Afinal, o que é o populismo?
“O que é o populismo?”, por Jan-Werner Müller, Texto Editores, 2017, é uma dissertação de um reputado professor universitário onde se procura responder a essa questão comum do que é ou do que são os populismos. Diferentes políticos podem ser apresentados como populistas: Donald Trump, Beppe Grillo, Marine Le Pen, Nicolás Maduro, e há a Áustria, os Países Baixos, a Polónia, a Hungria, a indisfarçável Turquia, todos falam em unificar o povo, apresentam-se como representantes do verdadeiro povo. Será que estamos a assistir a uma vaga universal de ascensão de populistas? Estes líderes que reivindicam ser antissistema não têm todos a mesma história e, em rigor, nem todos prosseguem os mesmos objetivos. Veja-se o partido Fidesz, de Orbán, que não foi sempre um partido populista, só depois da eleição de Orbán e que se transformou num líder profundamente iliberal e anti União Europeia, sempre a minar o primado do direito e a democracia; do mesmo modo, o partido Lei e Justiça, de Jaroslaw Kaczyński apresentou nas eleições de 2015 um rosto moderado, para depois se revelar descaradamente populista.
O estudo de Jan-Werner Müller não esconde a grave preocupação deste fenómeno político, diz que não há um manual par derrotar populistas mas que nós também não estamos completamente desorientados ou impotentes e muito menos deve-se ser menosprezado o eleitorado populista.
O que é ser populista? Os populistas são sempre antipluralistas, pretendem que eles, e só eles, representam o povo, basta ver o discurso do presidente turco Recep Tayyip Erdoğan. Os populistas retratam os seus opositores como parte de uma elite imoral e corrupta; quando governam recusam-se a reconhecer a legitimidade de qualquer oposição. Todo e qualquer governo populistas têm em comum três características: tentativas de sequestrar o aparelho de Estado, pôr em movimento o clientelismo de massas em troca de apoio político e exercício de esforços sistemáticos para reprimir a sociedade civil.
Numa narrativa admiravelmente didática, o investigador lembra-nos como o populismo tem as suas raízes nos EUA do século XIX. Na atualidade, agem com pragmatismo que nada tem a ver com a racionalidade. Nicolás Maduro procurou combater a inflação mandando soldados às lojas de eletrónica com a missão de pôr etiquetas com preços mais baixos nos produtos. Em França, a Frente Nacional insistia nos seus cartazes, nas décadas de 1970 e 1980 dizendo: “Dois milhões de desempregados são dois milhões de imigrantes a mais!”.
O populismo, continua o autor, é uma maneira de entender o mundo político que coloca um povo moralmente puro e totalmente unificado, nunca se sai desta falácia, só uma parte do povo é realmente o povo. No voto do Brexit, Nigel Farage não se cansou de dizer que era uma vitória do verdadeiro povo. Donald Trump também disse na campanha eleitoral que a única coisa importante é a unificação do povo. Os populistas opõem os trabalhadores sempre de mãos na massa, puros e inocentes, a uma elite corrupta que de facto não trabalha. Os populistas não são contrários à representação, só que a sua forma de ver a representação é de que eles encarnam a verdadeira identidade.
Encare-se agora a liderança populista, eles prometem proximidade, para passar por cima dessa classe detestável, seja política ou económica, que se move em Washington, Donald Trump escreve no Twitter. Porque os populistas querem sempre eliminar o intermediário, depender o menos possível das complexas organizações partidárias como mediadoras entre os cidadãos e os políticos. Muitas vezes o líder populista está só, veja-se o holandês Geert Wilders, ele controla tudo e toda a gente, inicialmente nem queria constituir um partido, mas como se revelou legalmente impossível, Wilders tem ao seu serviço uma fundação.
Já foi referido que os históricos dos populistas têm amplas diferenças. Veja-se a Frente Nacional, fundada por Jean-Marie Le Pen, foi inicialmente um ponto de encontro de extremistas de direita, monárquicos e especialmente aqueles que não puderam aceitar a perda da Argélia pela França, nos anos 1960. A Frente Nacional parece ser uma dinastia, Marine Le Pen prepara uma sobrinha para a sucessão.
Temos depois a prática populista no poder. Podem ser moralistas no conflito político, mas não escondem a doutrina de “ou crês ou morres”, como dizia Hugo Chávez: “Não se trata de ser pró-Chávez ou anti-Chávez mas sim de patriotas contra inimigos da pátria”. Ocupam o Estado, expulsam todos os opositores, é o que se passa na Polónia e na Hungria. O ditador turco desfruta do inabalável apoio de uma classe média anatoliana que corporiza a imagem de um turco ideal, devotamente muçulmano, por oposição a elites ocidentalizadas e até mesmo às minorias, caso dos curdos. Os populistas dão-se muito mal com a sociedade civil que eles não podem domesticar, procuram asfixiar ou tirar voz a essas organizações não-governamentais, com a agravante de serem democráticas e plurais. Nem todos os populistas são racistas, os polacos e húngaros são-no claramente. Sempre que podem, produzem leis fundamentais para reduzir a oposição a pó, caso da Hungria e da Turquia.
O investigador aborda também o modo de lidar com os populistas e expõe detalhadamente a crítica liberal democrática do populismo. Como é evidente, esmiúça a cena americana e europeia, a questão política de se estar entre o populismo e a tecnocracia, as repostas são múltiplas. Conclui com um punhado de teses sobre o populismo, dizendo que é sombra permanente da política representativa e que a resposta mais enérgica para contrariar este extremismo é de que os populistas devem ser criticados pelo que são: um verdadeiro perigo para a democracia. E dever estar atento ao que eles dizem, e procurar dialogar: “Falar com os populistas não é o mesmo que falar com os populistas. Podem tomar-se a sério os problemas que levantam ser aceitar as maneiras como enquadram esses problemas”.
Obra básica para procurar entender um dos fenómenos políticos atuais mais inquietantes.