“A tua imunidade está quase toda no intestino”
Entrevista publicada na edição 478, de 29 de setembro de 2023
Com uma licenciatura em Dietética e uma pós-graduação em Nutrição Funcional, Ana Rita Horta olha para os problemas de saúde de uma forma holística, atendendo a que “está tudo interligado como se fosse uma teia”. A nutricionista explica: “se uma árvore tiver um problema nas folhas, o problema estará na raiz, na absorção, no solo”. O mesmo se passa com os humanos. Se uma pessoa se queixar do intestino, por exemplo, Ana Rita Horta terá em conta a mastigação, o ph do estômago e todo o tubo digestivo. É por isso que, nas suas consultas, procura sempre ser uma boa ouvinte, estendendo-as ao tempo que for necessário, com o objetivo de detetar a origem do problema dos seus doentes em vez de cobri-lo, apenas, com comprimidos. Trata-se, contudo, de uma abordagem mais trabalhosa e “chata” para as pessoas, observa, porque implica, muitas vezes, uma mudança de hábitos.
Visando trabalhar no ramo da prevenção “fora do gabinete”, a nutricionista também dá workshops de culinária e faz retiros, como o que decorreu na Quinta da Idalina, em Monchique, entre os dias 5 e 8 e outubro. Findo o verão, e uma vez que se avizinham as gripes e os narizes a escorrer, o JORNAL DE MONCHIQUE questionou a nutricionista sobre como podemos fortalecer a nossa imunidade através do que ingerimos.
Jornal de Monchique – De que forma é que a alimentação influencia o sistema imunitário?
Ana Rita Horta – Em tudo. Tu podes ter estratégias alimentares que vão potenciar o efeito de antibiótico, por exemplo, ou melhorar a tua autoimunidade. Por exemplo, usar o gengibre, um chá de gengibre com kurkuma, é fantástico, porque aumenta a imunidade e é anti-inflamatório. Basicamente, passa muito pela saúde intestinal, o chamado segundo cérebro.
JM – Em que consiste a saúde intestinal?
ARH – A tua imunidade está quase toda no intestino. Então, se começares a ter muitos problemas de imunidade, de alergias, infeções, fungos, é porque o teu intestino não está bem. A tua barreira intestinal que protege contra estes agentes internos está frouxa e, ao estar frouxa, o que tu comes, o que tu bebes, o que tu respiras, em vez de ser eliminado pelo fígado, rins, urina, fezes, acaba por ser absorvido. Então as toxinas, os fungos, os vírus e os parasitas acabam por entrar, fazendo o teu corpo reagir, porque não é uma coisa normal. Reage tendo febre, doenças, criando défices de imunidade, infeções. Quando a pessoa tem já doenças muito recorrentes, uma doença autoimune, então o primeiro alvo é recuperar a saúde intestinal, com a alimentação também, mas muitas vezes com suplementação. Se a pessoa quiser melhorar só tipo prevenção, do género ‘vem o inverno e não quero andar doente’, há certas vitaminas que pode tomar, como a vitamina C, o zinco, o selénio. Podes tomar suplementos, mas também podes comer muito melhor: mais frutas verduras, utilizar muito a kurkuma, o gengibre, a pimenta. Há certas pessoas, por causa de problemas de estômago, que não conseguem usar o limão, a kurkuma e a pimenta. Nesse caso, há óleos essenciais que já não têm essa acidez e pode fazer um shot, pôr água com um bocadinho dos óleos e bebes, é muito prático.

JM – Onde se pode arranjar esses óleos?
ARH – Gosto muito dos da marca do-TERRA, estão programados para serem ingeridos. A grande maioria deles, claro, nem todos podem. Mas os óleos essenciais acabam por ser uma boa estratégia, super prático para quem anda a correr para ajudar a tal autoimunidade, através das defesas, da barreira do intestino, por exemplo. Há um aminoácido que também é fundamental, que é a glutamina, que ajuda a pôr a barreira do intestino um bocadinho mais rígida e coesa. E há recomendações gerais, claro: comer bem, dormir bem, fazer exercício físico, comer fruta, cinco porções de vegetais e fruta por dia, não comer pão branco, reduzir os açúcares… aquilo que toda a gente sabe e quase ninguém faz. O que é difícil é se não fazes nada disto e queres melhorar. Os suplementos não conseguem fazer o efeito se não tiveres uma boa alimentação. É por isso que eu digo que é chato e dá trabalho.
E há recomendações gerais, claro: comer bem, dormir bem, fazer exercício físico, comer fruta, cinco porções de vegetais e fruta por dia, não comer pão branco, reduzir os açúcares… aquilo que toda a gente sabe e quase ninguém faz.
