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As Artes dos Metais no Concelho de Monchique: notícia histórica e económica (2)

No século XX continuámos a encontrar profissionais da arte da ferraria. O jornal A Mutualidade, de Novembro de 1919 publicitava a «oficina de ferreiro e construção civil e agrícola» de Augusto Entradas.

Em meados de 1927 o jornal O Monchiquense faz publicidade à oficina de serralharia de Joaquim Vieira Freitas, que se dedicava à execução de «grades para jardins e instrumentos agrícolas». Todavia, o Anuário Comercial de Portugal para o mesmo ano cita apenas a serralharia de António Maria de Avelar & Filho, Lda.

O ferreiro João António de Avelar (f.1950) tinha herdado a oficina de seu pai, e ambos foram formadores de futuros mestres que mais tarde abriram forjas na vila e em Marmelete.
Pelo recenseamento de 1930 havia no concelho 94 pessoas ocupadas nas «indústrias de metalurgia» e uma no «comércio de metais». No ano de 1938 foram tributadas no concelho 7 oficinas de ferreiro.

No ano de 1932 morreram na vila, ainda bastante jovens, os ferreiros Rafael Ventura de Sousa, de 42 anos, e Augusto da Cruz Cordeiro, de 38 anos. No ano seguinte findar-se-ia também o mestre António Maria de Avelar, que contava 73 anos.

Segundo o censo de 1940, nesse ano apenas estavam registados no Algarve 372 ferreiros.

Os anuários da década de 1940 inserem a «Serralharia civil» de José António de Avelar, e as oficinas de Álvaro Callapez Nunes, Joaquim Nunes da Rosa e Joaquim Vieira Freitas.

Por esse tempo fabricavam-se balanças de vara e de caixa, estas fabricadas em madeira e ferraria, que eram consideradas altamente fiáveis e muito procuradas.

No ano de 1957 é a mesma publicação que faz desaparecer a oficina de José António Avelar, mas acrescenta às outras três, as de Joaquim Vieira Duarte, Aníbal Escolástico, José Manuel da Cruz, José Pedro Bartolomeu e Manuel Callapez Nunes, o que perfazia oito forjas e oficinas a laborar na vila e periferia.
Oito anos depois (1965) estamos ainda no apogeu da actividade e aparecem as mesmas oito oficinas, agora com algumas alterações nos seus proprietários: Álvaro Callapez Nunes, Aníbal Escolástico, António da Conceição Nunes, Joaquim Vieira Freitas, José Manuel da Cruz, José Pedro Bartolomeu, Manuel Callapez Nunes e Joaquim Vieira Duarte.

No capítulo das «serralharias civis» reaparecem quatros dos nomes acima citados, mais a “Serralharia Mecânica Auto-Moto Monchiquense”. Registe-se ainda, para o ano de 1969, um total de dezassete firmas de ferreiro, ferragens e serralharia civil e mecânica, aparecendo apenas como novidade os nomes de Joaquim Vieira Freitas (filho), e Fernando da Cruz. Fabricavam-se, sobretudo, alfaias agrícolas (arados, charruas, enxadas, enxadões de cavar, sachos de mondar, foices, etc.), por encomenda, para venda local ou para as feiras do Algarve e Alentejo, balanças de caixa e de vara, ferrarias para portas e janelas, vedações, camas em ferro, lavatórios em ferro, etc.

Em 1974, quando a profissão já acusava a pressão dos novos tempos e das importações, ainda aparecem nos anuários as oficinas de Álvaro Callapez Nunes, Aníbal Escolástico e António da Conceição Nunes. Álvaro Callapez Nunes trabalhava na altura com os seus irmãos Manuel e Joaquim.

No respeitante às povoações do concelho, no ano de 1957 existia na aldeia de Marmelete uma oficina de ferreiro, pertencente ao mestre António Sério, e em 1965 aparece o nome do ferreiro José Marcelino da Cruz, que pelo apelido talvez fosse o mesmo que tinha aberto uma forja, de certa dimensão, no sítio dos Gralhos, onde tinha vários operários assalariados e exportava alfaias para as feiras do sul do país.

 

Caldeireiros de Cobre e Caldeireiros Ambulantes, Latoeiros e Funileiros
Com estas designações aparecem vários profissionais, que deixaram rasto nos documentos dos séculos XVII-XVIII. Os caldeireiros que encontrámos não estão especificados e tanto poderiam ser de cobre como ambulantes.

O profissional mais remoto que encontrámos foi o caldeireiro João Domingues, que exercia em 29 de Novembro de 1619, quando baptizou a sua filha Margarida tida com a sua mulher Mécia Álvares.

João Álvares, casado com Margarida Estevens, estava activo no ano de 1666. Outro caldeireiro era Manuel Fernandes, casado com Maria da Silva, que aparece a exercer o ofício nos anos de 1665-1672.

Pela mesma altura surge também o caldeireiro Domingos Fernandes, que exercia a arte nos anos de 1668-1690 e faleceu a 21 de Outubro de 1708.
Da família Fernandes era também António Fernandes, «caldeireiro deste lugar», que trabalhava nas décadas de 1720-1730 e faleceu a 21 de Abril de 1743, sucedendo-lhe o seu filho e testamenteiro, também ele António Fernandes.

