As Artes dos Metais no Concelho de Monchique: notícia histórica e económica (1)

Anúncio in O Monchiquense, 1926
Anúncio in O Monchiquense, 1926

Muitos anos já se passaram desde que em criança convivi com as artes tradicionais, que então se faziam sentir na minha rua, numa azáfama que envolvia e fazia viver toda uma economia local que hoje se perdeu.

As ruas eram muito deferentes de serenidade quase deserta dos dias de hoje e por todo o lado se ouvia, desde a madrugada, os ruídos laborais que pareciam chamar os jovens para a aprendizagem destes ofícios, que na prática eram verdadeiras escolas profissionais.

Na mesma rua e nas ruas ao lado trabalhavam arduamente os sapateiros, correeiros, carpinteiros, marceneiros, tecedeiras, costureiras, ferradores, albardeiros, caldeireiros, etc., que se misturavam com o bulício das tabernas, vendas, padarias. Não faltavam também os aguadeiros, pregoeiros, leiteiros, carvoeiros, vendedores de lenha, amoladores, caldeireiros ambulantes e os vendedores de quase tudo o que a comunidade produzia e necessitava para a sua sobrevivência.

Os ferreiros malhavam o ferro em brasa, depois de o mergulhar na enorme forja onde crepitava o carvão vegetal, que ardia sob a pressão do ar expelido pelo fole de cabedal. Lembro-me das forjas das ruas de São Pedro, Serpa Pinto e do Relógio, do caldeireiro da Rua Duarte Pacheco, dos latoeiros da Rua do Relógio, do albardeiro da Rua do Revez Quente e dos ferradores da Rua do Porto Fundo e da Travessa do Castelo.

A ferraria foi outrora uma das indústrias artesanais mais famosas e prestigiantes da vila e das freguesias do concelho. Era uma actividade que remontava à Pré-história, comprovada na região pelos vestígios de antigas explorações mineiras, e pelo facto de aqui existiram, desde tempos mais recentes, várias oficinas de forja e ferraria.

Pelas disposições do foral afonsino de Silves, de 1304, havia mesteres como o dos ferreiros, que não pagavam «foro algum», mas se não tivessem casa podiam trabalhar nas tendas do rei, a quem pagavam foro.

Por esse tempo, os ofícios mecânicos eram tradicionalmente deixados aos cristãos-novos (judeus), que se dedicavam sobretudo às artes da sapataria, ferraria, ferradoria, albardaria e alfaiataria.

Ligado à ferraria, o oficio de ferreiro alcançou um estatuto relevante, que depois em parte deu lugar ao de serralheiro, mais especializado. A maior parte das oficinas era gerida pelos patrões, que trabalhavam ao lado dos seus operários assalariados. Serviam-se da forja, do fole, da bigorna, do malho, do martelo, do metro e das tenazes. O fole de ferreiro, ou fole de forja é composto de uma sanfona de pele entre duas peças de madeira com cabo, que quando aproximadas expulsam o ar para fora da sanfona. A actividade de malhagem do ferro fazia-se a dois, o ferreiro, com martelo e tenaz, que ia moldando a peça, e o malhador que malhava com o malho.

Ferreiros e Serralheiros do Século XVII
Os profissionais mais antigos que encontrámos nos documentos remontam à primeira metade de 1600 e pelo número de profissionais – ferreiros e serralheiros – vê-se que esta aldeia de Silves era um importante centro de ferraria, que se apoiava na abundância de minérios de ferro que aqui havia. Destes conhecemos Domingos Rodrigues, casado com Catarina Dias que se encontrava activo nos anos de 1627-1649; Francisco Afonso, casado com Isabel Gonçalves, que exercia no ano de 1638; João das Neves, que aparece nas décadas de 1640-1650; Domingos Rodrigues, casado com Catarina Dias, que encontrámos nos anos de 1646-1649; André Lopes, casado com Maria Santa, que exercia em 1650; Manuel Rodrigues, casado com Margarida Luís, 1648-1671; João Rodrigues, «serralheiro», casado com Maria Raposa, 1667; e João Fernandes, «serralheiro», que viúvo de Domingas Alves casou a 26 de Novembro de 1674 com Maria Dias e faleceu a 29 de Julho de 1700, sendo seu testamenteiro o seu filho João Álvares, também ele «serralheiro», que ainda estava activo em 1709.

Outros profissionais da segunda metade de seiscentos eram José das Neves, que trabalhava nos anos de 1677-1681; Baltazar Fernandes, que exercia em 1678; Francisco das Neves, casado com Joana Dias, que estava activo no ano de 1692; João Álvares, «serralheiro», casado com Bárbara Afonso, que exercia na década de 1690; Manuel Rodrigues, casado com Margarida Luís, 1696; Bartolomeu Alves, 1697; e Brás Gonçalves, casado com Margarida Lopes, 1697.

Ferreiros e Serralheiros no Século XVIII
Apesar de não fazer qualquer menção aos ferreiros, ferradores, latoeiros e caldeireiros, as «Posturas Geraes para Villa Nova de Monxique e seo termo…», de 1793, aludem aos «oficiaes mecanicos», ao «juramento dos mecanicos» (cap.53), ao «exame dos oficiaes mecanicos…» (cap.37), e às «taixas dos oficiaes mecanicos de todos os ofícios…» (cap.91).

No século XVIII encontrámos outro João Álvares, também «serralheiro» e talvez filho do anterior, casado com Mariana da Conceição, que estava activo nos anos de 1716-1741 e deve ser o que faleceu a 22 de Agosto de 1741.

Outros dos profissionais do ramo, também designados de serralheiros, eram: António de Seixas, casado com Brígida dos Santos, 1697-1717; José Álvares, que faleceu a 2 de Agosto de 1741; e João Álvares, casado com Catarina Luís, que estava activo em Junho de 1717.

Ferreiro ou ferrador era Manuel Carneiro, casado com Luzia de Seixas, que poderá ter sido o iniciador desta dinastia profissional, que durou até aos alvores do século XXI e estava activo nos alvores deste século.

Outros profissionais eram: Manuel Gonçalves Cardeira, encontrado no ano de 1737; outro João Álvares, que faleceu a 6 de Julho de 1782; Domingos Rodrigues, falecido a 20 de Julho de 1750 e sepultado na igreja da Misericórdia; Francisco Pereira, que faleceu a 3 de Abril de 1755; António José, casado com Antónia Varela, 1773; Joaquim Álvares, que exercia nos anos de 1795-1806; e José Luís, que a 8 Setembro de 1799 perdeu a sua mulher Catarina Rosa e o seu filho recém-nascido António.

Nos anos de 1812-1814 encontrava-se incorporado no Regimento de Infantaria n.º 2, de Lagos o ferreiro monchiquense António Joaquim Maria, que é dado como tendo nascido c.1793.

Pelos registos paroquiais conhecemos vários ferreiros da segunda metade de oitocentos e início do século XX, numa altura em que se trabalhava bastante nesta arte, muito virada para as alfaias agrícolas, utensílios domésticos e o ferro forjado e artístico bem presente nos portões, cercas e adornos das casas. Os principais proprietários de oficinas de produção eram sobretudo as famílias Callapez, Avelar, Elias, Martins, Canelas e Parreira Espada.

António Callapez (f.1825), natural da Catalunha, aparece como proprietário de oficina por volta das décadas de 1780-1790 e décadas seguintes. Alguns dos seus filhos seguiram-no na profissão, designadamente António Callapez “O Moço”, Francisco Callapez, Pedro Callapez, José António Callapez, João António Callapez, Baltazar Callapez, Joaquim António Callapez e Salvador Callapez, apesar de alguns deles terem depois enveredado por outros ofícios. Pedro Callapez chegou a ser anspeçada ferreiro do Regimento de Lagos.

