DestaqueLocal

Gastronomia alternativa ganha força em Monchique

(Reportagem publicada na edição 477, de 31 de agosto de 2023)

A gastronomia está a ficar mais diversificada em Monchique. Só este ano abriram o Grumpy Mamas e o Food k25, que propõem, respetivamente, pratos veganos e asiáticos. O Ceiceira Tasting Lounge, apesar de ter inaugurado em 2019, também só saiu verdadeiramente da barriga da mãe este verão. É uma adega que apresenta uma ementa de pratos do mundo, sobretudo americanos, com laivos de Monchique. É só sair de casa, sentar e viajar por estes novos sabores, que a mesa já estará posta.

Se ainda pensa que Monchique é apenas terra de chouriça, milhos aferventados e grão com massa, é porque ainda não se aventurou pelo rainbow sushi burger e pela falafel budda bowl com batata doce crocante do Grumpy Mamas, pelos pokés de salmão e hot rolls do Food k25 e pelos ovos cozidos com compota de bacon e as waffles de queijo de São Jorge do Ceiceira Tasting Lounge. Depois de outros locais, como o Ochálá e o Velochique, terem rompido as hostilidades em Monchique com as suas comidas mais leves, saudáveis e inspiradas noutras partes do mundo, mais espaços têm apostado em opções gastronómicas fora da norma serrana. Só este ano abriram o Grumpy Mamas e o Food K25; e o Ceiceira Tasting Lounge, apesar de ter inaugurado em 2019, aproveitou os tempos incertos da pandemia para definir melhor o seu conceito gastronómico, só tendo mesmo reaberto em junho passado.

Para se apanhar o Grumpy Mamas de portas abertas, é preciso memorizar bem o seu horário de funcionamento, porque o espaço só está aberto de quarta a sexta, entre as 10h e as 15h. A razão está implícita no nome do estabelecimento, cujo conceito combina pastelaria, restauração e também mercearia: são duas mães que estão à frente do negócio, uma com dois e a outra com três filhos, as quais vivem, por isso, com o seu tempo bem contado. Daí terem também um logótipo a fazer referência ao símbolo da mulher trabalhadora criado por altura da segunda guerra mundial.

Apesar deste horário reduzido, o trabalho destas “mães rabugentas” (segundo a tradução literal do nome do espaço, que surgiu de uma conversa com os filhos um dia em que estavam todos na cozinha e estes lhes chamaram “grumpy” quando lhes foi pedido para estarem quietos) não pára mesmo nos dias em que o espaço está fechado. Isto porque tentam fazer praticamente tudo caseiro, desde os molhos até às bebidas tipo kombucha e sodas (2,50 euros) das mais variadas frutas, passando pelo pão, que é de fermentação lenta, pelo que tudo precisa de ser preparado com antecedência.

Polenta sobre lentilhas, com salada, guacamole e um drizzle de molho cremoso de limão

Quando abriram em fevereiro, houve muitos que entravam por curiosidade, “só para espreitar” este novo espaço em Monchique onde há tempos existira a famosa Pastelaria Ana Maria, conta Nadine Müller, que tirou um curso em gestão de hotelaria em Berlim e está mais encarregue do antendimento aos clientes. Nos bastidores está Zaira Bissig, que é quem desencanta os bavaroises de três andares com leite de coco e tâmaras, os bolos de snickers (3 euros por fatia), os rolinhos de canela (2 euros), bem como as refeições veganas coloridas (por volta dos 8 euros) cuja conjugação de sabores “é difícil de encontrar” noutros lados. Zaira estudou cozinha ayurvédica na Suíça e tem uma vasta experiência em buffets de hotéis e caterings. Antes de abrirem o Grumpy Mamas, as duas já tinham colaborado juntas no espaço Ceiceira e depois ainda compraram uma food truck, para a qual ainda aguardam as licenças de forma a poderem “dar apoio à vila” quando houver eventos, diz Nadine.

