José Manuel Chula: «O que falta à Igreja é a capacidade de mostrar a felicidade que vem de Deus»
José Manuel Chula, monchiquense, 26 anos, foi ordenado sacerdote no passado dia 26 de junho. Descendente de uma família cristã, entrou para o seminário para não ter de escolher entre o trabalho e a universidade foi percebendo «nas pequenas coisas que realmente o caminho da minha felicidade e da realização enquanto pessoa poderia muito bem passar por ser padre». Logo após a ordenação, confessa que sente «o sacerdócio como uma coisa natural», algo que faz parte daquilo que é como pessoa.
Jornal de Monchique – Foi ordenado sacerdote no passado dia 26 de junho…
José Chula – Muitas pessoas podem pensar que já está, porque ainda há a mentalidade de que quando se chega a padre já se conseguiu o que se queria. E não é assim. Agora é que começa. Agora é que estou em condições de fazer aquilo que quero, nomeadamente pôr a minha vida ao serviço dos outros. Dar-me naquilo que vai sendo diariamente necessário.
Para mim o ser padre é isso. É o dar. Posso dizer que estou completo a seguir à ordenação, mas completo para começar o serviço.
JM – Qual o serviço é que mais gostaria de desempenhar?
JC – Eu acho que quem se entrega ao sacerdócio, sendo certo que tem apetência para muitas outras coisas, tem de disponibilizar-se para aquilo que faz falta e não para aquilo que lhe apetece ou prefere fazer. O ser padre é entregar-se para tudo, não apenas para aquilo de que gosta.
JM – O que sentiu quando se tornou sacerdote?
JC – No dia da ordenação e nos dois dias a seguir, talvez um pouco ao contrário daquilo que estava à espera, senti-me completo.
JM – Como é que soube que queria ser padre?
JC – Foi algo que foi surgindo na minha vida. Até ao último ano do secundário não estive muito preocupado com o que é que queria ser, mas padre não era uma opção. Durante o 12.º ano convidaram-me para ir fazer um retiro de catequistas e, depois, lá, para ir para o pré-seminário. Entretanto, comecei a achar uma boa ideia entrar para o seminário. Vim depois a perceber que eu queria entrar para o seminário para não ter de escolher entre ir trabalhar e ir para a universidade.
A dada altura desse primeiro ano no seminário de Faro, apercebi-me de que apesar de não ter entrado para lá porque queria ser padre, estando lá, sentia-me bem. Fui amadurecendo essa ideia, entretanto fui para Évora, e foi crescendo em mim o sentimento de que o Senhor me chamava a dar a minha vida como padre.
JM – Como se dá esse chamamento?
JC – É uma coisa que se vai sentido cá dentro. Não é de repente, fui percebendo aos poucos. Uma das primeiras vezes que senti realmente que, se calhar, o meu caminho passava por ser padre foi no lausperene diocesano em cinco minutos que fui à Sé de Faro. Recordo-me de que, nessa noite, a minha oração foi algo tão simples como «está tanta gente aqui na igreja a rezar para haver padres, pelas vocações, pelos seminaristas, por mim. Eu tenho de dar resposta».
Fui percebendo nestas pequenas coisas que realmente o caminho da minha felicidade e da minha realização enquanto pessoa poderia muito bem passar por ser padre.
JM – O que guarda do seminário?
JC – Aquilo que eu guardo para a minha vida, mais do que os muitos ensinamentos, são as muitas amizades. O seminário é a casa onde nos formamos, onde nos preparamos para ser padres mas, para mim, foi um sítio onde fiz belas amizades, com os seminaristas e com gente que conheci de fora. No fundo, trago do seminário mais do que a formação formal, uma formação informal a nível de amizades e contacto com as pessoas que me faz ser aquilo que sou hoje.
JM – A sua família é tradicionalmente cristã e bastante ligada à Igreja. No que é que isso o influenciou?
JC – Eu diria que, diretamente, nada. Nesse aspeto sempre tive uma enorme liberdade. Aquilo que eu considero que foi influência da minha família foi na minha formação enquanto pessoa. Tornaram-me numa pessoa que está mais preocupada com os outros do que propriamente consigo e isso, no fundo, é algo que é transversal a todas as pessoas e, necessariamente, a um padre.
JM – O que é que eles disseram quando comunicou a decisão de seguir para padre?
JC – Comunicar a decisão de seguir para padre, nunca o fiz. Eu comuniquei, sim, que estava a pensar entrar para o seminário,. Recordo-me de que comentei isso com a minha mãe e num dia, ao jantar, ela perguntou-me se já tinha comunicado a minha decisão ao meu pai. Falei com ele nesse dia e a reação foi, simplesmente, fazer-me uma série de perguntas no sentido de perceber se era isto que eu queria e qual a maturidade da minha decisão. Entretanto, entrei para o seminário e tal como em mim foi amadurecendo a ideia de ser padre, também a minha família, aos poucos, terá percebido que realmente este era o caminho.