Outro caldeireiro era José Gonçalves, que exercia em meados de Julho de 1737, quando foi padrinho de um enjeitado.

No século XIX encontrámos uma vasta panóplia destes profissionais: António Mengo, espanhol, activo na vila no ano de 1811; António Bento, natural de Loulé, que morreu na vila em 1859; Sebastião António, activo nos anos de 1862-1874; Manuel Pedro Batalha, 1863; Manuel Matias, 1869; Justino Guerreiro, 1870; Manuel Francisco, natural de Mafra, que morreu com 60 anos, no sítio da Bemposta, em Março de 1874; outro Manuel Francisco, activo em 1891; Manuel José Petreques, que casou em Dezembro de 1899 com Maria da Conceição Andrez; Sebastião António, natural de Tavira, que era caldeireiro ambulante nos anos de 1874-1877 e faleceu no Hospital da Misericórdia, em 1879, com 55 anos; António Rita, que faleceu com 30 anos, em 1880; e Manuel Francisco, que aparece no ano de 1891.

Os caldeireiros fabricavam e reparavam caldeiras, alambiques, tachos de arame, etc., trabalhando sobretudo o cobre e geralmente criavam as próprias peças. Repartiam a arte com os latoeiros e funileiros, pois também trabalhavam o zinco e alumínio, com os quais executava peças como candeeiros a petróleo (os giricos), funis, regadores, formas para bolos, potes de azeite, alguidares, baldes, jarros, recipientes diversos, etc.

Do século XX conhecemos: José Francisco Baptista, caldeireiro, que faleceu no hospital, com 40 anos, em Outubro de 1904; e Francisco Penteado, também caldeireiro, que morreu com 86 anos, em 1932.

Dos funileiros ou latoeiros temos também uma pequena relação, que deve contemplar a maioria dos artistas que aqui exerceram neste período: Caetano Garcia, de nacionalidade espanhola, que era funileiro e negociante e morreu no Banho das Caldas, em 1865; José Duarte dos Santos Lopes, natural de Silves e casado com a monchiquense Inácia Lúcia Águas de Azevedo que era latoeiro na vila nos anos de 1890-1897 e morava na Rua da Boavista; Bernardo dos Santos, que figura como funileiro em 1877, sendo casado com Germana Rosa Marques dos Santos; António Nunes Arvelo, «funileiro» falecido no Hospital, com 60 anos, em Abril de 1902; e Manuel Andrés, que trabalhava nos anos de 1901-1903.

Nesse tempo detecta-se em Lisboa a Associação dos Latoeiros Portugueses, que como organização de classe recebeu estatutos em Setembro de 1875.

A dinastia “Nuno”, que durante muitos anos assentou foros na vila parece ter começado com Nuno Joaquim de Carvalho, latoeiro natural de Lagos, que era casado com a tecedeira Ana do Nascimento de Jesus e já aparece aqui estabelecido nos anos de 1883-1892. Um seu familiar era o funileiro Nuno Joaquim Bernardo, que esteve activo a partir de 1898 e nos primeiros anos da década de 1910. Segundo um anúncio que fez publicar em 1927 no jornal O Monchiquense era especializado em «louça de ferro esmaltado, alumínio, gasómetros e bocais para candeeiros». Este teve continuação, como veremos mais à frente.

Na colecta de 1938 aparecem tributados dois «funileiros», que deveriam possui oficina própria e podiam não trabalhar sozinhos.

Também se chamava caldeireiro ao típico amolador de facas e tesouras ambulante, que reparava utensílios de cozinha e chapéus-de-chuva.

Uma espécie de latoeiro e funileiro era o picheleiro, que não se sabe se aqui houve, que fabricava os pichéis, vasos de estanho em que antigamente se bebia o vinho.

Em 1944 temos notícia das oficinas do caldeireiro de cobre Manuel Guia e dos latoeiros António Caixinha e Nuno Joaquim Bernardo, que também aparecem citados dois anos depois, no Anuário Comercial e no Grande Anuário de Portugal.

Nas décadas de 1940-1960 os anuários registam os nomes de Manuel Guia, de António Manuel Guia (f.1988), que aparece simultaneamente como caldeireiro de cobre e latoeiro, figurando como titulares desta última actividade, ainda Cruz & Nunes Lda. e Nuno Joaquim Bernardo. Este último trabalhava com o filho e seu seguidor, Fernando Nuno.
Francisco Carvalho Bernardo, que aparecia em certames regionais, parece ter sido o último representante da arte da caldeiraria.r
Notas e Bibliografia
GASCON, José A. Guerreiro, Subsídios para a Monografia de Monchique, 1955.
Torre do Tombo e Arquivo Distrital de Faro: Livros de Baptismos, Casamentos e Óbitos desde 1618.
Anuário Comercial de Portugal, anos de 1924, 1927, 1944, 1946, 1957, 1965/66 e 1969.
VASCONCELOS, J. Leite de, Etnografia Portuguesa, vol. IV.
SAMPAIO, As Artes dos Metais no Concelho de Monchique: notícia Histórica e Económica, 3.ª ed., 2017.

 

(Texto escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico)

Legenda da imagem: Peças de latoaria e funilaria

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