Se no início muitos só pediam um café biológico (1,50 euros), a partir do momento em que se deram conta das comidas que iam atravessando a sala, a água começou a crescer-lhes na boca. “As pessoas estão a ficar mais abertas. Muitas vezes, as filhas trazem as mães, as mães já trazem uma amiga ou vizinha e depois ficam todas ‘ah, vamos ali ao vegano’. Como se fosse assim uma coisa… uma coisa fora do costume”, observa Nadine.

Agora já têm clientes regulares, como os que vêm pela manhã sentar-se na esplanada com desejo de um café e de um rolinho de canela, as crianças que procuram o “nice cream”, que leva apenas fruta, e aqueles que embarcam na viagem gastronómica completa, pedindo o prato do dia, uma kombucha e uma sobremesa. Quarta-feira é o dia do “sem glúten” e dos pratos mais asiáticos, quinta-feira está reservada aos hambúrgueres veganos e sexta é o dia das pizas. Embora tenham esta linha gastronómica definida, Nadine e Zaira têm o cuidado de ir mudando as receitas para garantirem sempre o fator novidade.

Além das comidas tentadoras, a questão dos preços também está a influenciar positivamente a adesão das pessoas, uma vez que “tentam sempre fazer o preço mais baixo possível”. Nadine confessa que “antes havia aquele medo de ser assim uma coisa chique e para o estrangeiro”, mas que já estão a conseguir passar a mensagem de que também é um lugar para o povo. “É para todos!”.

Ainda que nunca saibam bem quantas pessoas vão aparecer durante o dia, “a experiência está a ser super boa” e não estão a ter “impacto negativo nenhum”. Quem vem sai “muito contente”, refere Nadine. Até têm vindo pessoas de Carvoeiro ou de Lagos regularmente à procura dos seus produtos, em alguns casos por serem mais baratos, como os diferentes tipos de pães que fermentam sempre durante três dias, tornando-os “melhor para o estômago“. Há certos pães que vendem a 5 euros por unidade, quando em Lagos é 12 e em Aljzezur por volta de nove, compara Nadine. “Já justifica a gasolina”.

Além da parte da restauração, a ideia do Grumpy Mamas é também privilegiar os produtos locais e sustentáveis, bem como trazer a venda a granel de novo à baila. Pelo espaço veem-se, por isso, diversos produtos biológicos à venda, que vão desde farinhas, massas e patés de algas a produtos de cosmética e detergentes que cada um pode ir buscar com o seu próprio recipiente. O objetivo é terem mais produtos destes no futuro, mas embora haja “coisas tão boas aqui, não é fácil trabalhar com os locais”, nota Nadine, com um sorriso.

Restaurante Grumpy Mamas
Monchique, Rua Engenheiro Duarte Pacheco, 13
Tlm. 969 648 009


Um pouco mais abaixo, em pleno Largo dos Chorões, é possível que Kally Silva esteja na sua cozinha a experimentar novas combinações de sabores asiáticos para causar “uma explosão na boca” dos seus clientes. É preciso descer umas escadas para se entrar na “cave” deste jovem com raízes são-tomenses que ascendeu de copeiro a um cozinheiro viajado e com formação em diversos tipos de culinária.

O menu que se vê sobre as mesas do Food k25 é só a pontinha do icebergue, uma vez que muitas outras iguarias saem das mãos de Kally pelo facto de este personalizar os pratos consoante os gostos e vontades de cada cliente. “A cozinha está aberta e não tenho carta, tenho menus e vou fazendo algumas coisas como este prato novo”, explica Kally, apontando para a massa com cinco cogumelos diferentes que fez para o seu almoço e à qual está a pensar chamar de Massa k25. “O cliente vem e tem a opção de escolher [algo do menu, que vai rodando de tempos em tempos], mas eu posso fazer para o cliente um prato mesmo que não esteja lá, se ele quiser”, refere. Acontece o mesmo com o sushi: “Eu vejo-te, faço sushi de uma maneira para ti hoje e se tu vieres buscar amanhã, eu faço de outra maneira para ti. Assim vais descobrindo”.

