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Há um mapa neuronal que guia os movimentos dos animais

Imagine poder olhar para dentro do cérebro e observar a atividade de centenas de neurónios de um animal em movimento? Agora, com miniaturas de microscópios móveis acoplados à cabeça de ratinhos, isso já é possível e os resultados levaram à descoberta de um mapa que é usado pelo cérebro para guiar os nossos movimentos.

Um novo estudo revelou que no estriado, uma estrutura que se localiza numa zona profunda do cérebro, os movimentos que um animal pode fazer estão representados num mapa de atividade neural. Se pensarmos na atividade neural como sendo as coordenadas deste mapa, então os movimentos mais parecidos têm coordenadas semelhantes, estando assim mais próximas no mapa, enquanto as ações que são mais diferentes têm coordenadas mais distantes e estão por isso mais afastadas.

O estudo, liderado por cientistas da Universidade de Columbia e do Centro Champalimaud, foi publicado a 30 de Agosto na revista científica Neuron (10.1016/j.neuron.2017.08.015).

“Dos ouvidos aos dedos dos pés, cada movimento que o corpo faz é determinado por um padrão único de atividade de células cerebrais, mas até agora, e usando a analogia do mapa, só sabíamos algumas latitudes e longitudes, mas não conhecíamos o mapa. Este estudo permitiu-nos ver este mapa pela primeira vez”, disse Rui Costa, neurocientista e investigador principal no Centro Champalimaud, em Lisboa e no Columbia’s Mortimer B. Zuckerman Mind Brain Behavior Institute, E.U.A.

Rui Costa e o seu grupo realizaram grande parte deste estudo no Centro Champalimaud, antes de completar a análise nos E.U.A.

 

Um snapshot da atividade neural

O estriado é uma estrutura do cérebro que se sabe estar envolvida em muitos processos, nomeadamente na aprendizagem e aperfeiçoamento de movimentos. Por exemplo, um pianista só consegue aquele concerto perfeito graças à atividade do seu estriado. Alguns estudos iniciais argumentaram que existiam dois tipos de neurónios no estriado responsáveis pelo envio de dois tipos de sinais: “ir” ou “não ir”, e que era da combinação desses dois sinais – que funcionavam como um acelerador e um travão – que resultava num movimento. No entanto, o trabalho de Rui Costa e da sua equipa tem revelado que a realidade é muito mais complexa e que ambos os tipos de neurónios contribuem para o movimento de maneira muito específica.

“O que importa não é quão ativa cada população de neurónios está, mas sim os seus padrões específicos de atividade”, explica o investigador. “Por outras palavras, o importante é saber quais são os neurónios que estão ativos num momento particular, e que tipos de movimentos, ou comportamentos, corresponderam a essa atividade”.

A chave para observar a atividade neural durante o comportamento natural foi conseguir que ratinhos pudessem mover-se livremente e naturalmente. Para isso, a equipa acoplou miniaturas de microscópios móveis às cabeças dos ratinhos. Isto permitiu registar os padrões individuais de atividade de até 300 neurónios no estriado. Ao mesmo tempo, cada ratinho estava equipado com um acelerómetro, como um Fitbit em miniatura, que registava os movimentos do ratinho.

“Já tínhamos registado a atividade de neurónios do estriado, mas neste estudo pudemos registar 200 a 300 neurónios ao mesmo tempo, com a resolução de célula única. Isto permitiu-nos olhar para a dinâmica populacional com grande detalhe dentro de uma estrutura cerebral profunda. Além disso, para este estudo modificámos geneticamente os ratinhos para que os seus neurónios fossem visíveis quando estavam ativos, o que nos permitiu medir populações neuronais específicas. Isto deu-nos um acesso sem precedentes à dinâmica de uma grande população de neurónios numa estrutura profunda do cérebro,” diz Gabriela Martins, investigadora pós-doutorada e um dos principais autores deste estudo.

 

No caminho para a compreensão da dinâmica estriatal

Com o contributo de Liam Paninski, um estatístico e investigador principal no Zuckerman Institute, os cientistas desenvolveram um método matemático para remover qualquer ruído de fundo que os dados tivessem. O resultado foi uma janela clara dos padrões de atividade neuronal, que poderão servir de base para um catálogo completo ou repertório de movimentos.

“Para cada tipo de movimento, há um padrão particular de atividade cerebral. Assim, se observamos um determinado padrão, podemos prever o tipo de movimento que irá resultar”, acrescentou Rui Costa.

No estriado, há uma organização que não é aleatória, onde os neurónios que estão ativos em conjunto tendem a estar mais próximos no espaço. “Isto, novamente, implica que podemos aprender muito mais sobre a atividade neuronal e como ela se relaciona com o comportamento ao considerar padrões detalhados de atividade de conjuntos de neurónios em vez de olhar para a sua atividade média”, diz Andreas Klaus, investigador pós-doutorado e um dos principais autores deste estudo. Esta representação mapeia o repertório completo de possíveis ações. “As ações mais parecidas estão representadas de uma forma mais semelhante e as ações mais diferentes são representadas de forma mais diferente. “Este mapeamento reflete a semelhança entre as ações, além de aspetos de velocidade de movimento”, acrescentou Andreas Klaus.

 

Interpretando padrões de atividade cerebral para eventualmente os reparar

Como é que os cientistas podem ler e interpretar estes padrões de atividade cerebral? “Imaginem que estão a olhar para a atividade do cérebro quando um ratinho faz um ligeiro desvio para a direita versus quando faz uma curva acentuada à direita. Em termos ainda mais abstratos, se movimento o meu braço direito e esse movimento for mais parecido com o andar do que com saltar, então esses movimentos deverão ser representados de uma forma mais semelhante. Um dos desafios é descobrir o que isto significa. Porque é que o padrão de atividade neural é mais semelhante para as ações que são semelhantes? Será que nos está a dizer algo sobre as partes do corpo ou os músculos que estamos a usar? Isto é algo que esperamos explorar para o futuro “, diz Rui Costa.

E acrescentou, “A descrição precisa da organização da atividade no estriado em condições normais é o primeiro passo para entender se, e como, essas dinâmicas são alteradas em distúrbios do movimento, como na doença de Parkinson”, disse Rui Costa. “No caso da doença de Parkinson, os especialistas tendem a concentrar-se nas interrupções de atividade neural como tendo um papel na doença, mas os nossos resultados sugerem fortemente que é o padrão de atividade e, especificamente, as interrupções desse mesmo padrão, que podem ser mais críticas na doença”.

Esta investigação marca um passo crítico na direção de um objetivo científico de longa data: desvendar como é que o cérebro gera comportamento. Este estudo revela também pistas sobre o que pode estar a acontecer no cérebro de pacientes com distúrbios caracterizados por movimentos interrompidos ou repetitivos – como é o caso da doença de Parkinson e do transtorno obsessivo-compulsivo.

 

Fundação Champalimaud

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