José Joaquim “Grande”, natural de Marmelete e o último condenado à morte em Portugal por crimes civis, em 1846
Este texto sobre José Joaquim “Grande” inspirou-se nos artigos que sobre ele foram publicados na imprensa durante o ano de 2017, no âmbito da efeméride dos 150 anos da abolição da pena de morte em Portugal, o que aconteceu com a lei assinada pelo rei D. Luís e datada de 1 de Julho de 1867.
José Joaquim, por alcunha José “Grande” terá sido o último condenado à morte em Portugal por crimes civis.
Foi executado em Lagos, a 22 de Abril de 1846, não se conhecendo qualquer outra execução similar depois desta data.
Antes dele tinham sido supliciados Manuel Pires, de Vila da Rua/Moimenta da Beira, a 8 de Maio de 1845; e José Maria “Calças”, no Campo do Tabolado, em Chaves, a 19 de Setembro de 1845.
No seu assento de óbito, lavrado após a execução diz-se que «era natural de Marmelete», Monchique, onde calculámos que terá nascido entre 1790 e 1800, mas nos assentos consultados torna-se muito difícil individualizá-lo entre os muitos homónimos, que aparecem nos assentos de baptismo desses anos.
Além da sua data de nascimento, desconhece-se também a sua filiação e outra genealogia, e mesmo a profissão que exercia e o local onde morava.
No entanto, segundo o historiador José António Martins, que consultou outras fontes, José Grande teria nascido em Lagos e apenas os avós paternos seriam de Marmelete.
Nesse tempo ser “natural de Lagos” podia significar que residia nesta cidade, como aliás é frequente documentar-se.
Ainda segundo este investigador José Joaquim Grande morreu condenado por um homicídio violento, antecedido da violação de Bernarda, criada do seu padrinho de casamento, o major António Ferreira da Silva, que terá cometido em meados de 1833 quando era guerrilheiro miguelista e pelo qual já antes tinha sido julgado e libertado, depois de ter sido detido pela primeira vez.
O único dado que nos ajudaria em termos genealógicos poderia ser o assento do seu casamento com Teresa das Dores, que parece que terá sido celebrado a 10 de Maio de 1830, quando tinha 28 anos. No entanto, nesta informação encontrada na net não consta a freguesia onde terá sido solenizado, que não foi nas paróquias de S. Sebastião, Santa Maria e Odiáxere, de Lagos.
Conhece-se o acto de execução do nosso biografado, através do seu assento de óbito e de uma acta da Santa Casa da Misericórdia de Lagos.
No assento de óbito diz-se que «Aos vinte e dois dias do mês de Abril de 1846 foi enforcado em a Praça de Armas desta Cidade por sentença no patíbulo, que para isso se levantou por ordem superior sendo juiz de Direito José Cordeiro Gullão (?), o Reo José Joaquim, por alcunha José Grande tendo entrado no Oratório da igreja de Santo António no dia 20, pelas sete horas da manhã, e acompanhado de noite e de dia pelo clero desta Vigairaria».
O documento avança ainda que o réu foi confessado e viatiado no dia vinte e um, que era natural de Marmelete e viúvo de Teresa das Dores, e que depois de morto foi enterrado no cemitério de Santa Maria.
O termo foi assinado pelo cónego prior António Caetano da Costa.
Também numa acta da Santa Casa da Misericórdia de Lagos, datada do dia da execução, se lavrou a informação de que se precedeu ao «acompanhamento do réu José Joaquim Grande, condenado à pena capital» e que o condenado, depois de executado «foi retirado da forca e o seu corpo sepultado pela Misericórdia no cemitério da Freguesia», que como vimos era o de Santa Maria.
Como era habitual neste tempo, à sua morte assistiram as principais autoridades, as corporações, os irmãos da Misericórdia, e também muito povo, pois as execuções tinham laivos de festa popular.
Não se compreende esta execução pública, assim como as duas anteriores, num tempo em que a maioria das condenações à pena capital eram comutadas em desterro para as colónias, onde havia falta de povoadores e muita terra para povoar.
Para além de uma contenda política e mesmo vingativa, que podia andar associada aos crimes pelos quais os réus foram acusados, cremos que estas execuções públicas se devessem a uma teimosia de alguns juízes de Direito, que viam nelas uma maneira de afirmar o seu poder e ambições políticas, e não para demover os criminosos.