Kally inaugurou o espaço em junho, no fim de semana do certame Vamos à Vila, mas ainda está a apurar o conceito que quer realmente apresentar a Monchique. Do que tem a certeza é que quer oferecer tudo menos “a mesma rotina, o mesmo bife, a mesma batata” que já existem noutros lados: as suas batatas vêm, por isso, com raspa de parmesão; no sushi inclui peixes fora do normal, como corvina, perca, dourada e robalo; em vez de cerveja e vinho, oferece águas detox e smoothies para acompanhar a comida; e, no geral, costuma temperar os seus pratos com algo crocante para aguçar a experiência gastronómica.

“Sou sempre fora da lei, e o restaurante e a carta são uma imagem disso. A minha tendência é fazer tudo ao contrário do que as pessoas fazem, para ser diferente”, diz Kally, que, querendo voar o mais alto possível, desde que tirou o curso na Escola de Hotelaria e Turismo do Algarve, já andou por países como Bélgica, Noruega ou as Ilhas Canárias a trabalhar numa brigada da cozinha da comissão europeia e a aprender com chefs que participaram no programa Master Chef, bem como foi à Turquia investigar sobre especiarias e, mais recentemente, trabalhou em vários restaurantes no Algarve.

Quando decidiu vir para Monchique com a sua companheira, que é monchiquense, “para ter calma e paz”, Kally começou a fazer sushi e outros pratos em casa, vendendo por encomenda com bastante sucesso. Algum tempo depois, soube através de um amigo da existência de um espaço no centro da vila que esteve abandonado durante vários anos e não perdeu tempo a agarrar a oportunidade. Também na montagem do espaço quis marcar diferença, dispondo, por isso, mesas e cadeiras altas com o objetivo de torná-lo mais casual e também de organizar, por vezes, momentos de música ao vivo. “Eu quero que tu venhas, comas, te sintas bem, vás embora e digas ‘vou voltar amanhã outra vez’”, descreve. O que não falta são diferentes comidas para experimentar ao almoço e jantar, como tataki de atum (10 euros), o hambúrguer k25 sem glúten (9 euros), diferentes tipos de sushi (só de quinta a domingo, custando uma caixa com 8 peças 5,45 euros) ou o yakisoba de camarão (10,50 euros).

Kally quer ser um ponto de encontro entre “o pessoal da vila e os estrangeiros que vivem cá”, sobretudo nos tempos mais frios que se estão a aproximar e que são conhecidos por deixar a vila mais deserta. A ideia é ter uma esplanada aquecida que atraia as pessoas para um petisco, acompanhado talvez de um cocktail (que é outra novidade que Kally está a tentar fazer nascer em Monchique), com uma manta no colo e a ouvir a chuva a cair.

Restaurante Food k25
Monchique, Largo dos Chorões, 15
Tlm. 914 262 614


Antes de se entrar no interior do Ceiceira Tasting Lounge, já se ouve a música de fundo jazzy e agradável, que convida a entrar neste espaço que já tem história em Monchique. A grande janela com vista para a serra é o que salta primeiro aos olhos. Há uma certa tranquilidade que paira no ar, devido à decoração cuidada de Misha Evoy, que dá vontade de sentar e pedir um copo de vinho, porque, mais do que um mero restaurante, o Ceiceira Tasting Lounge é uma adega onde é possível degustar uma seleção de vinhos portugueses.

É sexta-feira, dia dos “fish and chips”. Mas com a particularidade de serem sem glúten, o que permite aos celíacos desfrutar da mesma comida que todos os outros, em vez de terem de ficar pela salada. Misha é do Alabama, o marido, Chris, que é produtor profissional de vinho, é britânco, e o cozinheiro, Gerard de Laure, é holandês. O menu, por isso, é uma sarapintada de culturas que junta opções mais saudáveis, como o vegan e o sem glúten, ao porco preto de Monchique e às “comfort foods” (“comidas reconfortantes”, numa tradução livre) americanas.

