Justiça
Editorial publicado na edição 476, de 28 de julho de 2023
A justiça, ou, diga-se, a ideia de justiça, é talvez o único ponto de desconexão do Homem com a Natureza ou, se se quiser, com a Criação. O reino animal e o reino vegetal desenvolvem-se pelos princípios da selecção natural, onde o mais forte e adaptável subjuga o mais fraco ou inadaptado, que acaba por se extinguir. No reino vegetal e no reino animal há cooperação e até solidariedade episódica e de sentido familiar ou de grupo nalguns animais. No reino vegetal, em recentes investigações, também se encontraram relações de cooperação e de subjugação.
Porém, o sentido de dar a cada um o que precisa ou que merece, a igualdade de oportunidades, a recompensa e o castigo, são realidades só presentes na espécie humana. O ser humano é o vivente mais frágil e dependente que existe e o que de mais tempo precisa para ganhar autonomia e capacidade de sobrevivência em isolamento. Ora, é essa fragilidade que lhe criou, ou ampliou, os sentimentos de carinho e afeição e lhe desenvolveu o instinto de cooperação e entre-ajuda. E isto fez o Homem separar-se em desenvolvimento cognitivo do resto dos animais dando-lhe a convicção que era racional por oposição a todos os outros que seriam irracionais.
Ao longo do seu percurso evolutivo o ser humano, sempre quimicamente ajudado por poderosas hormonas que lhe estimulam os sentimentos e as sensações, também desenvolveu sentimentos negativos, tipicamente seus, como o ódio, a inveja, o ressentimento, a ambição etc. Então é aqui que a justiça aparece e actua, como elemento moderador e pacificador, estabelecendo o equilíbrio entre aquilo que em cada momento e local a sociedade humana considera ser bom, e ser mau, e ser de sancionar positivamente através de prémio ou negativamente através de punição.
(Texto escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico)