A vida e a escrita – a propósito do primeiro livro do Eduardo Jorge Duarte, intitulado Montanário
Naquele momento, no próprio dia 9 de dezembro de 2017, tomei a decisão de que este seria o meu último texto para o jornal, no ano que se aproxima do fim. E não encontrei melhor razão para o escrever: o primeiro livro de um amigo.
Escrever sobre uma primeira obra literária é quase sempre uma tarefa ingrata. Mas, neste caso, o primeiro livro do Eduardo Jorge Duarte (Ed. On y va, 2017), apesar de ser a primeira obra em nome individual não é o seu primeiro exercício de escrita.
O Eduardo tem um percurso já firmado, com colaborações na imprensa escrita (neste mesmo Jornal de Monchique), em antologias e é fundador e colaborador da revista literária GARANTA (ver entrada no seu livro, datada de 23 de Julho de 2017; p. 159), escreveu igualmente no blogue Terra Ruim (http://terraruim.wordpress.com) até 2014 e participa na Rádio Fóia em programas de divulgação literária, o que atesta o seu grau de envolvimento nas actividades das letras.
O título da obra, Montanário, transporta-nos de imediato para o campo da expansão da língua, e da criatividade a ela associada, que só os autores maiores nos concedem, e “montanário” parece evocar a condição fecunda da montanha, uma montanha de onde brota ou que nos proporciona uma substância vital, a água, na acepção metafórica da própria vida, embora o autor nos assegure ser o título a tradução da matriz diarística da mesma (com entradas que se distribuem entre 10 de Maio de 2009 e 12 de Novembro de 2017).
Entradas que se constituem como repositório de vida, da comunidade onde o autor nasceu (Monchique, em 1982), cresceu e que está omnipresente na sua escrita. Esse diário, apresenta-se como o diário da montanha e das suas gentes, ao mesmo tempo reservatório de referências territoriais, humanas e culturais, mas não só, assumindo-se nesse sentido mais lato, o da própria vida, para a eternidade. Nele cabe tudo e todos, a geografia, as pessoas (família e amigos), as histórias, conquistas e insucessos, o quotidiano, passado e futuro, os autores e os livros de referência, numa escrita que não renega as suas raízes, pois, como adverte o autor numa das epígrafes de entrada, de Lev Tolstoi “Se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia”. Nesse sentido, são evidentes no autor, na presente obra, as influências entre outros, de Miguel Torga, de “Contos da Montanha”, “Novos Contos da Montanha” e “Diário”.
A escrita do Eduardo Duarte é marcada por esse telurismo ou expressão fecunda da terra e da serra, expressão de vida que amplia mesmo a sua estatura “Eduardo Jorge Duarte, um metro e tantos de altura e novecentos e dois metros de tamanho” (entrada de 1 de Julho de 2017, p. 155), elevando a sua voz ou ampliando a voz de toda uma comunidade, a uma altitude porventura ainda não atingida. Essa é a matriz do autor, partir das referências locais, de contornos muito particulares para transcender-se e atingir a universalidade, só atribuída às obras autênticas.
Existe um sentimento de pertença e de habitação, do autor, para com a serra, como se ela fosse a sua casa, reduto e espaço sagrado, tal como nos diz na entrada de 18 de Novembro de 2013 (Testamento): “Serra, conta de mim/O que souberes contar./Conta, no dia do meu fim,/A minha história a pingar./Fala dos abismos que percorri/Desde que nasci(…)”, em intertextualidade com o poema de Ruy Belo Oh as casas as casas as casas:
(…)
Na casa nasci e hei-de morrer
na casa sofri convivi amei
na casa atravessei as estações
Respirei – ó vida simples problema de respiração
Oh as casas as casas as casas
Por último cumpre-me fazer uma referência à editora do livro, a recém-criada On y va, de António Manuel Venda, também ele autor monchiquense, que referiu na apresentação do livro, no passado dia 9 de Dezembro em Monchique, a enorme satisfação de poder contar com o autor Eduardo Duarte, publicado pela sua chancela. Um autor comprometido, com as suas raízes, com as pessoas, com a vida.