“O nosso objetivo é o enoturismo”, refere Misha, descrevendo que querem que as pessoas venham, “sem olhar para o relógio”, e desfrutem da carta de vinhos (que será de produção própria assim que tiverem as licenças para avançar com a plantação num terreno nos arredores da vila, o que está previsto para a primavera do próximo ano). Casa Cimeira (Douro), Quinta do Francês (Odelouca), Casa de Mouraz (Dão) e Prior Lucas (Bairrada) são alguns dos produtores com que trabalham de momento. Em 2019, quando abriram, começaram, por isso, apenas com algumas tapas, como presunto e queijo. “Demos por nós, crescemos de simples tapas a coisas cozinhadas, começando a brincar mais com os pratos”, conta Misha, acrescentando que a transição ocorreu de uma “forma orgânica, por acidente”. De certa forma, foram os próprios clientes, sobretudo residentes estrangeiros, que os empurraram para a restauração, uma vez que lhes iam dizendo que ”precisavam de algo diferente em Monchique”.

Estava fora de questão abrirem mais um restaurante tradicional, já que há muitos e bons aqui, que “sabem o que fazem” e com comida “deliciosa”, elogia Misha. Decidiram, por isso, enveredar por um conceito alternativo que preservasse, ao mesmo tempo, a ligação a Monchique. “Precisamos de ter cuidado com o que fazemos. Estamos em Monchique à mesma e queremos divulgar os produtos de Monchique. Não queremos que os turistas olhem para a ementa e pensem ‘oh, isto é tão Americano”, sublinha a responsável. Visam ser um sítio onde os moradores locais possam encontrar sabores diferentes e, ao mesmo tempo, onde os turistas consigam ter contacto com comida serrana – embora sempre com uma alteração que não “assuste demasiado” para dar o ar de sua graça. É o caso do prato “três pequenos porcos”, que combina bochechas, lâminas e secretos de porco. Curiosamente, muitos dos ingredientes locais até são semelhantes aos de Alabama, nota Misha.

Por agora, só abrem o restaurante de sexta a segunda, das 12h30 às 22h30, por terem uma equipa reduzida e por ser o primeiro ano em que podem realmente avaliar se o conceito está a ter sucesso entre a população. Domingo é sempre o dia do brunch, sendo de esperar uma variedade de pratos que vai de tomates verdes fritos com queijo de cabra (5,95 euros) e pataniscas de bacalhau e batata numa rodela de waffle sriracha (8,50 euros), ao mac‘n cheese (9,50 euros) e à carne de porco preto doce e fumada (14,50 euros).

Este domingo, dia 3, vão organizar o primeiro “cozido de lagostim e camarão anual”, com música ao vivo, que é um de vários eventos que querem propôr à população e aos turistas, visando dinamizar a região. Estão a planear ter noites mexicanas e da Indonésia, por exemplo, ou organizar jogos no espaço exterior e festas temáticas. Claro que também no âmbito do vinho, com degustações em grupo e privadas.

“Nós queremos ser divertidos, acessíveis e manter à mesma uma boa qualidade. Não queremos que pensem que somos estrangeiros que vieram para cá só para tentar agradar estrangeiros”, destaca Misha. Até porque a própria história de vida do restaurante Ceiceira traz consigo uma certa responsabilidade, que lhes deu receio, no início, de não serem bem recebidos: “Todos adoravam o Fernando [o antigo dono] e ele suicidou-se, tendo a família dele vivido aqui. Portanto, ao comprar a propriedade, tivemos receio de que as pessoas pudessem ficar ofendidos connosco por estarmos a ocupar o lugar do Fernando e a alterá-lo”. Mas a resposta tem sido muito positiva, com as pessoas a mostrarem-se contentes pelo facto de estarem a trazer de novo vida a esta casa onde antigamente tanto se dançava em festas. A própria ementa também está a ser bem recebida, tanto que um cliente até quis lamber o prato para não desperdiçar nada da tarte banofee.

Restaurante Ceiceira Tasting Lounge
Monchique, Estrada da Fóia
Tel. 282 012 958

Partilhar