Da mesma família era João António Callapez, filho do também ferreiro António Joaquim Callapez, que estava estabelecido no sítio da Nave e depois na vila, nas décadas de 1880-1890. Descendentes também na actividade da ferraria eram José António Callapez, déc.1870-90; José Pacheco Callapez, casado com Maria Teresa Marques, déc.1860-1890, Francisco dos Reis Callapez, déc.1880. Ligados a esta família estavam ainda José Joaquim Parreira, casado com Maria dos Reis Callapez, que trabalhava nas décadas de 1860-1890 e faleceu com 65 anos a 2 de Janeiro de 1901, e Baltazar Rodrigues Sampaio, déc.1860.
José Baltazar Callapez, filho de Baltasar Callapez nasceu c. 1816 e foi incorporado como praça de pré no Regimento de Infantaria n.º 2, de Lagos, no ano de 1833 tendo sido depois promovido a anspeçada ferreiro.

Ligados a esta família estava o ferreiro José Joaquim Espada, casado com Maria dos Reis Callapez, que era filho do também ferreiro João Parreira Espada e de Tomásia Maria Callapez.

Da família Avelar conhecemos: Francisco Maria de Avelar, casado com a costureira Maria Fortunata, déc.1880-1900; João António de Avelar, casado com Victória da Conceição, déc.1890-1900; o filho deste José João de Avelar, casado com Maria Antónia da Silva, que faleceu com 79 anos a 29 de Maio de 1893; António Maria de Avelar, activo em 1891-1904; e Francisco Maria de Avelar, que aparece nas fontes a partir de 1900-1901.

Da família Lima Elias temos: Manuel Elias, casado com Maria da Conceição Luís e filho do também serralheiro Joaquim Álvares, activo em 1811; Sebastião José Elias, casado com Maria da Glória Silva, que aparece como «serralheiro» e «oficial de ferreiro», nos anos de 1815-1928; Joaquim José Elias, casado com Perpétua de Jesus, que exercia no ano de 1851; António Maria Elias, da Rua da Boavista, déc.1850-1880; João da Glória Elias, casado com Maria da Glória Lima, déc.1860-1900; Joaquim Alves Elias e o seu filho José Maria Elias, tendo este último falecido com 69 anos em 1861; Manuel António Elias Brinca, casado com Maria do Rosário Brinca, déc.1880-1900; João Duarte Lima Elias, 1880-1891; João Duarte Lima Elias, casado com Maria Catarina Carneiro, 1885; Sebastião José Elias, falecido solteiro e com 81 anos, a 2 de Setembro de 1905, filho de outro ferreiro do mesmo nome; e Inácio Elias, detectável em 1917.

Na profissão encontrámos ainda bastantes operários, cujos nomes também aqui registámos: Inácio Martins, 1851; António da Assumpção, 1852; Lazaro Gonçalves, 1863; António Sebastião, 1863; António dos Ramos, 1864-1878; José Soares, da Rua do Castelo, 1870; Joaquim dos Santos, 1871; Joaquim dos Santos Júnior, 1873-1876; José Gonçalves Pincarilho, 1877; José António Martins Canelas, da Rua da Boavista, que faleceu com 78 anos em Novembro de 1893; José António Martins, déc.1850-1870, que deveria ser familiar de outro José António Martins, da Rua do Castelo, que laborava nas décadas de 1870-1880; e Miguel José, exposto de condição, que faleceu com 79 anos, em Julho de 1881.

José Pedro de Andrade era natural de Vila Nova de Portimão e era aprendiz de ferreiro em 1874, tendo casado com Teresa Carneiro. Era filho de outro do mesmo nome, também ferreiro, casado com a tecedeira Maria Gonçalves, e ambos exerceram a sua arte nos anos de 1852-1897.

Já no fim do século e princípios do seguinte aparecem ainda nos mesmos arquivos os ferreiros e serralheiros: João Duarte, 1898; Joaquim da Silva Peralta, 1904; Joaquim Rodrigues Carneiro, 1900-1904; José Bernardo Soares, «soldador», 1899; Bartolomeu José de Mira, «serralheiro», 1892; Joaquim Manuel Sério, 1904; António Firmino, 1914; e José Francisco Sério (1917).

(Texto escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico)

Legenda da imagem: Ferreiros trabalhando numa oficina

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