de intervenção foi demasiado drástico, inciso e coercivo. É uma ponderação difícil.
Vamos admitir agora o problema da questão da estratégia de combate que é adotada. Pelo conhecimento do terreno é evidente que fogos com uma certa dimensão exigem a intervenção de unidades que vêm de fora e aqui que têm o problema com a questão dos terrenos, de adaptação e de ajustamento às condições meteorológicas. Várias vezes se pensa que está controlado e depois descontrola.
Já se percebeu que o grau de exigência dos portugueses é muito alto, que as alterações climáticas são cada vez mais evidentes e que o que sucede levanta problemas que são cada vez mais complexos. Vamos fazendo o balanço e vamos aprendendo com a lição ano após ano.

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