JM – Que padre quer ser?
JC – Essa questão tem muito que se lhe diga… Eu acho que o único tipo de padre que vale a pena ser é aquele que as pessoas olhem e pensem: é um bom homem, é um bom padre, independentemente daquilo que se faz ou das causas a que se dedica. No fundo, o que desejo para mim é que me recordem como alguém que, ao longo da vida fez tudo para aproximar Deus das pessoas e as pessoas de Deus. Ser realmente o Bom Pastor que leva as pessoas até Deus, sendo que o Bom Pastor é sempre o próprio Senhor. A missão do padre é esta, ser a presença de Deus na vida das pessoas e que isso influencie as suas vidas positivamente.
JM – Quem é Deus para si?
JC – É aquele amigo que a gente pode recorrer que está lá sempre e que nos ajuda. É aquele que nos pede para nos entregarmos e não temos outra hipótese, porque a felicidade passa por aí.
Eu costumo dizer que em qualquer homem ou mulher a sua aspiração mais profunda é a felicidade. Não é necessário ter Deus nas nossas vidas para sermos felizes, mas não tenho a mínima dúvida que com Deus nas nossas vidas seremos muito mais felizes. É esta certeza que me faz olhar para Deus como um amigo e um guia em que posso confiar e é aí que está a felicidade.
JM – Que desafios se propõem atualmente à Igreja e principalmente aos jovens padres?
JC – O que falta à Igreja é a capacidade de mostrar a felicidade que vem de Deus. Muitas vezes, vamos à igreja, acreditamos, professamos, mas falhamos no que toca a mostrar a felicidade e que estamos na igreja porque nos sentimos bem, gostamos de lá estar e estamos alegres. É este testemunho do dia a dia que falha, de assumirmos que somos cristãos. Acho que foi um exemplo por estes dias Fernando Santos, depois de ter ganho o Campeonato da Europa, ter começado por agradecer a Deus. É isto que nos falta. O não termos absolutamente vergonha nenhuma, antes pelo contrário, de sermos cristãos.
Ser cristão passa por testemunhar a importância de Deus nas nossas vidas e talvez um dos problemas da igreja de hoje em dia seja este medo de ser posto de parte por causa disso.
JM – E donde vem esse medo e essa vergonha?
JC – Talvez, digo eu, por mostrar a alegria. Toda a gente ia à igreja antigamente e quem não fosse parecia mal. Agora, é menos aliciante estar na igreja, porque quem está não mostra alegria de estar. Não me parece que se realmente aqueles que vão à igreja mostrassem como a sua vida é alegre, os de fora possivelmente iriam sentir-se motivados a ir também, talvez passe um pouco por aí. Uma coisa leva à outra.
O problema está tanto no altar como na assembleia. Por um lado o padre tem maior responsabilidade, sem dúvida, mas por muito que o padre faça, quando as pessoas que estão na assembleia saem da igreja e não mostram que são alegres por serem cristãos, o padre não faz milagres.
JM – Quase que está na moda não ser cristão…
JC – Esse é o grande problema e os cristãos acabam por se esconder. Temos de ser alegres, ter coragem, de fazer que todos aqueles que estão à nossa volta percebam que somos felizes por sermos cristãos.
JM – Fala muitas vezes da felicidade e da felicidade do que é ser cristão. O que é a felicidade?
JC – Sinto, sem dúvida, que sou mais feliz porque sou cristão. E tenho a certeza de que daqui para a frente serei muito mais feliz, seguindo Jesus diariamente na minha vida e respondendo ao chamamento de Deus. Sei que sendo padre tal como Deus me chamou, serei mais feliz do que fazendo qualquer outra coisa.
JM – É um homem livre?
JC – Totalmente. A liberdade é não ter medo de enfrentar o que quer que seja por aquilo que quero. Dando um exemplo simples: se eu não fosse um homem livre e me deixasse prender por questões exteriores, se calhar, tinha-me deixado arrastar pela sociedade pelo medo de ser posto de parte. Eu sou livre. Fui capaz de tomar a escolha que achei melhor para a minha vida, sem medo nenhum do que possa vir de fora. Acho que a liberdade é não haver absolutamente nada que influencie a nossa vida e que nos faça não tomar as nossas escolhas por medos exteriores.
JM – Monchique é o concelho algarvio que maior número de sacerdotes e vocações consagradas tem dado à Diocese. A que é que isso se deve?
JC – Não consigo dizer que seja por uma ou outra razão, mas por um conjunto de circunstâncias. Talvez se viva num ambiente mais cristão do que outros sítios…
JM – Qual é sua opinião sobre o celibato?
JC – Quando Deus chama para algo, capacita esse alguém para aquilo que chama. Se Deus chama alguém para ser padre dá-lhe a capacidade para assumir aquilo que é necessário para ser padre. O celibato é uma dessas coisas.
Já no primeiro século se começa a falar da necessidade do celibato para os padres. Não foi sempre assim, mas desde o início da Igreja se percebeu que o caminho passava por aí. O celibato é uma questão de disponibilidade, de estar mais dedicado às pessoas e mais identificado com Cristo.
JM – Não é um alheamento da realidade…
JC – Não, pelo simples facto que é necessário ser sinal. Esta questão do celibato é uma marca daqueles que se entregam a Deus numa forma mais visível. No entanto, quem casa e vive o seu matrimónio como cristão é também uma forma de entrega a Deus tão bela como o sacerdócio. Ambos os sacramentos têm os seus pontos bons e maus. A vida atira-nos sempre dificuldades para nós resolvermos independentemente daquilo que escolhemos. A felicidade e o verdadeiro testemunho cristão é enfrentar essas dificuldades. É uma questão de aceitação daquilo que Deus nos dá.
Além disso, não me parece que o celibato seja uma questão que venha a mudar, porque já desde o início da Igreja que tem havido um movimento interno contra o celibato, mas nos momentos mais importantes e mais decisivos da história, o caminho que a Igreja escolhe é sempre este. O celibato, a se manter, é um grande bem para a Igreja.
JM – Poderá a Igreja Católica estar a modernizar-se?
JC – Com a questão da modernização na Igreja é preciso ter muito cuidado, para não perdermos aquilo que é o essencial. Por causa disso as mudanças na Igreja costumam ser mais lentas para se ter a certeza de que não estamos a fugir àquilo que é importante.
JM – E quanto às mudanças que atualmente se vivem no seio das famílias. Qual é a posição da Igreja?
JC – É um ponto que a Igreja precisa de refletir muito bem para que as alterações a fazer não desvirtuem aquilo que é essencial. É necessária uma alteração até porque a Igreja tem de se adaptar à sociedade, que mudou muito nos últimos tempos.
Nestas questões é preciso olhar mais com misericórdia do que com a lei. É necessário olhar às situações e às pessoas, focando sempre no bem espiritual, podendo-se umas vezes seguir a lei e outras a misericórdia.
Para ser Igreja nesta sociedade é preciso mostrar que o Pai quer acolher todos os seus filhos independentemente das vidas que vão tendo, porque, no fundo, todos procuramos a felicidade que está em Deus. Quando afastamos alguém da Igreja, estamos a negar a felicidade a essa pessoa.
JM – A atual Igreja do Papa Francisco é diferente da de Bento XVI?
JC – Não. A Igreja é absolutamente a mesma. O que muda é o estilo de pessoa e de comunicação de quem está à frente. O Papa Francisco ainda não disse absolutamente nada que seja novidade para a Igreja. Apenas o diz de uma forma mais leve, mais fácil de perceber. O Papa Bento XVI era um homem académico, um técnico, mas profundíssimo na forma como falava. O Papa Francisco tendo um estilo diferente, mais aberto, mais virado para o povo, é muito menos profundo, mas diz as coisas de uma forma que qualquer pessoa o entende.
JM – Que retrato faz da Igreja atual?
JC – É um lugar onde as pessoas continuam a recorrer, porque sabem que independentemente de tudo, ela é um porto seguro. A Igreja continua a ter uma enorme influência na sociedade, talvez não tanto como a que já teve, mas isso não tem de ser mau, assim a Igreja é mais livre para fazer aquilo que lhe compete. É um local onde todos sabemos que, cada um à sua medida, se pode aproximar de Deus. A Igreja tem de ser hoje em dia um local onde as pessoas se abrigam e onde são bem acolhidas.
JM – De que forma motivaria alguém a seguir o caminho que percorreu até aqui?
JC – Não sei se motivaria alguém a seguir o meu caminho, motivava, sim, alguém a procurar a felicidade em Deus. Eu acho que a questão é mais do que perguntar logo se alguém quer ser padre ou tentar influenciá-lo… temos de questionar sobre qual o caminho a seguir. No fundo fazer perceber a quem quer que seja que em Deus está a felicidade, que deixando que Deus preencha as nossas vidas seremos realmente felizes independentemente de sermos padres ou estarmos casados. Quando temos Deus nas nossas vidas Ele próprio se encarregará de nos apontar o caminho da felicidade.