Sobre esta execução poderá ter pesado a então frágil situação política do reino e a necessidade do poder se sentir popularmente apoiado, pois estávamos em plena Revolução da Maria da Fonte, que abalaria o poder cartista dos Cabrais, cujos reflexos se sentiram por todo o país e que seguidamente levariam à guerra civil da Patuleia.
A pena de morte para crimes civis seria abolida, alguns anos depois, pela Lei de 1 de Julho de 1867, no reinado de D. Luís, tendo a proposta partido do ministro da Justiça Barjona de Freitas e sido submetida à discussão na Câmara dos Deputados, onde apenas teve oposição de um deputado. Transitou depois à Câmara dos Pares, onde foi aprovada.
A abolição deste tipo de pena de morte colocaria Portugal entre os primeiros do mundo a acabar com este tipo de condenação, um acto que foi louvado pelo grande escritor francês Victor Hugo, em carta enviada ao Diário de Noticias e endereçada a Eduardo Coelho, o fundador do jornal, datada de Hauteville-House, 2 de Julho de 1867 e publicada na edição do dia 10 seguinte, que começa assim: «Está pois a pena de morte abolida nesse nobre Portugal, pequeno povo que tem uma grande história».
No entanto, a pena de morte manteve-se no código militar e foi aplicada várias vezes, a última das quais a 16 de Setembro de 1917, no âmbito da 1. ª Guerra Mundial, na pessoa do soldado motorista João Augusto Ferreira de Almeida, de 23 anos, só sendo completamente abolida na Constituição de 1976.
Notas e Bibliografia
ADF, Óbitos, Santa Maria de Lagos, 1832-1855 (1846), p.104.
Última condenação à morte em Portugal aconteceu em Lagos em 1846
Manuela Goucha Soares, “Foi enforcado em Lagos José Joaquim: uma história que mete política e um crime hediondo”, in Expresso, de 01.07.2017.
https://sites.google.com/site/cemallagos/jose-carlos-vasques/algumas-reflexoes-sobre-a-misericordia-de-lagos (28.09.2017).
Leonídio Paulo Ferreira, «Quando Victor Hugo elogiou Portugal por abolir a pena de morte», Diário de Notícias, de 02.12.2017; https://www.dn.pt/portugal/interior/quando-victor-hugo-elogiou-portugal-por-abolir-a-pena-de-morte-5580047.html
Vide: http://www.historiadentro.pt/o-ultimo-executado-portugues/ (28.09.2017).
VASQUES, José Carlos, Algumas Reflexões sobre a Misericórdia de Lagos, Centro de Estudos Marítimos e Arqueológicos de Lagos, Internet.
Uma notícia no jornal lisboeta Diário Illustrado, de 21.10.1874 informava que o cabo de esquadra Manuel Tomás tinha sido condenado à morte por fuzilamento, em Conselho de Guerra na cidade da Guarda, por ter «pretendido agredir o capitão de Infantaria 12 Manuel dos Santos».
SAMPAIO, José Rosa, A Revolta da Maria da Fonte e a Guerra Civil da Patuleia em 1846-1847. Os seus Reflexos no Concelho de Monchique, 2015.
– A Justiça em Monchique em Tempos Passados: a Aplicação da Pena de Morte, 2015.
– A Guerrilha do Remexido no Concelho de Monchique, 3.ª ed., 2013.
– Os Juízes de Fora do Concelho de Monchique (1773-1835), 2.ª ed., 2014.
– O Poder Judicial em Monchique: Julgados e Comarcas, 2.ª ed., 2014.
– A Segurança Pública em Monchique: dos Quadrilheiros e Cabos de Polícia à Guarda Nacional Republicana. O Tronco e as Antigas Cadeias de Monchique, 2015.
– Os Antigos Juízes de Paz do Concelho de Monchique (1826-1944), 2014.
– Os Antigos Regedores das Freguesias do Concelho de Monchique (1836-1976), 2014.
– Preconceitos e Descriminações em Monchique nos Séculos XVII-XIX: Deficiências Físicas, Doenças, Alcunhas, Pobreza e outras Adversidades, 2017.
– Dramas e Violências em Monchique nos Séculos XVII-XIX, 2016.
(Texto escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico)