Como o paradigma da leveza está a mudar as nossas vidas
O ensaio intitula-se “Da leveza, para uma civilização do ligeiro”, e o seu autor é um influente pensador francês, Gilles Lipovetsky, e os seus trabalhos estão largamente difundidos e são estudados em Portugal (Edições 70, 2016). É um trabalho que se centra sobre a leveza, o fluido e o móvel do nosso tempo: corpo leve, arquitetura leve, dispositivos móveis, movimentos artísticos que giram à volta da leveza.
Na era hipermoderna, pautada pelo efémero, o precário, o culto da urgência, onde o grande ator é o indivíduo nómada, como por força de um golfão irresistível estamos a ser arrastados pela razão da leveza: queremos relações fixes mas também descomprometidas, deslizamos na flutuação social. O ligeiro é verificável porque há nanomateriais, técnicas digitais, biotecnologias, novos materiais leves que destronaram a configuração do pesado. Como filósofo, Lipovetsky desvela a aventura filosófica onde este programa da leveza tem as suas origens, e transporta-o até ao capitalismo de consumo em que vivemos, até esta economia da leveza onde pontifica a sução, a frivolidade e permanente mobilidade. Mas cuidado quando falamos da desmaterialização, do tamanho reduzido, estamos a poluir cada vez mais e contrariando várias provisões como seja o consumo do papel que não para de crescer. É um mundo tecnológico que vai organizando os ingredientes em que transformamos as religiosidades, intensificamos a cultura do corpo. Porque, como observa o autor, nada se pode entender sobre esta leveza sem perceber como funciona, o micro, o nano e o imaterial, a investigação não para se ser bem-sucedida a descobrir materiais ultraleves, e eles contribuem para aligeirar, miniaturizar, desmaterializar. Vejamos alguns exemplos que o autor cita: “A construção da Torre Eiffel necessitou de 7 mil toneladas de ferro: graças aos aços contemporâneos, 2 mil toneladas seriam agora suficientes. Na indústria das telecomunicações, 25 quilogramas de fibra de vidro podem substituir os serviços prestados por uma tonelada de fio de cobre. O aerogel, composto por 99,8% de ar, é hoje o material mais leve do mundo e possui a melhor propriedade de isolamento: material frágil, é capaz de suportar duas mil vezes o seu peso. Graças às nanotecnologias, é possível incorporar nanopartículas em certos materiais comuns a fim de lhes reduzir o peso. Os nanotubos de carbono, cem vezes mais resistentes do que o aço, são também seis vezes mais do que este material”. A mobilidade, essa vemo-la na rua, nos transportes, no ambiente de trabalho, muita gente circula com auscultadores ligados ao MP3, aproveitam as viagens para trabalharem com microcomputadores, trocam informações nos smartphones, obtêm notícias nos tablets. O teletrabalho deixou de ser imaginado como uma ficção, a revolução digital está em marcha no ensino, e um dos problemas mais agudos da vida familiar do nosso tempo é o desvanecimento da distinção entre a esfera do trabalho e a esfera privada. O leve não ilude a acumulação dos detritos, imparável, e os perigos saltam à vista. “Em 2012, foram produzidos no mundo 288 milhões de toneladas de matérias plásticas, cuja grande parte acabará um dia por se encontrar no ambiente, em particular nos oceanos. No mesmo ano, a união Europeia gerou 25 milhões de toneladas de resíduos plásticos, 40% deles decorrentes de embalagens. Os sacos de plásticos, essa maravilha de leveza tecnológica capaz de suportar uma carga duas mil vezes superior ao seu peso, criam cada vez mais problemas ecológicos com o seu bilião de unidades produzidas em inícios de 2000 e que precisam de 4 séculos para se começarem a degradar”.
Civilização e cultura onde prima o leve: na moda feminina e masculina, em certos cânones alimentares, nos rasgos arquitetónicos, na organização doméstica, no uso do vidro como elemento mais visível da arquitetura arrojado do nosso tempo. Civilização e cultura que afetam a vida do casal, a sentimentalidade e a descartabilidade, que igualmente encontramos na política de espetáculo, no conteúdo dos jornais em que os artigos de opinião têm uns magros parágrafos. Mas tudo tem o seu preço: tudo é mais flexível, mas a vida é desorientada, altamente fragilizada. Como escreve Lipovetsky, a revolução da leveza continua a avançar, mas não conseguimos encontrar harmonia nas nossas vidas: não nos tornou mais felizes. A leveza criadora é uma coisa, a de existir é outra. A sabedoria começa quando percebemos que a nossa razão e os nossos pensamentos conscientes não nos levam aonde queremos chegar. As ofertas espirituais de felicidade podem ajudar os homens, mas nenhuma é garantia de sucesso, pois a química da felicidade é muito singular. Se nem a leveza nem a gravidade estão ao alcance do nosso poder, sito deve ajudar-nos a escapar a um pessimismo radical. O espírito da leveza não anuncia a vitória sobre o pesado: afirma contra a alma trágica que uma nova levez é sempre possível.
Autor: Beja Santos