JM – O que podemos ingerir para fortalecer o sistema imunitário?
ARH – O outono, para já, é uma ótima fase para desintoxicar, independentemente de potenciar esse processo ou não, porque já ocorre de uma forma natural no teu corpo. Podes beber chás de gengibre kurkuma, mel e limão. Shots de própolis com um bocadinho de água, vinagre de maçã ou limão também aumentam a imunidade, ou chás de equinácea. A gente pode usar muito os chás, que é uma boa maneira de ter compostos bioativos que ajudam na autoimunidade.
JM – Faz alguma diferença bebermos o chá frio ou quente?
ARH – No verão, os chás mais escuros bebem-se mais frios, mas os chás herbais, muitas vezes, podes beber quente que até ajuda na parte digestiva. Sempre que usas raízes, caules, troncos, tens é que ferver juntamente com água. Imagina, fazes um chá com estrela de anis, pau de canela, raiz de kurkuma e gengibre. Tens de pôr dentro de água, a ferver, e só depois de estar a ferver é que desligas e introduzes as folhas verdes. Lúcia-lima, príncipe, por exemplo.
JM – E comidas, tem alguma sugestão?
ARH – Há um que vou pôr no meu retiro, que é o caril de grão-de-bico com kurkuma, manga e leite de coco. O grão-de-bico dá-te imensa proteína e não tem glúten, e dá-te fibra. Depois, tens a kurkuma que é um poderoso anti-inflamatório, a gordura do óleo de coco que é ótima também para o sistema imunitário e é um bom antifúngico. Tens a manga que é também rica em vitaminas e minerais. E aquilo tudo ligado, assim com uns legumes assados no forno ou cozidos, num arrozinho branco, fica espetacular. Mas podes comer brócolos, sopa… desde que comas verduras ao almoço e jantar. Às vezes, não é preciso complicar. Keep it simple. Uma boa dose de verduras, carne ou peixe, ovo, eventualmente, arroz, massa, batata. Se já tiveres uma alimentação mais ou menos boa, não vais ficar tão doente. Depende do ponto de partida onde começas.
Podes beber chás de gengibre kurkuma, mel e limão. Shots de própolis com um bocadinho de água, vinagre de maçã ou limão também aumentam a imunidade, ou chás de equinácea. A gente pode usar muito os chás, que é uma boa maneira de ter compostos bioativos que ajudam na autoimunidade.
JM – Quando cozinhamos, temos de ter em atenção a ordem pela qual pomos as especiarias de forma a garantirmos a absorção dos nutrientes?
ARH – A ordem não, mas a compatibilidade. Por exemplo, se meteres kurkuma, mas se não meteres um bocadinho de pimenta, não absorve quase nada. O gengibre também ajuda. Há estratégias, sim, que melhoram essa absorção.
JM – Como é que se aprende a ouvir os sinais que o corpo nos dá a avisar que precisamos de fortalecer a nossa imunidade?
ARH – O corpo dá sinais muito antes de repararmos. Ou então a gente não liga à espera que passe. O problema é que a grande maioria das pessoas já chega com o corp a gritar, em pânico. Aí, o plano estratégico nutricional tem que ser um plano por etapas. Se estás com muitos sintomas, já não é só com um chazinho que vais lá, ou com um shot [imunitário] de manhã, em jejum. O sono é importantíssimo, é por isso que eu digo que é chato. A pessoa tem que melhorar o sono, tem que tentar reduzir o stress. Eu costumo dizer que a pessoa não tem culpa, mas tem responsabilidade. Nós vamos morrer todos, mas podemos escolher, ainda assim, como é que queremos morrer, com saúde ou doença. E a maioria das doenças que temos é de origem ambiental, ou seja, somos nós que causamos nós próprios. Há muita responsabilidade só que essa responsabilidade, muitas vezes, só chega quando temos os problemas.
Nós vamos morrer todos, mas podemos escolher, ainda assim, como é que queremos morrer, com saúde ou doença.
JM – Concorda com a frase popular “somos o que comemos”?
ARH – Não, só isso é muito redutor. Somos o que pensamos, o que fazemos e muito mais do que apenas o que comemos. O que tu comes muda aquilo que sentes e o que sentes vai afetar aquilo que tu comes. Está tudo enleado. E depois somos aquilo que absorvemos. Repara, se tiveres problemas digestivos, até podes comer bem, mas não consegues absorver aquilo enquanto não reparares o intestino. Somos o que comemos, o que pensamos, o que fazemos e o que absorvemos, o que eliminamos e o que desintoxicamos. Muita coisa junta.