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Alfred Rosenberg, o guru de Hitler e filósofo do racismo

O livro intitula-se “O Diário do Diabo – Alfred Rosenberg e os segredos roubados do Terceiro Reich”, por Robert K. Wittman e David Kinney, Temas e Debates, Círculo de Leitores, 2016. É extremamente raro encontrar-se uma narrativa histórica rigorosa entremeada de dados biográficos que parecem requisitados à mais primorosa ficção. Cruzam-se as vidas do procurador Robert Kempner, uma figura de indiscutível importância no julgamento de Nuremberga e Alfred Rosenberg, denominado o principal filósofo social de Hitler, polemista venenoso no jornal do partido nazi, a quem coube a prática de horríveis façanhas como responsável na rapinagem de obras de arte em casas particulares, biblioteca e museus da Europa e, mais grave do que tudo, como ministro para os territórios ocupados chancelou a escravatura humana e o assassínio em massa.

O que tinham estes dois homens em comum? Robert Kempner era alemão e judeu, em circunstâncias dramáticas abandonou o país, escolheu outras paragens europeias até ter partido para os Estados Unidos onde obteve cidadania norte-americana. Sucede que na sua vida profissional na Alemanha assistiu a ascensão dos nazis, às suas práticas terroristas, à criação dos campos de concentração, à repressão brutal dos opositores, cedo percebeu que Rosenberg era um dos principais comunicadores do ódio nazi aos valores religiosos e à exaltação descabelada do arianismo. Alfred Rosenberg é um báltico que cedo encontrou no partido nazi espaço para destilar o seu antissemitismo, o seu anticomunismo, o seu pendor para pregar os princípios orientadores da cruzada genocida do III Reich. Graças à audaciosa descoberta do seu diário ficamos como uma visão ainda mais impressiva das etapas fundamentais do belicismo nazi e da sua delirante tentativa de conquistar o mundo. Os autores, pelo currículo, desempenharam-se bem desta agitada história para desencantar as páginas escritas pela mão de um ideólogo quase esquecido que preparara o palco para os piores crimes do século. Diário escondido em pastas e caixas nos subúrbios e Filadélfia durante mais de seis décadas, o seu achado de análise ia permitir novo enfoque sobre a infâmia nazi.

Ao longo de cerca de 500 páginas, numa redação colorida e vibrante, assistimos ao fim da I Guerra Mundial, aos gravíssimos conflitos políticos e sociais no interior da Alemanha, à formação do nazismo e aos seus ganhos de popularidade em tempos de depressão e humilhação de um povo; assistimos à ascensão eleitoral do nazismo e como, a partir de Janeiro de 1933, se consolidou um projeto totalitário que tinha os judeus e os comunistas como inimigos mortais. Rosenberg não era estimado mas a sua escrita jornalística prendia pelas descargas viperinas. Escreveu um livro que foi um best-seller sobre os mitos do século XX, obra quase impenetrável, pensada como um tratado de filosofia da arte e da religião, onde proferiu considerações inauditas e totalmente infundadas sobre os valores raciais, bem como disparates sobre a cultura germânica.

Rosenberg empoleirado nas funções de filósofo e ideólogo irá confrontar-se com outro nazi, estrelada ascendente, Goebbels, ministro da propaganda, responsável pela cultura, vaidoso e femeeiro. Como escrevem os autores, a propósito do diário de Rosenberg, ele tinha um lugar na primeira fila para assistir a momentos históricos e decidiu documentá-los em pormenor. Tomou-se como uma grande figura pública que tinha a certeza de que iria ser considerado um grande homem da história. Com a ascensão do nazismo vamos ver Robert Kempner a partir para Itália, exilou-se na Toscana, a perseguição aos judeus tornara-se infernal. Hitler vai conquistando regiões, depois países, no horizonte a guerra parece inevitável, a militarização da Alemanha era assustadora. Precedendo a invasão da Polónia, Hitler faz um pacto com Estaline, precisava de paz a Leste, deu aos comunistas os países bálticos e uma fatia da Polónia. Mas a guerra corria de feição, Hitler dá novos poderes a Rosenberg, iniciava-se a pilhagem de livros. “No seu novo Instituto de Investigação da Questão Judaica, em Frankfurt, Rosenberg estava a reunir a maior biblioteca mundial de estudos e objetos relacionados com os judeus; teria centenas de milhares de volumes roubados”. Rosenberg entrou noutras pilhagens, colaborando com Goering, entrava-se no mundo das obras de arte e no sequestro de todos os bens dos judeus. Com a invasão da URSS, novas funções relevantes para Rosenberg, respondia pelos territórios ocupados, começa aqui a etapa decisiva que o irá catalogar como um dos mais famigerados criminosos de guerra.

Quando os nazis capitularam iniciou-se uma nova etapa, a do julgamento dos criminosos e os autores detalham todo o processo e particularmente as incriminações a Rosenberg, associando-o inequivocamente ao genocídio, ao incitamento ao ódio e às suas estreitas ligações com o roubo e saque de obras de arte. Os juízes de Nuremberga foram muito claros: ele participara numa pilhagem a nível continental no programa de trabalho forçado e numa ocupação assassina e brutal no Leste, como igualmente desempenhara um papel na invasão da Noruega, em 1940. Durante os meses que passou na cadeia, Rosenberg escreveu umas memórias em que contou de novo a sua versão da história do III Reich. E então renegou o seu ídolo: “O que Hitler fez, o que Hitler ordenou, como sobrecarregou os homens mais respeitáveis, como arrastou por terra os ideais de um movimento que ele próprio criara, tudo isso é de uma dimensão de tal modo monstruosa que nenhum adjetivo de uso corrente é adequado para o descrever”. Era tarde de mais, morreu na forca, nunca sabendo que o seu diário ia ser uma das mais importantes provas incriminadoras desse regime alucinante que pôs o mundo em guerra.

 

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