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Breve resenha histórico-arqueológica da antiga ermida de Santo António

PIC00015aSituada ao fundo da rua que ainda hoje mantém o seu nome, a Ermida de Santo António poderá ter sido construída durante o século XVIII, uma vez que é a partir desta altura que aparecem as primeiras referências a seu respeito.
As ermidas de Monchique aparecem mencionadas nos relatos das visitas que vários Bispos fizeram ao concelho ao longo dos anos, sendo que a primeira descrição a fazer-lhes referência prende-se com a visita pastoral de D. Lourenço de Santa Maria, a 7 de junho de 1754. Todavia, as Memórias Paroquias de 1758 não incluem a Ermida de Santo António no grupo de igrejas que terão sofrido danos no decorrer do terramoto que assolara o país três anos antes, pelo que se levanta a dúvida se esta ermida já estaria construída antes de 1755. No excerto daquele documento, relativamente aos estragos causados pela catástrofe, pode ler-se que «ruirão as Ermidas de São João, São Pedro, Santo André, Santa Brígida e São Sebastião, em cujo reparo se está atualmente cuidando, e ainda que cahirão várias casas deste povo e freguesia contudo se achão já quase todas reparadas».
No final do século XVIII sabemos que a Ermida de Santo António já estaria levantada, uma vez que foi um dos oito templos que o Bispo do Algarve, D. André Teixeira Palha visitara pessoalmente, aquando da sua passagem por Monchique, em 1784. Para além desta, o prelado também conhecera as ermidas de São Pedro, São José, São João, Santo André, São Sebastião, Santa Brígida e Senhora do Pé da Cruz, nas quais, se havia o costume de realizar, anualmente, festas em honra dos respetivos santos.
A Ermida de Santo António, assim como as restantes, voltam a ter destaque nos relatos referentes às três visitas que D. Francisco Gomes do Avelar realizara ao concelho entre 31 de agosto de 1791 e 11 de julho de 1803, período durante o qual ainda estivera, por duas vezes, «no oratório do alferes Inácio Duarte nos subúrbios da vila».
Segundo José Gascon, as ermidas que outrora existiram em Monchique, terão perdido o seu uso religioso entre 1803 e 1853, passando a ser utilizadas para fins profanos, muito provavelmente em virtude da lei de 8 de junho de 1841 «que levou à venda em hasta pública uma grande quantidade de património religioso». Tal facto sucedera com a Ermida de Santo António, «que foi vendida em praça como as anteriores», ficando inserida numa quinta com o mesmo nome.
Em meados do século XX, o desenvolvimento urbano obrigou ao corte dessa quinta, «ficando a ermida situada do lado Este da referida calçada e a habitação da quinta a Oeste da mesma, no local onde hoje se encontra o edifício dos correios». Durante praticamente toda aquela centúria, o edifício serviu como estábulo, mas posteriormente ter-lhe-á sido acrescentado um piso superior, no qual habitavam os caseiros da Quinta de Santo António.
Quando a Câmara Municipal de Monchique se tornou proprietária daquele edifício e procedeu a obras de recuperação no local, com o intuito de criar ali um espaço para exposições temporárias, foram detetados no seu interior vestígios de enterramentos, resultantes da violação de uma sepultura no decorrer dessas obras. Os trabalhos arqueológicos tiverem início em novembro de 2002 e foram levados a cabo pela empresa ERA Arqueologia que, baseando-se nas informações fornecidas pelo município, previu a realização de duas sondagens, marcadas pelo norte cartográfico e integradas num sistema de coordenadas topográficas Hilford – Gauss, apenas nos locais onde foram identificados os vestígios das sepulturas. Mas após a sua intervenção e atendendo aos resultados então obtidos, os trabalhos foram alargados e todo o edifício foi intervencionado.
Importa salientar que, antes desta intervenção, o edifício encontrava-se em avançado estado de degradação, contudo o seu elevado interesse patrimonial não passava despercebido. A construção, feita de pedra da região, em grandes blocos de granito ligados por argamassa à base de cal, formava um quadrado com 6,5 metros de lado e era constituída por uma porta ladeada por duas janelas, cuja espessura da parede tinha 1,2 metros. No interior, encontravam-se três capelas, com destaque para a lateral, do lado da epístola, na qual «havia decoração por frescos, geométricos, de forma elíptica, elaborados, cor castanha muito escura e amarela», os quais, no entanto, acabaram por ser destruídos no inícios das referidas obras.
De um modo geral, a intervenção arqueológica realizada pela ERA «permitiu identificar cinco fases dentro deste espaço, que correspondem quer a ações de construção ou ocupação, quer de destruição e abandono». De acordo com o relatório da arqueóloga responsável por estas escavações, Alexandra Pires, publicado no número cinco da revista ERA, de abril de 2003, sabemos que «foram exumados, pelo menos, sete indivíduos adultos – dois do sexo feminino, três do sexo masculino e dois casos de sexo indeterminado». Todos os corpos, à exceção do individuo da sepultura 4, foram depositados em decúbito dorsal, com os braços sobre o peito, mãos sobrepostas, membros inferiores estendidos e orientados no sentido SW – NE, ou seja, de frente para o altar, conforme a prescrição cristã. Na sepultura 4 foram recolhidos os ossos de um indivíduo adulto, do sexo masculino e que não teria mais do que 60 anos, o qual, com foi dito anteriormente, estava enterrado de maneira diferente dos restantes, com «o antebraço esquerdo a repousar sobre o peito, enquanto o antebraço direito se posicionava sobre a região pélvica», os membros inferiores estavam semifletidos para esquerda, provavelmente, devido à violação identificada nesta sepultura, e orientado de costas para o altar. A investigadora considera que esta distinção entre os enterramentos sugere uma condição social mais elevada atribuída ao indivíduo da sepultura 4, uma vez que esse estava enterrado de costas para o altar e imediatamente à frente dele, podendo também estar relacionado com o tipo de espólio que fora encontrado junto das ossadas, como «fragmentos bem conservados de tecido ornamental, com uma armação em liga de cobre», assim como «uma sola de sapato esquerdo, com fragmentos de tiras de couro e um fecho em liga de couro».
Foram registadas nestas escavações quatro sepulturas, todas de planta oval. Para perceber as características de cada individuo, a antropóloga Nathalie Antunes-Ferreira acompanhou os trabalhos arqueológicos e desenvolveu um estudo completo que permitisse analisar o sexo, a idade da morte, a estatura, as doenças do foro degenerativo, as infeções e os traumatismos físicos de cada um dos indivíduos.
Na sepultura 1, que corresponde à terceira fase dos trabalhos, foi exumado um individuo cujo enterramento permitiu um registo mais completo dos dados, uma vez que apenas lhe faltavam alguns ossos do pé direito, os quais foram recolhidos posteriormente no depósito que cobre o enterramento dessa inumação. Seria um indivíduo do sexo feminino, com 155 centímetros de altura e teria mais de 60 anos, junto do qual foi descoberto um vasto espólio composto pelos pregos do caixão, alfinetes de mortalha em cobre, restos de calçado e partes da mortalha que envolvia o corpo, bem como da cal que tinha sido deitada sobre o seu tórax e abdómen. O corpo foi depositado em decúbito dorsal, a cabeça estava de frente para o altar-mor, os antebraços repousavam sobre o peito, com a mão esquerda sobre a mão direita e membros inferiores estendidos.
Alexandra Pires crê que esta, assim como as restantes exumações não são anteriores ao século XVII, uma vez que a igreja já existia nessa altura e «foram recolhidos durante os trabalhos, faianças cuja cronologia aponta para o século XVII ou XVIII e os rituais de enterramento identificados são de diacronia larga, tendo sido postos de parte quando foi estabelecida a proibição de enterramentos dentro dos templos, que data de meados do século XIX».
Uma obra de reabilitação consiste em intervir num edifício, com a intenção de adaptá-lo a uma utilização diferente daquela para a qual foi concebido ou simplesmente, torna-lo utilizável de acordo com os seus padrões atuais. É o caso da atual Galeria Municipal de Santo António, cujas intervenções não alteraram a sua estrutura inicial, tendo apenas lhe sido melhoradas as condições. De um modo geral, foi colocado reboco nas paredes exteriores do edifício, que tinham sido picadas e feitas várias reparações no muro que delimita o terreno, nos canteiros e no chão. As duas escadas do exterior mantiveram o seu aspeto original e apenas lhe foi acrescentado algum cimento para fixar as pedras. No interior, todas as portas e janelas receberam a mesma cobertura de reboco e mantiveram o mesmo formato, assim como também foram mantidos os espaços que anteriormente eram preenchidos pelos nichos e capelas da antiga ermida de Santo António.

Referências Bibliográficas:
Jornal de Monchique – n.º 205 (novembro de 2000) e n.º 192 (outubro de 1999);
Revista ERA Arqueologia – Alexandra Pires e Nathalie Antunes-Ferreira, «A Ermida de Santo António (Monchique)», edição n.º 5, 2003;
GASCON, José António Guerreiro, «Subsídios para a Monografia de Monchique», 2.ª edição (facsimiliada), Algarve em Foco Editora, Vila Real de Santo António, 1993;
SAMPAIO, José Rosa, «Antigas Igrejas e Conventos do Concelho de Monchique», Monchique, 2008;
«Património Religioso do Concelho de Monchique», Monchique, 2008

 

(*Técnica Superior de Património) 

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